África de Sul/Eleições
gerais prometem transição histórica no país
Bissau,28 Mai 24(ANG) - Ao fim de 30 anos de
democracia plurirracial, a África do Sul prepara-se para iniciar a mais
importante transição da sua história pós-apartheid, a confirmar-se a perda da
maioria parlamentar do ANC nas eleições gerais de quarta-feira.
Pela primeira vez na sua história, o Congresso Nacional Africano (ANC) deverá obter um resultado abaixo dos 50% dos votos e ser forçado a concertar-se no parlamento sul-africano para reeleger o seu candidato à Presidência, Cyril Ramaphosa, para um segundo mandato de cinco anos, e isso marcará o início de uma mudança fundamental no quadro político, consagrando o "virar da esquina" da ainda maior economia do continente africano.
A forma como se entenderão os 400 membros da Assembleia Nacional na
Cidade do Cabo para escolher o chefe de Estado e do Governo, que dirigirá o
país a cerca de 400 quilómetros, em Pretória, dependerá da expressão eleitoral
do ANC nas eleições de quarta-feira.
Quanto mais cair da barreira dos 50% o partido que elegeu Nelson Mandela
há trinta anos, como apontam todas as sondagens das últimas semanas, mais interessantes
se perspectivam as negociações para uma eventual futura coligação.
"As coligações baseiam-se em compromissos e penso que vai ser muito
interessante ver como os vários partidos políticos lidam com um conceito que é
relativamente novo para eles", sublinhou, em declarações à Lusa, Nicolas
Delauney, diretor do Crisis Group International (CGI) para a África Austral.
Certo é que, na "viagem" que o país iniciou há trinta anos,
esta quarta-feira marcará o "início de uma transição, que só acontecerá realmente
em 2029, nas próximas eleições, porque, embora o ANC fique abaixo dos 50%,
Ramaphosa continuará a governar e o ANC será o partido maioritário",
sublinhou, pelo seu lado, o fundador do Institute for Security Studies (ISS) em
Pretória, Jakkie Cilliers, em declarações à Lusa.
Desemprego, fornecimento de electricidade e água e corrupção são os
principais problemas que um inquérito do Afrobarometer, divulgado na semana
passada, identificou como justificadores do descontentamento de 85% da
população sul-africana com o rumo do país. Em 2011, recordou o instituto de
sondagens africano, cerca de 46% de um universo então inquirido indicavam que a
África do Sul estava a "ir na direcção errada", com uma percentagem
igual a dizer que estava a ir na "direcção certa".
Em primeiro lugar, o desemprego, logo seguido dos cortes de energia e os
efeitos em cadeia provocados na sociedade sul-africana; a questão da corrupção;
o custo de vida; pobreza; desigualdade; e recentemente a questão do
abastecimento de água potável são considerados problemas
"intratáveis" pelos respondentes ao inquérito do Afrobarometer e os
afastam dos partidos políticos: quase metade (47%) dos inquiridos não se sente
próximo de nenhum partido político e o número de indecisos a uma semana das
eleições ascendia a cerca de um terço.
Com maior ou menor vantagem, no entanto - todas as sondagens apontam,
incluindo a do Afrobarometer - o ANC continuará a ser o maior partido da África
do Sul, a nível nacional, por uma margem substancial.
Com o ANC de fora, nenhuma coligação de partidos alternativa conseguirá
obter no parlamento os votos necessários para apontar outro Presidente que não
Ciryl Ramaphosa.
Dependendo dos resultados eleitorais, Jakkie Cilliers antecipa um
período de discussões intensas, que deverão levar à formação de diferentes
alianças a nível nacional e a nível provincial.
"A nível nacional, penso que o ANC tentará evitar qualquer um dos
maiores partidos, seja o EFF (Combatentes da Liberdade Económica, na sigla em
inglês, actual terceiro partido parlamentar, dissidente do ANC), o DA (Aliança
Democrática, também na sigla inglesa, o segundo maior partido sul-africano,
liberal, cujos dirigentes são na maioria brancos) ou até o Inkhata Freedom
Party (IFP, aliado histórico do ANC, com que governou até 2004, mas em queda
nos últimos anos)", considerou o investigador do ISS.
Caso, porém, o ANC tenha que escolher um "partido maior",
Cilliers prevê que "será provavelmente o IFP ou o DA, mas não o EFF",
de extrema-esquerda marxista, cujo líder, Julius Malema, de 42 anos, é
caracterizado por um discurso de ódio, pelo qual chegou a ser condenado, e
defende, por exemplo, a expropriação de terras de pessoas brancas, sem
compensação.
Delauney não menospreza a capacidade de recuperação do ANC nos últimos
dias de campanha, até pelas suas raízes históricas, mas se o partido de
Ramaphosa perder por uma pequena margem, poderá então vir a "assinar uma
coligação com um pequeno partido que desempenhará o papel de 'kingmaker'".
Já "se perder por muito e obtiver um resultado na ordem dos 40% dos
votos, ou algo do género, então terá de se aliar a vários partidos ou a um
partido maior e é aqui que as coisas se tornam interessantes",
acrescentou, sublinhando não ser claro "o tipo de compromissos que o ANC
estará disposto a assumir neste caso".
A experiência, segundo o analista do CGI, mostra que a África do Sul não
tem produzido coligações duradouras nos níveis inferiores de governação, pelo
que "há uma curva de aprendizagem" que o país tem pela frente.
Cilliers antecipa que, a nível provincial, o ANC possa vir a ter que
escolher um ou dois dos maiores partidos, sobretudo nas maiores províncias,
Gauteng e Kwazulu Natal.
Na primeira, diz o analista do
ISS, "o parceiro lógico é a DA"; em Kwazulu Natal talvez possa
emergir "uma aliança do tipo ANC -- IFP--EFF -- MK (uMkhonto we Sizwe --
nome da ala militar do ANC durante a luta contra o apartheid, partido fundado
no início deste ano por Jacob Zuma, entretanto impedido na semana passada pelo
Tribunal Constitucional sul-africano de se candidatar)", afirmou.ANG/Lusa
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