Nova Iorque/Rússia
está a recrutar comandos afegãos treinados pelos EUA
Bissau, 01 Nov 22 (ANG) – Soldados das forças especiais afegãs que combateram os talibãs ao lado das tropas norte-americanas e que fugiram para o Irão após a caótica retirada de Cabul em 2021 estão a ser recrutados pela Rússia para combater na Ucrânia.
A
garantia foi dada segunda-feira à agência noticiosa norte-americana Associated
Press (AP) por três antigos generais afegãos, que adiantaram que os russos
estão a contratar “milhares” de antigos militares das forças de elite do
Afeganistão, criando desta forma uma “Legião Estrangeira”.
Para
os atrair, segundo referem os três generais afegãos, os russos oferecem o
pagamento mensal de 1.500 dólares (1.520 euros), além de promessas de proteção,
que envolvem também os respectivos familiares, evitando assim uma possível
deportação para o Afeganistão, onde poderiam morrer às mãos dos talibãs.
“Eles
não querem lutar, mas não têm escolha”, disse um dos generais, Abdul Raof
Arghandiwal, acrescentando que doze comandos afegãos no Irão com quem troca
mensagens de texto temem mais a deportação.
“Eles
perguntam-me: ‘Deem-me uma solução. O que devemos fazer? Se voltarmos ao
Afeganistão, os talibãs matar-nos-ão”, disse Arghandiwal, acrescentando que o
recrutamento é liderado pela força mercenária russa do Grupo Wagner.
Outro
general, Hibatullah Alizai, o último chefe do exército afegão a deixar Cabul
quando os talibãs ocuparam a capital e assumiram o controlo do país, disse que
o exército russo está a ser ajudado por um outro ex-comandante das forças
especiais afegãs que viveu na Rússia e fala a língua.
O
recrutamento russo surge após meses de avisos de soldados norte-americanos que
lutaram com as forças especiais afegãs de que os talibãs pretendiam matá-los e
que os militares poderiam juntar-se aos inimigos dos Estados Unidos para
permanecerem vivos.
Um
relatório do Congresso em Agosto alertou especificamente para o perigo de que
os comandos afegãos – treinados pelas tropas especiais dos Fuzileiros e dos
‘Boinas Verdes’ do Exército dos Estados Unidos – possam acabar por dar
informações sobre as tácticas norte-americanas ao grupo Estado Islâmico (EI),
ao Irão ou à Rússia, aceitando combater na Ucrânia e noutros locais de
conflito.
“Não
retiramos esses indivíduos como prometemos e agora está tudo a voltar-se contra
nós”, disse a AP Michael Mulroy, um oficial aposentado da CIA que serviu no
Afeganistão, acrescentando que os comandos afegãos são combatentes “altamente
qualificados e ferozes”.
“Eu
não os quero ver em nenhum campo de batalha, francamente, mas certamente não os
quero ver a lutar contra os ucranianos”, observou.
No
entanto, Mulroy mostrou-se céptico em relação ao acto de os russos conseguirem
persuadir muitos comandos afegãos a juntarem-se às tropas da Rússia, porque a
maioria que disse conhecer era movida pelo desejo de fazer a democracia
funcionar no Afeganistão em vez de servirem como mercenários na Ucrânia.
A AP
começou a investigar o recrutamento afegão quando foram divulgadas pela revista
Foreign Policy, na semana passada, informações do esforço que os russos estão a
fazer para recrutar os comandos afegãos, indicações que têm por base fontes
militares e de segurança afegãs não identificadas.
Por
outro lado, lembra a AP, o recrutamento ocorre quando as forças russas estão
ainda a tentar recuperar dos avanços militares ucranianos e depois de o
Presidente russo, Vladimir Putin, ter feito um esforço de mobilização
vacilante, que levou quase 200.000 homens russos a fugir do país para escapar
do serviço.
O
Ministério da Defesa da Rússia não respondeu a um pedido de comentário feito
pela AP. Um porta-voz de Yevgeny Prigozhin, que recentemente reconheceu ser o fundador
do Grupo Wagner, descartou a ideia de um esforço contínuo para recrutar
ex-soldados afegãos como uma “loucura absurda”.
O
Departamento de Defesa norte-americano também não respondeu a um pedido de
esclarecimentos, mas um alto funcionário admitiu à AP que o recrutamento não é
surpreendente, já que o Grupo Wagner está a tentar recrutar soldados em vários
outros países.
Não
está claro quantos membros das forças especiais afegãs que fugiram para o Irão
foram persuadidos pelos russos, mas um disse à AP que está tudo a ser tratado
através de mensagens de texto nas redes sociais, sobretudo no WhatsApp,
envolvendo pelo menos 400 outros comandos, que estarão atualmente a considerar
as ofertas russas.
O
comando afegão adiantou que muitos, como ele próprio, temem a deportação do
Irão para o Afeganistão e que e estão “zangados” com os Estados Unidos por
estes os terem abandonado.
“Pensamos
que eles poderiam criar um programa especial para nós, mas ninguém sequer
pensou em nós”, disse o ex-comando, que solicitou anonimato à AP, pois teme por
si mesmo e pela sua família.
“[Os
Estados Unidos] deixaram-nos simplesmente nas mãos dos talibãs”, acrescentou,
adiantando ter recebido uma oferta do Grupo Wagner, que inclui vistos para si e
para a família, a mulher e três filhos, que ainda se encontram retidos no
Afeganistão.
Outros
ex-comandos afegãos já receberam extensões dos vistos e permanência no Irão,
afirmou, sublinhando que está à espera para ver o que os outros decidirão.
“Creio que muitos aceitarão um acordo”.
Veteranos
norte-americanos que lutaram ao lado das forças especiais afegãs descreveram à
AP quase uma dúzia de casos, nenhum confirmado independentemente, de talibãs
que vão de porta em porta à procura de antigos comandos ainda no país,
torturando ou matando-os, ou fazendo o mesmo com membros da família se eles
estão em parte incerta.
A
organização Human Rights Watch (HRW) disse que mais de 100 ex-soldados afegãos,
agentes dos serviços secretos a e polícias foram mortos ou “desapareceram” à
força apenas três meses depois de os talibãs terem assumido o poder, apesar das
promessas de amnistia.
As
Nações Unidas, num relatório divulgado em meados deste mês, documentaram 160
execuções extrajudiciais e 178 prisões de ex-funcionários do governo e
militares. ANG/Inforpress/Lusa
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