COP29/ 75% dos deslocados vivem em países extremamente expostos aos riscos climáticos
Bissau, 15 Nov 24 (ANG) - Até
dia 22 de Novembro, os países reunidos na COP29 em Baku, no Azerbaijão, tentam
encontrar o financiamento necessário para ajudar os países em desenvolvimento
na transição energética e na adaptação às catástrofes climáticas.
Actualmente, os Estados
extremamente frágeis recebem apenas cerca de 2 dólares por pessoa em
financiamento anual para adaptação climática, um valor muito aquém dos 161
dólares por pessoa atribuídos nos Estados não frágeis.
Negociações difíceis numa COP marcada por
ausências de peso, como a França, Alemanha ou Estados Unidos e com o ocidente a
alegar dificuldades orçamentais.
Segundo
um relatório do ACNUR apresentado esta semana, actualmente, os Estados
extremamente frágeis recebem apenas cerca de 2 dólares por pessoa em
financiamento anual para adaptação climática, um valor muito aquém dos 161
dólares por pessoa atribuídos nos Estados não frágeis.
As
alterações climáticas já forçaram milhões de pessoas, em todo o mundo, a
abandonarem as suas casas e o aquecimento global do planeta está a agravar as
condições já “infernais” enfrentadas por estes deslocados. O alerta é da
agência da ONU para os Refugiados e consta do relatório “No Escape: On the
Frontlines of Climate, Conflict and Displacement" ("Sem escapatória -
Na linha da frente do clima, conflitos e deslocações”, numa tradução livre),
apresentado na terça-feira, 12 de Novembro, na COP 29 em Baku.
À
margem do segmento de alto nível da Conferência das Nações Unidas sobre
Alterações Climáticas, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
(ACNUR) aproveitou para lembrar como o aumento das temperaturas e a
multiplicação dos fenómenos meteorológicos extremos impactam a vida dos
refugiados e dos deslocados. O ACNUR apela a investimentos mais significativos
e eficazes.
No
documento, a agência das Nações Unidas para os Refugiados sublinha que as
alterações climáticas e os conflitos estão interligados, sujeitando as pessoas
já em perigo a situações ainda piores, como no Sudão, na Somália ou na
Birmânia.
“No
nosso mundo em aquecimento, a seca, as inundações, o calor mortal e outros
fenómenos meteorológicos extremos criam situações de emergência com uma
frequência alarmante”, ressalva o chefe do ACNUR, Filippo Grandi, no prefácio
do relatório. “As pessoas forçadas a fugir dos seus lares estão na linha da
frente desta crise”, acrescenta.
O
documento indica que 75% dos deslocados vivem em países fortemente ou
extremamente expostos aos riscos climáticos e “à medida que a velocidade e a
escala das alterações climáticas aceleram, este número só continuará a
aumentar”.
Dados
recentes do Centro de Monitorização de Deslocados Internos referem que os
desastres meteorológicos forçaram cerca de 220 milhões de pessoas a fugir
dentro dos seus países na última década. O ACNUR lamenta a grave falta de
fundos para apoiar os que fogem e as comunidades que os acolhem: “Estamos a ver
uma situação que já é infernal a tornar-se ainda mais difícil”.
Até
2040, o número de países em todo o mundo expostos a riscos climáticos extremos
deverá passar de três para 65, a grande maioria destes países acolhe populações
deslocadas. Até 2050, a maioria dos campos e instalações de refugiados deverá
enfrentar o dobro dos dias com temperaturas perigosamente elevadas em
comparação com hoje, alerta o relatório do ACNUR. Um perigo imediato para a
saúde e a vida dos refugiados, mas também para as colheitas e o gado.
As
alterações climáticas vão também piorar a já difícil situação humanitária na
África Austral, onde se situam Angola e Moçambique, avança o mesmo relatório.
Isadora Zoni,
responsável do ACNUR em Pemba, norte de Moçambique, sublinha que 75% dos
deslocados vivem em países forte ou extremamente expostos aos riscos
climáticos. Em entrevista à RFI, a responsável da agência da ONU deu conta das
linhas gerais do documento agora publicado e traçou uma radiografia do actual
estado dos deslocados em Moçambique.
RFI: Quais são as linhas gerais deste relatório?
Isadora Zoni: Falamos de 120 milhões de pessoas que estão
deslocadas à força globalmente, o dobro da última década. 75% dessas pessoas
vivem em países com exposição alta a extrema a desastres climáticos. Os
desastres climáticos causaram 200 milhões de deslocamentos internos na última
década, o que equivale a cerca de 60 mil deslocamentos por dia. Então, quando
falamos de clima, estamos a tratar também das pessoas deslocadas, também das
pessoas que são forçadas a fugir.
Por exemplo, sobre a África: a mudança climática é a maior
ameaça hoje ao desenvolvimento no continente africano, ocupando
desproporcionalmente os países mais pobres e agravando outros factores e
fragilidades. Embora a África contribua minimamente para as emissões globais
enfrenta graves impactos climáticos. Essa situação destaca tanto a
vulnerabilidade quanto o potencial de resiliência do continente, à medida que
se adapta e transita para um desenvolvimento de baixo carbono.
