Brasil-COP30/ Carlos Lopes, enviado para África e a radiografia da cimeira de Belém do Pará
Bissau, 12 Nov 25 (ANG) - O Brasil acolhe desde segunda-feira a 30a Conferência das Nações Unidas sobre o clima e o economista guineense Carlos Lopes é o enviado especial do evento para África, por decisão do chefe de Estado brasileiro, Lula da Silva.
Este também docente universitário na
cidade sul-africana do Cabo está, em Belém do Pará para esta COP30.
Carlos Lopes, enviado especial da COP30
para África, e economista guineense, começa por nos revelar em que consiste a
sua tarefa nesta cimeira.
Somos sete para as regiões consideradas
pelo Brasil como estratégicas para a discussão climática. No que me toca, eu
responsabilizo-me pela África. Estive envolvido na Organização da Cúpula
Africana do Clima, que teve lugar em Adis Abeba há cerca de um mês e, portanto,
faço a ponte entre as lideranças africanas e a presidência brasileira para
poder fazer com que esta COP ouça melhor cada uma das regiões. No meu caso, a
África, mas também possa, digamos, articular as várias conexões que são
necessárias para negociações desta natureza, que são sempre muito complexas.
E é sempre o mesmo chavão. Mas, ao fim
ao cabo, um chavão acertado em relação à realidade, ou seja, um continente que
padece sobremaneira das alterações climáticas e que pouco polui. Esta
constatação continua a ser válida em 2025, na COP de Belém em relação a África
?
Sim, eu penso que nós temos agora até
uma narrativa mais forte sobre o facto de regiões como a África precisarem de
muito mais foco nos problemas de adaptação climática... E menos na mitigação,
que normalmente domina os debates. E isso graças ao Brasil, digamos, ter também
a mesma preocupação e estar orientada na mesma direcção. Portanto, o Brasil
oferece à África essa possibilidade de maior concentração na adaptação, que é,
de facto, o que nos interessa.
Fala-se muito em perdas e danos,
precisamente em mitigação. O que é que se pode esperar em relação a esse
prisma, sendo que houve já anúncios feitos desde a pré-COP e agora o início da
COP propriamente dita... por exemplo, o lançamento do Fundo de Florestas
Tropicais para sempre. Na prática, há já avanços aí a registar ?
Na realidade, é o único fundo novo que
aparece nesta COP porque a presidência brasileira quis dar ênfase à
implementação e não a novos acordos. Mas tratando-se de uma COP que tem lugar
numa zona que é considerada a maior floresta mundial, achou oportuno que se
lançasse, digamos, uma iniciativa particularmente orientada para as florestas
tropicais e centrada sobretudo na protecção de três grandes zonas do planeta,
que são a principal reserva florestal que é a Amazónia, a África, na Bacia do
Congo e também a Indonésia e o Sudeste Asiático.
E, portanto, a inovação desse fundo é
que ele tem características um pouco diferentes de tudo o que foi até agora
lançado na COP, porque é um fundo para pagar aquilo que já existe e não para
fazer coisas.
Portanto, é para permitir a protecção da
floresta existente, e com uma ênfase também nas populações locais: as
populações indígenas, as comunidades locais, a quem será reservada a 20% da
utilização dos fundos apropriados. E com, digamos, características que são
menos de compensação, e que são mais de aposta e investimento no futuro através
da conservação. Portanto, têm de facto uma inovação muito grande.
É importante sublinhar que o Fundo já
está, digamos, com contribuições anunciadas importantes, sendo que dos 5
biliões que foram anunciados, cerca de três são da Noruega, que é o país que
toma a dianteira e vai muito para além até das expectativas que se poderia ter
nesta etapa da discussão. E há, digamos, uma adesão muito importante neste
momento política para a criação desse fundo.
Como é que é o ambiente aí, sendo que,
uma vez mais, os Estados Unidos ficam de fora? É claro que já não é uma
novidade. Em que medida é que o "climato-cepticismo", por assim
dizer, continua a pairar como uma sombra sobre as negociações da COP?
As negociações deste ano não são tão
importantes porque não se trata de conseguir mais. Há um mapa do caminho, como
se chama, de Baku para Belém, que foi definido na COP 29 e que é o assunto
principal de negociações. E à volta de quais são os montantes de financiamento
que até agora não foram cumpridos, e qual é o nível de ambição que se tem que
acrescentar em matéria de financiamento climático?
Mas, para além disso, as outras
discussões estão mais ou menos alinhavadas. Não vai haver grandes
controvérsias.
A ausência dos Estados Unidos vai-se
fazer sentir em termos de resultados, porque não é só o facto de os Estados
Unidos estarem ausentes do debate climático. É a importância que tem indirecta
nos comportamentos, equipamentos, por exemplo, corporativos, regulatórios.
O facto de, por exemplo, os
financiamentos privados estarem muito orientados pelas preocupações da
principal bolsa de valores que é a Bolsa de Valores de Nova Iorque e, portanto,
acaba por ter resultados indirectos muito negativos e que vão muito para além
de os Estados Unidos propriamente ditos fazerem ou não fazerem o
necessário.
Que olhar é que se pode ter acerca da
proposta da economista francesa Esther Duflo, que apresenta uma solução
original e na COP 30 de Belém, com o economista indiano Abhijit Banerjee, que é
o seu esposo, que ganhou com ela o Prémio Nobel da Economia em 2019, mais o
economista americano Michael Greenstone, que foi conselheiro de Barack Obama ?
Eles estão a propor um sistema de transferências
de dinheiro em troca de acções ambientais. Acha que este sistema pode ter
pernas para andar?
