Espanha/Líderes da África Lusófona
apontam dívida como principal freio ao desenvolvimento
Bissau, 30 Jun 25 (ANG) - A IV cimeira da ONU sobre o
financiamento ao desenvolvimento, decorre desde esta manhã até à próxima
quinta-feira.
Trata-se de uma
conferência especialmente dedicada à procura de mecanismos para ajudar os
países do sul a alcançar os Objectivos de Desenvolvimento sustentável no
horizonte 2030.
A cimeira decorre num contexto em que esta ajuda tem vindo a diminuir, substancialmente, nomeadamente com o
corte dos financiamentos deste sector por parte dos Estados Unidos,
'peso-pesado' e o grande ausente desta conferência.
Após o Secretário-Geral das Nações
Unidas estimar que a ajuda ao desenvolvimento dos países do sul conhece um
défice da ordem dos 4 mil biliões de Dólares por ano, António Guterres também
considerou essencial "reparar o sistema mundial da dívida" pública,
que é insustentável, injusto e inacessível para os países em desenvolvimento,
sendo considerado um bloqueio ao crescimento sustentável.
"Com um serviço de dívida que ascende a 1,4 biliões de dólares por
ano, os países precisam - e merecem - um sistema que alivie o custo do
endividamento, facilite a reestruturação justa e oportuna da dívida e preveja
as crises em primeiro lugar", declarou
António Guterres ao sublinhar que, na sua óptica, o "Compromisso de Sevilha" adoptado
durante a cimeira, estabelece os alicerces de uma mudança.
A questão da dívida foi evocada por boa
parte dos chefes de Estado de África lusófona que discursaram esta manhã,
nomeadamente pelo Chefe de Estado angolano. Falando na qualidade de Presidente
em exercício da União Africana, João Lourenço apontou a actual corrida ao
armamento como um dos sectores que desviam os recursos que deveriam ser
canalizados para o desenvolvimento e também denunciou a divida dos países
africanos como sendo um dos freios ao seu crescimento económico.
"Depois do fim da Guerra Fria, quando o mundo devia dirigir toda a
sua atenção ao desenvolvimento económico e social das nações, eis que voltámos
a assistir à corrida armamentista de triste memória do século passado, desviando
avultados recursos financeiros e científicos que deviam estar ao serviço da
educação, do ensino, da formação dos jovens, do saber e da investigação
científica, virada para a nobre causa do desenvolvimento e do bem-estar dos
povos de todo o mundo", considerou
o chefe de Estado angolano.
"Esta quarta conferência representa uma oportunidade para darmos
um impulso decisivo a iniciativas que nos levem a encontrar mecanismos mais
ágeis e mais funcionais para a mobilização de recursos financeiros que nos
permitam enfrentar os desafios recorrentes com os quais se deparam os países em
desenvolvimento, como os choques climáticos, as flutuações dos preços das
commodities, a erosão da confiança no sistema multilateral e, acima de tudo, o
peso insustentável da dívida soberana, que consome mais recursos do que os
destinados à saúde e à educação em conjunto e limita drasticamente a nossa
margem de manobra para financiar o nosso desenvolvimento. Esta situação
constitui um obstáculo claro à realização dos Objectivos de Desenvolvimento
Sustentável da Agenda 2030 e ao cumprimento da Agenda 2063, que expressam o
compromisso comum com a construção de um mundo mais justo, mais inclusivo e
mais resiliente", disse João Lourenço.
No mesmo sentido, após apresentar os
mecanismos adoptados em Moçambique para alcançar os Objectivos de
Desenvolvimento Sustentável, o Presidente moçambicano enunciou uma série de
propostas, nomeadamente uma nova parceria global para o desenvolvimento, com
foco particular nos países mais vulneráveis, a criação de bancos de
desenvolvimento nacionais e regionais e mecanismos multilaterais para a gestão
sustentável da dívida.
"Moçambique apresenta um conjunto conciso de propostas
estratégicas alinhadas com os resultados esperados desta Conferência. A notar:
uma nova parceria global para o financiamento climático baseado em resultados,
com foco em países altamente vulneráveis, baixa emissão de carbono e projectos
de adaptação. Criação de bancos de desenvolvimento nacionais e regionais
voltados para o financiamento da industrialização rural, das pequenas e médias
empresas e da economia verde. Plataforma continental de Inclusão Financeira
digital com enfoque em jovens e mulheres, promovendo o acesso a
micro-investimentos, mecanismos multilaterais para gestão sustentável da
dívida, com inclusão de transparência e incentivos ao investimento", resumiu Daniel Chapo ao saudar a adopção de novos
mecanismos favoráveis ao financiamento do desenvolvimento dos países do sul.
