Cultura/Odete Costa Semedo
vence Prémio Literário “Guerra Junqueiro”
Bissau,12 Jun 24(ANG) - A escritora guineense, Odete
Costa Semedo, é uma das nove vencedores do prémio literário “Guerra Junqueiro
Lusofonia 2023”. Foi formalmente comunicada a notícia à 20 de maio passado,
devendo receber o galardão em julho próximo.
Dentre os galardoados destacam-se Mário Cláudio de
Portugal, José Luís Mendonça de Angola, Cida Pedrosa do Brasil, Daniel Medina
de Cabo Verde, Laureano Nsue Nguema da Guiné-Equatorial, Paulina Chiziane de
Moçambique, Inocência Mata de São Tomé e Príncipe e José Ramos Horta do Timor
Leste.
Em entrevista exclusiva ao Nô Pintcha, Odete Costa Semedo
manifestou-se satisfeita pela distinção, que, antecipadamente, dedicou à sua
mãe que, segundo ela, era mulher iletrada, mas que lhe proporcionou, juntamente
com seus irmãos, a oportunidade de ir à escola e hoje é escritora.
De igual modo, dedicou esse prémio a todas as mulheres,
em especial às mulheres guineenses que lutam para proporcionar uma vida melhor
aos seus filhos e filhas; diz ela que, além de ser um incentivo, o prémio é
também um desafio lançado às escritoras guineenses, particularmente as que
ainda não tiveram oportunidade de publicar uma obra individual
Assim, convidou a todos os escritores nacionais a redobrarem esforços para
elevar a literatura guineense aos patamares mais altos, para conseguirem
projetar o nome da Guiné-Bissau no mundo da literatura.
Segundo a curadora do Prémio, Dra. Avelina Ferraz,
opinião com a qual diz a escritora concordar, “esse galardão vai ser um
instrumento de discussão para o aprofundamento das relações interculturais
entre os diversos territórios e povos lusófonos, tecendo uma rede de neurónios
ligados por uma língua comum.”
Esclareceu que a primeira edição deste prémio iniciou em
2017 em Freixo de Espada à Cita, terra natal de Guerra Junqueiro (1850-1923) e
vila anfitriã do prémio em Portugal.
Entretanto, na senda de sucessos, a escritora Odete Costa
, eleita presidente da Liga de Escritoras Africanas, para a Guiné-Bissau
durante o Congresso da Liga de Escritoras de África e Marrocos realizado em
Rabat em 2023.
Ainda foi indicada como porta-voz das Escritoras
africanas no Colóquio da Liga de Escritoras de África e Marrocos, realizada de
21 a 23 de Maio de 2024, em Marrocos, tendo falado em nome de todas.
O Colóquio foi promovido pela Liga de Escritoras de
África e Marrocos e teve como tema: “Dimensão do desenvolvimento cultural
africano, pontes e desafios nas culturas transfronteiriças”.
A escolha desse tema, segundo a escritora guineense, deve-se ao facto de o
desenvolvimento estar a ser debatido com base na dimensão holística da cultura,
e esta enquanto fator primordial de desenvolvimento. E a literatura é tida como
uma das pontes entre os vários países que fazem parte da Liga de Escritoras,
sendo que a literatura pode suplantar as eventuais barreiras linguísticas nas
relações transfronteiriças entre os países que, apesar de vizinhos, falam
línguas diferentes.
É um desafio, explica Odete Semedo, porque a África é um continente composto de
vários povos, comunidades, línguas, várias culturas afetadas por diferentes
marcas da colonização.
Nesta senda, Odete Costa Semedo, sublinhou que durante o
colóquio, foram referenciados pensamentos e obras de grandes intelectuais
africanos, as suas perspetivas de Cultura e da grandeza de África e dos
africanos. Amílcar Cabral foi um dos pensadores citados, sobretudo a dimensão
holística da Cultura africana no processo de desenvolvimento.
Segundo ela, a organização pretende criar associações de
escritoras em cada um dos países africanos, para que as vozes da literatura
feminina possam ser escutadas, e as obras literárias possam também produzir
algum efeito, no que diz respeito à cooperação sul-sul.
Disse que hoje em dia as produções literárias em África
são vastas no que diz respeito não só à literatura, mas também às ciências
sociais, à política, entre outros.
No referido colóquio foi também debruçado sobre o colonialismo e a escravatura
em África, pois, pensa-se que a escravatura já não existe. Mas, na opinião da
escritora, ainda existe escravatura nas nossas mentes, porque África sofreu
vários séculos de colonização que transmitiu aos africanos o sentimento de
fracassado, provocando a baixa autoestima e menosprezo pelas próprias
capacidades diante do outro.