O relatório do ACNUR indica que estados extremamente frágeis
recebem apenas 2 dólares por pessoa anualmente em financiamento para adaptação,
enquanto Estados não frágeis recebem 161 dólares, evidenciando uma disparidade
no financiamento climático global. Quando falamos desse tema, a importância
para o ACNUR é, realmente, que as pessoas deslocadas, refugiadas ou deslocadas
internas, façam parte dessa discussão, sejam parte desses meios e desses
espaços políticos, para que discutam também o sistema climático e como isso
afecta o dia-a-dia delas.
Além dos efeitos
evidentes, que são as inundações, as chuvas torrenciais, etc… há outras
questões como, por exemplo, a seca, que é um efeito das alterações climáticas e
que faz com que as pessoas também se desloquem, além de provocar conflitos.
A exemplo disso, no relatório, diz-se que até 2050 a maioria dos
campos de refugiados experimentará o dobro dos dias de calor perigoso, acima de
41 graus Celsius, afectando mais de 600 locais globalmente.
Quando falamos da questão climática, é claro que talvez ao
público é mais evidente aqueles que são os impactos directos, as enchentes, os
grandes deslocamentos, mas temos que também penar como é que a questão
climática agrava já um cenário bastante duro.
Em África, o conflito no Sudão deslocou mais de 11 milhões de
pessoas, com o Chade a abrigar 70 mil refugiados sudaneses. Além das
dificuldades da resposta humanitária, o Chade é um dos países mais vulneráveis
a riscos climáticos.
Outros exemplos são as secas e inundações no Quénia, na Somália
e na Etiópia. Em 2022, por exemplo, 1,3 milhões de pessoas foram deslocadas na
Somália devido à seca.
Olhando para o sul de África, vemos em Moçambique secas
prolongadas, intensificando a migração rural-urbano, e as pressões climáticas
aumentando os riscos de conflitos ao longo do corredor migratório, como em
Moçambique e na África do Sul. Infelizmente, o cenário parece estar cada vez
mais difícil porque os países que enfrentam riscos climáticos extremos devem
aumentar de três para 65 até 2040, muitos dos quais hospedam populações
deslocadas.
Está baseada em
Pemba, em Moçambique, um dos países mais vulnerável às alterações climáticas.
Qual é a situação actual?
Realmente, Moçambique está entre os 10 países mais vulneráveis
às alterações climáticas no mundo e ocupa o primeiro lugar em África. O país
sofre cada vez mais com a grande variabilidade climática, estando exposto a
ciclones tropicais, inundações e secas.
Apenas um ano após o ciclone Gombe, que deslocou 130 mil
pessoas, o ciclone Fred atingiu Moçambique, afectando oito das dez províncias
do país. Deslocou aproximadamente 184 mil pessoas e deixou 1,1 milhão de
pessoas necessitando de assistência humanitária. Mais recentemente, agora em 2024,
a tempestade tropical Filipo deslocou 48 mil pessoas e causou extensos danos em
infra-estruturas, incluindo estradas, centros de saúde e habitações. O cenário
é bastante complicado, porque falamos também de um país que, infelizmente,
conta com deslocados devido ao conflito [ataques terroristas no norte].
Em Janeiro de 2024, Moçambique contava com mais de 700 mil
deslocados internos devido a conflitos e eventos relacionados com o clima. Os
deslocados são particularmente vulneráveis aos choques climáticos, muitas vezes
carecendo de recursos e apoio para se adaptar.
A população deslocada, especialmente no norte e centro de
Moçambique, enfrenta riscos de protecção elevados devido à insegurança
alimentar e às limitadas opções de subsistência.
Quando falamos, por exemplo, dos impactos [dos fenómenos
climáticos], referimo-nos à infra-estrutura precária dos locais de deslocados
internos, com estradas e drenagens inadequadas, que expõe os moradores a um
risco contínuo. O desmatamento também é um problema significativo, pois os
moradores dependem da lenha e de materiais de construção insustentáveis. Isso
aumenta a erosão do solo, agravando os riscos de enchentes e danos ambientais.
Apesar da insegurança contínua, Moçambique tem um outro
movimento, que é o movimento de retorno. É um contexto bastante activo de
pessoas que se deslocam e de outras pessoas que tentam regressar, mas que vivem
expostas a uma situação bastante imprevisível, tanto climática quanto em
relação ao conflito.
Traçado este cenário, o que é que se poderia esperar desta COP?
Mais financiamento?
Eu acho que existe uma expectativa de que haja maior
financiamento, maior responsabilidade dos países que poluem para com aqueles
que são os mais vulneráveis. Nós também precisamos entender a componente humana
que faz parte da questão climática. Muito se fala sobre mercado de carbono,
sobre poluidores e poluídos, quanto tempo temos e se temos tempo. Mas devemos
voltar a trazer essa questão humana, das pessoas que são afectadas, como as
pessoas mais vulneráveis são cada vez mais afectadas? A questão humanitária não
se restringe somente ao assistencialismo, mas em como pensar isso de uma
perspectiva de desenvolvimento, numa perspectiva de investimento.
Eu acho que é uma oportunidade para trazermos essas pessoas para o centro dessa discussão, para que elas possam também estar empoderadas e incluídas, para falarem sobre suas necessidades, prover evidências para que fique claro onde e como as intervenções podem ser feitas, para que exista um impacto real.ANG/RFI
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