O Presidente guineense apontou a falta
de receitas fiscais para financiar os sectores sociais, nomeadamente o sector
da saúde ou a educação e também apelou os países mais ricos a uma maior
flexibilidade no que tange à gestão da dívida dos países do sul.
"Países como a Guiné-Bissau precisam mobilizar recursos
significativos muito além do que é possível actualmente, com receitas internas
ou ajudas externas a nível nacional. Continuamos a enfrentar dificuldades de
financiamento em sectores essenciais como a saúde, a educação, a agricultura,
as infraestruturas e a adaptação às mudanças climáticas. Esses défices são
agravados por factores externos, como a instabilidade dos mercados
internacionais, o difícil acesso ao crédito devido às elevadas taxas de juro,
os efeitos das alterações climáticas, assim como pelo impacto económico
imprevisíveis dos conflitos armados e crises geopolíticas globais. O peso da
dívida externa torna mais difícil o investimento em prol do desenvolvimento
sustentável para os países do Sul. Precisamos de mais flexibilidade e um
tratamento mais equilibrado no sistema financeiro internacional. A este
respeito, a Guiné-Bissau defende uma reforma profunda da arquitectura
financeira internacional para que esta se torne mais justa, equitativa e
acessível aos países mais vulneráveis", disse
Umaro Sissoco Embaló.
Por seu turno, ao apontar igualmente os
desequilíbrios existentes nos sistemas financeiros globais, o Presidente de
Cabo Verde insistiu sobre a necessidade de aumentar os financiamentos
climáticos assim como de mobilizar recursos internos, com "sistemas
fiscais modernos", sem descurar o apoio ao sector privado.
"Cabo
Verde conhece bem os seus limites. Nenhum rigor interno pode compensar os
constrangimentos sistémicos de um sistema que continua a não ser acessível,
injusto, inadaptado às nossas realidades. Salientamos a urgência de um
financiamento climático adicional, previsível e direccionado para a adaptação,
nomeadamente nas áreas das energias renováveis, da protecção costeira, da
gestão da água e da sustentabilidade dos oceanos. Além disso, é urgente
intensificar a mobilização de recursos internos com sistemas fiscais modernos,
apoiando ao mesmo tempo o sector privado, as PMEs e uma juventude
empreendedora", apelou José Maria Neves.
Igualmente presente juntamente com a
Presidente da Comissão da União Europeia, o Presidente do Conselho Europeu,
António Costa, concedeu que "o multilateralismo não está
no seu melhor momento", mas reafirmou o compromisso dos 27 em
apoiar o desenvolvimento dos países mais fragilizados.
"Hoje, a partir desta tribuna, Ursula von der Leyen e eu próprio,
queremos enviar uma mensagem clara: a União Europeia vai continuar a lutar.
Fornecemos 42% da ajuda global ao desenvolvimento, um total de 95,9 bilhões de
Euros em 2023. Estima-se que mais de 300 milhões de Dólares em dívida foram
reestruturados pelos países da União Europeia que fazem parte do Clube de
Paris. O nosso compromisso é firme. Primeiro, com a reforma da arquitectura de
financiamento internacional, que precisa ser mais inclusiva, efectiva e
representativa. Segundo, com a prioridade de mobilizar novas fontes de
financiamento e terceiro, no apoio ao quadro comum para a dívida do G20. Por
isso temos trabalhado lado a lado com todos vocês para levar adiante o
compromisso de Sevilha. Um compromisso que nos mostre o caminho para os
próximos anos. Um caminho de desenvolvimento que vai depender não apenas da
quantidade, mas também da qualidade dos mecanismos de ajuda", disse António Costa.
Refira-se que o "Compromisso de
Sevilha" foi formalmente adoptado nesta segunda-feira, dia da abertura da
conferência. Este documento cujo objectivo é fazer emergir novos mecanismos de
financiamento da ajuda ao desenvolvimento preconiza nomeadamente uma nova
arquitectura financeira, uma melhor cooperação na luta contra a evasão fiscal e
uma tributação dos bilhetes aéreos. Propostas insuficientes do ponto de vista
de certas ONGs que apontam uma falta de ambição por parte dos países mais
ricos.ANG/RFI