De acordo com a escritora, ela acredita na necessidade de
as academias passarem por um processo de “descolonização das mentes”, uma forma
de “conscientização” ou ainda de “africanização dos espíritos”, conceitos dos
pensadores como Cabral, Freire.
Essa dinâmica, segundo ela, passa pela criação de novos
apriorismos, novos paradigmas nos estudos africanos e nas academias africanas e
não só.
“Daí, entende-se que a cultura africana deve ser estudada de acordo com os
fatores culturais africanos sem descorar aquilo que já foi desenvolvido nas
academias, mas desafiar esses canons com outros paradigmas, com outras visões,
isto é, pôr na balança as várias dimensões das nossas culturas e histórias
comuns”, sublinhou Odete Semedo.
Por outro lado, acrescentou: o coloquio discutiu sobre as
universidades, como é que elas podem ser pontes e desafios, tendo em conta que
elas deparam com faltas de meios, sobretudo financiamento para desenvolver
vários trabalhos de estudos e de investigação, o que tem limitado a capacidade
desses Centros, porque quando pedem financiamento, os doadores muitas vezes
condicionam os temas dos trabalhos investigativos, pondo em causa os produtos
ou resultados da investigação.
Durante o colóquio também se debruçou sobre a fuga de
cérebros africanos, não só ao nível da investigação em ciências sociais, mas
também a nível da medicina e outras áreas das ciências exatas. Muitos
especialistas africanos estão ausentes e encontram-se na Europa, América ou na
Ásia onde são formados. Muitos nem sequer chegam a voltar à terra natal, pois
se o país de acolhimento os reconhecer como exper nos domínios de formação, e reconhecendo
as suas capacidades e potencialidades, são as instituições desses países que os
assediam a ficar e a servir nessas instituições, deixando o país mais
fragilizado, assim como o continente, em termos de quadros especializados.
Odete Costa Semedo reconheceu o enorme desafio que tem
pela frente, para efetivar a afirmação e consolidação desta projetada estrutura
da Liga de Escritoras Guineenses, tendo em conta “o país que temos”.
Disse que a primeira ação será a elaboração de um plano
de atividades que vai ter como primeira prioridade a identificação e inscrição
de todas as escritoras, tanto aquelas que estão no país como as que vivem na
diáspora, para depois seguir com a legalização.
Citou nomes de algumas escritoras que estão na diáspora,
como Artemisa Odila Candé Monteiro (Brasil), Antonieta Rosa Gomes (Portugal),
assim como Rita Ié, Filomena Correia Umabano, Filomena Embaló, Kátia Cassimiro,
Domingas Samy, entre outras que vivem na diáspora. No país vivem as escritoras
Vanessa Margarida Buté Vaz (Nê Vaz), Helena Neves Abrahamsson, Nelvina
Barrreto.
Certo é que, para Odete Costa Semedo, as escritoras que se encontram no país
têm que arrancar, encorando as que estão na diáspora a se juntarem a elas, para
impulsionar esse barco, pois, afinal, são as letras e a cultura guineenses que
estão em causa.
A escritora Odete Semedo acredita que o desenvolvimento e
valorização das obras literárias nacionais, vão também ajudar a alimentar as
bibliotecas e os centros culturais com mais livros para consultas e trabalhos
de investigação de alunos e estudantes universitários, investigadores e outros
que queiram desenvolver um trabalho científico para aprofundamento dos seus
conhecimentos. Porém, é preciso que as bibliotecas sejam criadas fisicamente e
estruturadas em termos de acervo, numa política do livro e da leitura.
As obras também ajudam a promover a cultura de leitura no
país, porque, segundo a escritora, não se pode exigir das pessoas que leiam, se
não houver livros, livrarias e bibliotecas, acrescentando que o Governo tem
mais que uma palavra a dizer nesse sentido.
“A Direção Geral da Cultura está a trabalhar com artes e culturas, e dentro da
Cultura temos a música, o teatro, a literatura, as artes, as produções
científicas que constituem um volume de trabalho enorme e da responsabilidade
do Governo que deve terb uma política clara e de investimento no sator, defende
a escritora.
Assim, instou o Governo a apoiar o setor literário,
particularmente as escritoras nacionais. Disse que é preciso que haja política do
livro, política de amor a leitura. Ensinar as pessoas a ler, faz-se com obras.
“Aliás, o país tem obras que podem servir e que valem a pena serem consideradas
obras de leitura obrigatória nas escolas, nas universidades, faculdades e nos
centros de formação de professores, nos institutos, tanto públicos como
privados.
De salientar que a escritora Odete Costa Semedo já tem
obras literárias publicadas no Brasil, em Portugal e outras traduzidas em
italiano e que estão sendo estudadas na Itália e no Brasil em várias
universidades.ANG/JNP
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