Moçambique-Dívidas
ocultas/ "A
pessoa-chave é o Presidente Guebuza e a sua cúpula"- analista
Bissau, 01 Ago 24(ANG) - Na sequência do veredicto
pronunciado na segunda-feira pelo Tribunal Comercial de Londres que condenou o
grupo naval francês Privinvest a pagar cerca de 2 mil milhões de Dólares de
compensações a Moçambique por corrupção no âmbito do caso das "dívidas
ocultas", a empresa informou que vai recorrer da sentença e que não
descarta a possibilidade de processar Filipe Nyusi, quando deixar de ser chefe
de Estado e já não beneficiar da imunidade presidencial, dentro de alguns
meses.
Na sequência de um julgamento que qualificou de "estranho",
no qual Moçambique "falhou de forma tão completa em cumprir com as
suas próprias obrigações e ignorou as ordens do Tribunal" no
sentido de fornecer a totalidade dos documentos que comprovam a sua posição
neste processo, o grupo naval pertencente ao empresário franco-libanês Iskandar
Safa, falecido no início deste ano, acusa as autoridades moçambicanas de terem
optado pela estratégia de "documentos
ocultos",
inviabilizando a possibilidade de um julgamento justo.
Neste sentido, a Privinvest deu conta da intenção de recorrer da
sentença e também de processar Filipe Nyusi, logo que deixar o cargo de Chefe
de Estado, no começo do ano que vem. Nyusi era ministro da Defesa na altura dos
acontecimentos e a Privinvest argumenta que o Presidente actualmente em
exercício é quem deve ser responsabilizado.
"Ao contrário de todas as outras partes envolvidas nessa disputa,
a Privinvest não fez acordo com Moçambique. A Privinvest optou por não ceder à
pressão implacável de um estado soberano imerso em segredos e apoiado pelos
seus apoiantes internacionais e seu exército de advogados caros", refere no seu comunicado a empresa antes de acrescentar que "se manteve comprometida em tentar
fazer com que o Presidente Nyusi reconhecesse a verdade sobre o que ele fez e
sobre o que aconteceu quando a Privinvest embarcou nos Projectos com a
República muitos anos atrás."
De acordo com a Privinvest "todas as alegações feitas por Moçambique de corrompimento do
ex-presidente Guebuza, seu filho, do ex-chefe do serviço de segurança de
Moçambique, de um funcionário sénior do serviço de segurança de Moçambique, da
ex-directora nacional do Tesouro, de ex-funcionários do Credit Suisse
(condenados criminalmente) e de outros não foram comprovadas. No entanto, a
Privinvest está alarmada com a conclusão oposta do Juiz relativamente ao
ex-Ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang. Essa conclusão, da qual a
Privinvest pretende recorrer, baseia-se em grande parte em inferências e não é
apoiada por uma análise confiável."
Na óptica do grupo naval francês, "essa é
uma consequência directa do facto de Nyusi e sua elite terem desafiado
despachos do Tribunal Inglês e se terem recusado a prestar depoimento em apoio
aos argumentos do seu próprio país, ou a entregar os documentos
necessários".
Reagindo a este comunicado, Borges Nhamire, pesquisador do
Centro de Integridade Pública (CIP), começa por constatar que a reputação da
Privinvest ficou seriamente abalada.
"É natural que a Privinvest não se conforme com a decisão. Esta
decisão é muito pesada para a Privinvest, não muito necessariamente do ponto de
vista financeiro. O dinheiro que está em causa é muito, mas sobretudo do ponto
de vista reputacional. A sentença do juiz é uma afirmação muito forte, que diz
que é um grupo de pessoas de países desenvolvidos que se organizaram para
defraudar um governo ou um povo de um país em desenvolvimento", considera Borges
Nhamire ao realçar que "do
ponto de vista reputacional, todo o governo de um Estado democrático que receber
sobre a mesa uma proposta de negócio com a Privinvest, vai dizer 'não, nós não
podemos fazer negócio' com uma empresa que foi condenada em tribunal de uma
nação desenvolvida, com um poder judicial independente, que foi condenada por
corrupção num país africano."
Por outro lado, o investigador que tem acompanhado de perto este
dossier considera que a reacção de "ira" da
Privinvest contra o chefe de Estado Moçambicano é "compreensível",
dado que, a seu ver, o principal arquitecto da condenação da Privinvest foi o
Presidente Nyusi, mas que uma acção contra ele terá um impacto limitado.
"Quem é o responsável principal desta condenação é o Presidente
Filipe Nyusi porque o Presidente é a pessoa que autorizou o governo de
Moçambique, através do Ministério Público, a iniciar esse processo em Londres.
(...) Então compreende-se esta ira que a Privinvest tem contra o Presidente.
Agora, daí a dizer que vai processar o Presidente, até pode processá-lo. Mas
não creio que um processo contra o cidadão Filipe Nyusi, que já não será
Presidente da República, tenha o mesmo impacto que teria um processo contra um
Presidente em exercício. Porque o cidadão Filipe Jacinto Nyusi, depois de sair
da Presidência, não carrega consigo uma Nação de mais de 30 milhões de pessoas,
não dirige um Estado, é um simples cidadão", comenta o pesquisador.
"A própria Privinvest sabe que andou a distribuir dinheiro a
dirigentes moçambicanos, sabe que a Nyusi não deu absolutamente grandes
quantidades comparativamente com aquilo que foi dado a Ndambi Guebuza,
comparativamente com aquilo que foi pago a Manuel Chang, comparativamente com
aquilo que foi pago para o partido Frelimo. (...) Isso mostra que Nyusi era um
peão neste processo das 'dívidas ocultas'. Era um simples ministro de defesa
num país com um sistema presidencialista onde os ministros são simplesmente
ajudantes do Presidente. Então o Presidente Nyusi não é a pessoa-chave neste
processo das 'dívidas ocultas'. Da parte do Estado moçambicano, a pessoa-chave
é o Presidente Guebuza e a sua cúpula", considera ainda Borges
Nhamire.
Na óptica do estudioso, os antigos dirigentes do país "fazem parte do esquema" e "essa
perseguição notável ao Presidente Nyusi é o indício de que não aceitou fazer
parte do esquema, antes pelo contrário". Contudo, Borges
Nhamire considera que não do interesse da própria empresa atacar Filipe Nyusi
em justiça, "porque se o Presidente tiver que
responder a algum tribunal, então vai arrastar consigo outras pessoas em que a
Privinvest não quer tocar, incluindo o Presidente Guebuza".
Recorde-se que a decisão anunciada na segunda-feira pela justiça
britânica é o culminar de praticamente cinco anos de contencioso naquela
jurisdição à qual Moçambique recorreu alegando corrupção, conspiração para
lesar por meios ilícitos e assistência desonesta para anular dívidas e reclamar
compensação financeira.
Maputo reclamava uma indemnização de um pouco mais de 3 milhões
de Dólares ao grupo naval e ao seu proprietário Iskandar Safa, por alegadamente
pagarem subornos a funcionários públicos, nomeadamente ao antigo ministro das
Finanças Manuel Chang, actualmente detido nos Estados Unidos.
Na altura dos acontecimentos, o governante assinou garantias
estatais sobre os empréstimos contraídos -sem conhecimento do parlamento
moçambicano- pelas empresas públicas Proindicus, Ematum e MAM entre 2013 e
2014.
Reveladas ao público em 2016, as dívidas foram estimadas em quase 3 mil milhões de Dólares e levaram instituições internacionais como o FMI e o Banco Mundial a deixarem de cooperar durante largos anos com este país considerado como um dos mais pobres do mundo. ANG/RFI
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