quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Israel/"Corremos o risco de que a resposta de Israel seja o extermínio de civis na Faixa de Gaza"

 

Bissau, 12 Out 23 (ANG) - A guerra entre Israel e o Hamas já provocou mais de 260 mil deslocados na Faixa de Gaza, e o enclave está cercado e a ser alvo de retaliação israelita na sequência ao ataque em Israel perpetrado pelo Hamas.

Desde sábado que o número de mortes e feridos entre Gaza e Israel não para de aumentar. Telavive avança com 1.200 mortos e mais de 2.800 feridos. Do lado palestiniano, 1.055 vítimas mortais e 5.100 feridos, segundo o ministério da Saúde da Faixa de Gaza

A Faixa de Gaza tem 41 quilómetros de comprimento e 10 quilómetros de largura, faz fronteira com Israel, Egito e o Mar Mediterrâneo é um dos territórios mais densamente povoados do mundo, com cerca de 2,3 milhões de habitantes.

Na sequência do ataque e da tomada de reféns civis e militares pelo Hamas, no sábado, Israel anunciou um cerco total à Faixa de Gaza, com a suspensão do fornecimento de eletricidade, água, alimentos e medicamentos.

A propósito dos últimos desenvolvimentos entre Israel e o Hamas a RFI ouviu Joana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, em Portugal.

RFI: Ao longo dos anos, o Bloco de Esquerda tem estado ao lado do povo palestiniano e das suas reivindicações. é possível apoiar a causa palestiniana e condenar o ataque, de sábado, perpetrado pelo Hamas?

Joana Mortágua, deputado do Bloco de Esquerda: É possível. É possível estar ao lado da causa palestiniana e condenar o massacre de civis exatamente pelas mesmas razões, os mesmos princípios de direitos humanos e de defesa da legalidade internacional devem levar-nos a defender a causa palestiniana, é um território, um povo ocupado, vítima da apartheid, vítima de tentativas de limpeza étnica, vítima de inúmeros massacres, inúmeras prisões arbitrárias, inclusive a de crianças, e tentativas de extermínio…

São os mesmos princípios de direito internacional e direitos humanos que nos levam a condenar isso e a estarmos solidários com o povo da Palestina, que agora nos levam também a condenar o massacre civis e a utilização de reféns civis como arma de guerra. Julgo que não devemos ter tibiezas sobre isso.

Agora, não é a única coisa que há a dizer sobre esta matéria. Parece-me que nós corremos o sério risco de que a resposta de Israel ao ataque do Hamas seja o extermínio de civis na Faixa de Gaza, e um crime de guerra em particular, que é a retaliação contra uma população inteira. 

A população israelita, que nos últimos tempos era acérrima crítica deste Governo liderado por Benjamin Netanyahu, pôs de lado as diferenças que tinha com o Governo e pediu justiça. O próprio executivo prometeu “vingança” sem olhar a meios para o efeito. Não podemos estar aqui à beira de uma das piores ofensivas israelitas de sempre a Gaza?

Esse é o receio que existe neste momento. Nós assistimos a uma escalada desde a ocupação ilegal da Palestina, que é, na verdade, o princípio de tudo, o princípio deste conflito tem a ver com a ocupação. 

Responder a um ataque absolutamente condenável, responder ao terror destes ataques do Hamas, com o extermínio da população palestiniana é algo que a comunidade internacional não pode apoiar e não pode tolerar. 

As indicações que temos de Israel é de que pretendem fazer um cerco à Faixa de Gaza.

A Faixa de Gaza tem como população cerca de 50% de crianças.

Portanto, a ideia de que a vingança é um princípio que deve ser aplaudido pela comunidade internacional, a ideia de que a resposta proporcional de Israel é o terror contra a Faixa de Gaza e contra civis na Palestina, é uma ideia que só nos pode levar a sítios muito obscuros.

Parece-nos que as palavras de António Guterres [secretário-geral da ONU], sobre esta matéria, são as mais sensatas. Guterres pediu que não haja uma punição coletiva pelos ataques de 07 de Outubro, que não haja cerco a Gaza que condene os civis que moram em Gaza e as crianças de Gaza a uma morte violenta e, portanto, o que nós temos que apelar é ao cumprimento da lei internacional e ao cessar-fogo imediato. Acho que é sobre isso que a comunidade internacional tem que se empenhar. 

Esta incursão do Hamas em Israel não acaba de deitar por terra a réstia de esperança de uma vida digna que este povo ainda poderia ter?

Acho que todos nós estamos com receio do que será a retaliação de Israel sobre o povo da Palestina. Não quero parecer cínica, mas acompanho a situação da Palestina e há muito que Israel e a comunidade internacional tornaram impossível a vida daquelas pessoas. 

Na Faixa de Gaza já se vive sobre bloqueio, já se vive sobre bombardeamento, já se vive sobre permanentes crimes de guerra. Relembro que há 500 crianças palestinas presas, todos os anos condenadas em tribunais militares israelitas. Crianças. 

Só até Setembro deste ano morreram 50 crianças palestinianas às mãos do exército, das ofensivas armadas israelitas. A comunidade internacional, cada vez menos, se preocupava com o avanço das ocupações ilegais em território palestiniano e esse avanço estava-se a tornar cada vez mais violento, era uma estratégia inclusiva do israelita de contornar os seus problemas internos era tornar-se cada vez mais violento e ofensivo sobre  o povo da Palestina. 

Esta tragédia e este horror a que todos assistimos no dia 07 de Outubro e todos os horrores que se lhe seguem, são obviamente condenáveis e devem preocupar-nos muito a todos, mas do ponto de vista político, a verdade, é que Israel com a cumplicidade da comunidade internacional já há muito tempo que tinham feito que a Palestina sentisse que estava condenada ao extermínio e, esse, é um sentimento que leva ao desespero, que leva à radicalização e que não deve nunca existir, nem ser tolerado.

Os mesmos que desde sábado reconhecem o direito de defesa e resposta de Israel, não devia ter reconhecido ao longo de anos o direito dos palestinianos se defenderem? Há aqui uma solidariedade seletiva parte da comunidade internacional?

É evidente que há isso, todos nós conseguimos ver isso.

Nós conseguimos, pelo menos por parte do Bloco de Esquerda, ter a mesma consternação e a mesma condenação com a morte de civis israelitas e a morte de civis palestinianos, condenar estes ataques, condenar o ataque a civis, condenar o desrespeito pela lei internacional e pelos direitos humanos, mas também com não perdemos a perspectiva de que o povo palestiniano está a ser dizimado há mais de meio século.

Essa dualidade de critérios existe, mas não devemos deixar que isso nos impeça de, neste momento, ter uma posição mais sensata e mais imparcial possível que é aquela que exige a reposição do direito internacional naquele território. 

A solução passa por ...

A solução passa pelo cessar-fogo, passa pela condenação dos ataques a civis, pela condenação da utilização de reféns civis como arma de guerra e pela exigência da comunidade internacional do cumprimento da lei internacional.

Ou seja, que não haja tolerância com qualquer crime de guerra venha ele do Hamas e da resistência palestiniana ou venha ele da ofensiva israelita contra a Faixa de Gaza.ANG/RFI

 

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