França/Lecornu retira
“benefícios vitalícios” a ex-primeiros-ministros
Bissau, 16 Set 25 (ANG) – O primeiro-ministro francês, Sébastien Lecornu,numa
entrevista à imprensa regional, no fim de semana,afastou a hipótese de retomar
o debate sobre a idade da reforma, mostrou-se disponível para discutir a
justiça fiscal, recuou na proposta de suprimir dois feriados nacionais e
anunciou a retirada de privilégios concedidos a antigos chefes de Governo.
A
medida entra em vigor a partir do dia 1 de Janeiro de 2026. Em declarações à
RFI, o economista franco-português Pascal de Lima sublinha que “quando se exige
um esforço a todos os franceses, é necessária uma postura exemplar da parte
administração pública”.
O primeiro-ministro francês, Sébastian Lecornu, decidiu voltar
atrás na medida de François Bayrou que pretendia suprimir dois dias de feriado
do calendário dos franceses. Considera que foi a decisão mais acertada, numa altura
em que o país está a braços com um movimento social?
Sim, mas penso que o assunto dos dias de feriado não é
prioritário. Acredito que o mais importante são as 35 horas de trabalho
semanais e, nesse aspecto, defendo que devia ser feita uma reforma mais eficaz,
com a implementação de horários legais que garantam o cumprimento das 35 horas
por semana.
Está a dizer que os franceses não cumprem as 35 horas de
trabalho semanais?
Sim, exacto. Em relação a outros países europeus, a França está
abaixo da quota mínima de trabalho para poder ser competitiva na economia
europeia. Seria melhor reformar directamente o número de horas de trabalho
semanais. Depois, há também o número de dias de férias dos quadros,
particularmente nas categorias superiores do mercado de trabalho. O número de
dias de férias penso que teria um impacto ainda mais significativo. Por
exemplo, se pensarmos que mais uma hora de trabalho representaria cerca de 8
mil milhões de euros para os cofres franceses.
Questionado sobre a taxa Zucman, Sébastian Lecornu mostrou-se
receptivo a trabalhar as questões de justiça fiscal. Quando fala sobre questões
de justiça fiscal, a que se refere concretamente?
A taxa Zucman é um imposto mínimo sobre as grandes fortunas, que
pode reforçar a justiça fiscal e gerar receitas adicionais. Mas só funciona com
uma forte coordenação internacional, porque, caso contrário, existe o risco de
fuga de capitais. Trata-se de um instrumento complementar, não de uma solução
única. O facto de se mostrar receptivo a trabalhar as questões de justiça
fiscal é positivo e dá legitimidade social. Todavia, o esforço orçamental deve
ser feito com critério, protegendo o património produtivo - que gera
investimento e emprego - e concentrando a tributação acrescida sobre
patrimónios essencialmente financeiros ou especulativos, menos sensíveis.
O patrão do MEDEF, Patrick Martin, associa a taxa Zucman à
palavra “espoliação”?
Porque a pressão fiscal é muito elevada e Patrick Martin receia
que a taxa Zucman diminua a atractividade da França.
Isso pode acontecer?
Sim, pode. É muito importante fazer a distinção entre um
património ganho pelo trabalho e um património totalmente ligado a heranças -
são realidades muito diferentes. Portanto, o MEDEF não está contra e,
eventualmente, até preconiza um pequeno imposto sobre os grandes patrimónios
ligados à herança, mas não sobre os patrimónios resultantes do trabalho. O
problema é que o Governo não faz essa diferenciação.
Mas, a seu ver, seria necessário fazê-lo?
Claro que sim. Seria essencial fazer essa distinção entre o
património de herança e o património ligado ao trabalho.
O chefe do executivo francês falou ainda em retirar privilégios
vitalícios a antigos primeiros-ministros, a medida entra em vigor a partir de
Janeiro de 2026. O que representa este corte em termos de despesa do Estado? Ou
trata-se apenas de um sinal para os franceses, numa altura em que o executivo
fala em austeridade?
Quando se pede um esforço a todos os franceses, espera-se também
um comportamento exemplar da parte da administração pública. O peso da
administração pública e das colectividades representa cerca de 500 mil milhões
de euros. Ou seja, é uma parte importante das despesas públicas, com a
administração a apresentar fraca eficácia. É importante pensar na eficiência da
despesa pública, como fazem os países anglo-saxónicos, em áreas como a saúde, a
educação e outros sectores.
Segundo o Tribunal de Contas, o desperdício de medicamentos
representou, em 2023, entre 561 milhões e 1,7 mil milhões de euros ao Estado
francês...
É urgente reforçar a prevenção para melhorar a eficácia da
despesa em saúde. É exactamente o mesmo em relação a outras despesas sociais,
como o desemprego, as reformas no mercado de trabalho, os subsídios às
empresas. Precisamos de perceber que há subsídios que ajudam efectivamente as
empresas, mas outros são ineficazes. É essa reflexão que precisamos de fazer em
2025.
Sébastian Lecornu fala ainda de um debate sobre a
descentralização. O que pode ser feito aqui? Olhar para o Estado e perceber
onde é possível cortar mantendo a eficácia?
Sim, pode ser uma oportunidade para melhorar a eficiência e a
responsabilização da administração pública. Mas só funcionará se a
transferência de competências vier acompanhada de um financiamento estável e de
um mecanismo claro de avaliação. Caso contrário, corre-se o risco de aumentar a
complexidade sem ganhos reais - e é isso que devemos evitar.
Sébastian Lecornu disse, no entanto, que não está disponível
para voltar ao debate sobre a idade da reforma. Considera que é uma decisão
sensata, numa altura em que tenta dialogar com todas as forças políticas?
Sim, penso que é uma boa ideia, uma vez que a estabilidade
política é uma questão sensível. As greves não são positivas para a economia
francesa e diminuem a atractividade do território. Considero, por isso, que se
trata de uma decisão política com impactos positivos, que evita tensões entre
gerações e contribui para a coesão social num período de instabilidade
política.
Este fim-de-semana vimos a agência de rating norte-americana
Fitch baixar a nota da dívida soberana da França. Quais são os verdadeiros
impactos desta decisão?
É sobretudo um sinal de alerta quanto à trajectória das finanças
públicas. A França continua a ser considerada um país de baixo risco, mas perde
uma parte da confiança dos mercados.
A primeira consequência é que o país tem hoje menos margem de
manobra orçamental. E, se não há margem de manobra, é porque o Estado precisa
de financiamento para as suas despesas, o que antecipa um cenário de aumento
dos impostos. Outra consequência prende-se com as taxas de juro no mercado do
crédito imobiliário, já que os investidores exigem um prémio de risco maior
para investir em dívida pública francesa - e essa taxa serve de referência para
o crédito imobiliário. Assim, os bancos vão também aumentar ligeiramente o
custo do crédito à habitação, impactando o poder de compra dos franceses.
Há também o peso da dívida francesa: o valor que o país paga em
juros passou de 58,8 mil milhões em 2024 e pode atingir os 107 mil milhões em
2029. Esta realidade revela que é imperativo organizar as contas públicas ou
expõe um modelo económico que deixou de funcionar?
Mostra que o custo da dívida está a consumir uma fatia crescente dos recursos públicos, reduzindo a margem de manobra para investimentos e políticas sociais. Não significa que o modelo económico francês tenha falhado completamente, mas que precisa de ser ajustado quanto à eficácia da despesa pública. É preciso racionalizar a despesa para investir melhor. Sem uma gestão mais rigorosa, os juros tornam-se uma bola de neve que asfixia a capacidade de acção do Estado.ANG/RFI

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