Eles propõem um esquema em que os países
ricos se comprometem a arrecadar fundos e a enviá-los directamente às
entidades, às pessoas para as ajudar a se proteger contra os excessos do clima
na forma de transferências financeiras ?
Digamos que não é tão original. Tem a
ver com as várias iniciativas para regular de uma forma ética, a emergência de
um mercado de carbono.
Eu sou defensor de que, no caso da África,
nós precisamos ter um mercado de carbono regulado pelos africanos e liderado
pelo Banco Africano de Desenvolvimento, porque é assim que nós podemos
contornar o facto de que do exterior se faz a certificação, se faz a taxonomia,
se faz, digamos, o controlo daquilo que é verde e do que não é verde, o que é o
bom e o mau carbono e qual é o valor do carbono?
Portanto, isto não são coisas que podem
ser decididas por outrém, devem ser decididas por aqueles que detém, de facto,
uma espécie de crédito histórico de carbono que não contribuíram para o
problema e estão a sofrer mais do que os outros. E, portanto, é necessário
poder de facto, conseguir transferir aquilo que nós consideramos como problema,
que é o problema da dívida de um aspecto financeiro para um aspecto de
carbono.
É adquirido, portanto, que não se
consegue cumprir a meta de um máximo de 1,5 graus de aquecimento do planeta. Já
se está a trabalhar num patamar superior: de menos de dois graus e meio do
aquecimento, é assim ?
É de 2,4 graus ! Mas eu acho que o
problema maior é de que mesmo essa segunda meta, que é uma meta, digamos, de
realismo, também não será atingida se não se fizerem muito mais esforços do que
aqueles que estão anunciados.
E nós temos ainda o déficit sempre
verificado daquilo que se promete e daquilo que se faz. Portanto, há
contribuições dos vários países anunciadas aqui na COP, porque este era o ano
em que se deveria fazer a revisão dos planos nacionais. Apenas 100 países, mais
ou menos, vão apresentar esses planos nacionais. Se tivermos sorte, chegar aos
100. Portanto, faltarão cerca de 80 e poucos países.
Mas mais importante do que isso é que
esses países que não estão presentes, digamos, na mesa, alguns deles são os
maiores emissores e, portanto, nós temos aqui já, digamos, comprometimento
muito menor do que anteriormente, mas daqueles que anunciam temos um nível de
ambição que está em redução, em vez de aumento.
Como o senhor professor está,
nomeadamente responsável pela parte africana. Eu pedir-lhe-ia que nos desse um
pouco um olhar da dimensão dos africanos presentes em Belém. Em que estado de
espírito é que viu as delegações chegarem? São de alto nível? Isso é promissor,
a seu ver, em relação à visibilidade de África nesta conferência ?
Nós não temos delegações lideradas por
chefes de Estado em grande número, não é? E também a nível ministerial, a
presença é bastante limitada e há várias explicações para isso.
Uma delas é o facto de que estamos quase
com as mesmas datas com a cimeira do G20, em que a África, pela primeira vez,
tem uma importância maior, porque está a hospedar a cimeira do G20 e é a
primeira vez que a União Africana participa a pleno.
E há uma série de países africanos
convidados pela presidência sul-africana. Portanto, isso não joga a favor da
COP.
A segunda razão é a logística. A
logística aqui em Belém é muito complexa, é também muito cara. Portanto, as
delegações africanas acabaram por ser penalizadas por causa dessa logística.
A terceira razão é o facto de nós
estarmos numa COP em que, digamos, os principais protagonistas estão ausentes
e, portanto, não vamos ter aqui os três principais emissores actuais, que são
os Estados Unidos, a China e a Índia.
E podemos juntar de todo o G7. A nível
de lideranças vieram apenas cerca de três, portanto há 17 países do G20 e do G7
e do G20, que não estarão presentes. E isso é, digamos, um desincentivo para a
própria presença de outros países, nomeadamente africanos.
No discurso de abertura, o presidente
brasileiro, Lula da Silva, lembrava que, de facto, em 92 tinha havido um
pontapé de saída importante já no Brasil em relação às questões ambientais.
E esta conferência volta, então, ao
Brasil e agora à a Amazónia e a Belém, onde se encontra o senhor
professor. O que é que nos pode dizer acerca, precisamente, da expectativa
dos habitantes desta grande cidade da Amazónia brasileira, relativamente ao
acolhimento desta conferência, para a qual o mundo inteiro tem os olhos virados
?
Há uma grande excitação em Belém e há
uma atitude, digamos, de grande euforia que se vê, que se sente. É palpável.
Portanto, há um défice de visibilidade na Amazónia e esta é uma grande
oportunidade.
É uma janela para se poder mostrar que a
Amazónia é muito mais do que apenas árvores. Tem pessoas, tem cultura, tem
gastronomia, tem cultura musical também muito importante para o Brasil o
carimbó. Enfim, temos aqui uma atitude de grande celebração e uma atitude de
grande entusiasmo, a tal ponto que não vai haver problema de números em termos
de participantes da COP.
Pode haver problema de participação internacional,
mas todo o espaço que não for ocupado por presença de delegações internacionais
seguramente é ocupado com grande pompa e circunstância e entusiasmo por
participantes paraenses, amazónicos, brasileiros.
Belém do Pará é mesmo uma área particularmente
vulnerável às alterações climáticas ?
Seguramente, porque a Amazónia tem um
problema de desmatamento, mas também tem um problema de grilagem, como aqui se
chama, de ocupação ilegal de terras. Tem um problema de populações que vivem em
regime quase escravo, segundo a definição da Organização Internacional do
Trabalho. E nestes três quesitos, um dos Estados que sofrem mais é justamente o
Estado do Pará. Portanto, não estamos muito longe dos grandes problemas que
afectam a Amazónia. ANG/RFI

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