Sismo em Marrocos/ “Um mês depois, resiliência dos desalojados é posta à prova”- por Eva Massy
Bissau, 19 Out 23 (ANG) - Em que estado se encontra Marrocos, mais de um mês depois do sismo que causou 3 000 mortes e feriu mais de 5 000 pessoas com o epicentro localizado na província de Al-Haus, região de Marraquexe.
Fomos tentar perceber qual é a situação neste território montanhoso do Alto Atlas. O que é feito das 50.000 habitações destruídas, segundo os dados de uma comissão ministerial mobilizada para avaliar os danos, e em que situação vivem os cerca de 300 000 desalojados?
A 8 de Setembro de 2023, era já de noite, e as pessoas
preparavam-se para ir dormir quando um sismo assolou uma das regiões mais
pobres do país.
Em Outubro, cerca de um mês depois, avistam-se tendas da
Proteção Civil marroquina, de associações nacionais e internacionais e por
vezes, tendas de campismo, pelas aldeias
do Alto Atlas, de Emil a Taroudant e Ouarzazate.
Na cidade de Marraquexe, o ambiente é outro. Os
comércios estão abertos, os turistas passeiam entre as bancas de sumo de
abacate e as de tapeçaria marroquina e espalha-se pela Medina, a parte velha da
cidade, a voz do muezim, a pessoa que apela os muçulmanos à oração.
Sentada num café da muito movimentada praça Jama El Fana, no centro de
Marraquexe, Patrícia
Lorenzo, portuguesa a viver em Marrocos há 13 anos, onde é
professora de yoga, recorda a noite do sismo.
"Estava em casa deitada no sofá, com o meu companheiro, a
ver televisão. Eram 23h10 e de repente pôs-se tudo a tremer. Olhei para o meu
companheiro do género "O que
se está a passar ?" e depois saímos para o jardim. Isto tudo
durou cerca de 40 segundos mas havia aquela adrenalina a passar pelo corpo
porque realmente é impressionante sentir tudo a tremer à tua volta. Tudo. O
chão, as paredes... Há pormenores... Por exemplo, havia o ruído... Parecia que
absorvia todos os outros ruídos, era uma espécie de rugido da terra."
Passado o momento do choque, veio a
consciência do drama. Em
Marraquexe, nas noites seguintes, os habitantes dormiram ao relento nas praças
da cidade, com medo das réplicas. Para as populações das aldeias do Alta Atlas
a situação foi mais complicada devido ao acesso difícil, algumas não estando
ligadas a qualquer estrada em Betão, atrasando a chegada dos socorros e dos
primeiros carregamentos de ajuda humanitária. Para Patrícia Lorenzo, habituada
a uma Marraquexe efervescente, os dias que seguiram foram algo sombrios:
"Foi um bocado surreal saber que eu estava
bem, que Marraquexe no geral estava bem, mas houve pessoas que perderam tudo.
Muitas pessoas. No fim de semana a seguir havia um clima um bocado pesado
na cidade. Marraquexe é uma cidade muito viva, como se está a ver agora. Há
muita alegria, muito barulho. Mas a cidade parecia calma, estava tudo assim
apaziguado. Era uma sensação um bocado estranho."
Casas destruídas: para onde ir?
Al-Hassan é paraquedista no exército
francês. Chegou a Marrocos inicialmente
para formar militares marroquinos, mas dois dias depois o terramoto abalava o
país e Al Hassan foi enviado para Marraquexe para participar nas missões que
todos os dias partiam da cidade até às aldeias mais remotas, trazendo bens
alimentares mas sobretudo tendas para abrigar os
desalojados.
"Fomos até uma aldeia perto de
Ouarzazate, aonde os carros não têm acesso. Fomos de helicóptero, não havia
outra opção. Quando chegámos ainda havia corpos nos escombros das casas destruídas.
Sim. Foi muito triste.
Há aldeias que já não existem, todas as habitações
desmoronaram. Inicialmente, quando chegámos, o plano era levar os habitantes
para outra aldeia, mais segura. Mas não quiseram. Não quiseram deixar a sua
aldeia. Em muitos casos preferiram que lhes construíssemos tendas para poderem
ficar na sua aldeia."
As autoridades marroquinas distribuíram
tendas pelas aldeias, a Proteção Civil e as forças militares, auxiliadas no
terreno por várias associações, responderam de forma rápida às necessidades
mais urgentes: distribuição de comida, ajuda humanitária e até, apoio
psicológico.
Um mês depois, desalojados continuam à espera de um
teto
Chegamos à aldeia de Messer, 70
quilómetros a sul de Marraquexe, 1 500 metros de altitude. É aqui que vive
Mustafa, 43 anos. De
pé, no meio dos escombros de uma das casas destruídas, Mustafa recorda as
primeiras semanas depois do terramoto, em que mulheres e crianças dormiam no
chão, na rua, as tendas ainda não tinham chegado até à aldeia.
"A maioria das pessoas em Iskra ficou sem
teto, e agora vivem em tendas. Naquela casa morreu uma miúda. Ela tinha 18
anos e estava prestes a casar, agora em Outubro. A mãe da menina e o irmão
ficaram feridos. O resto da família partiu para Marraquexe porque é difícil
para eles ficar aqui e relembrar o acontecimento. Têm família em Marraquexe e
preferiram ir para lá porque nos primeiros dias foi complicado... Tinham que
dormir na rua, não havia tendas ainda nas primeiras semanas. Não era como
agora."
Quando vão começar as reconstruções? Ninguém sabe. Ou, pelo menos, ninguém recebeu
a informação, relativiza Mustafa.
"Nos últimos três dias houve uma comissão de
peritos que veio avaliar os danos. Mas quando é que poderemos reconstruir?
Ainda não sabemos. Estamos à espera que o Governo diga algo. A vida
continua. Estamos melhor do que na primeira semana. Mas ainda há um problema,
são as escolas. As aulas não recomeçaram aqui. As crianças iam ao colégio
e ao liceu em Asni, mas como está tudo destruído, têm que ir até Marraquexe. Para
a escola primária, instalaram umas tendas aqui. Mas para o colégio e o
liceu..... Nada."
O Ministério marroquino da educação anunciou que cerca de 530 escolas e 55
internatos foram destruídos ou danificados, interrompendo as aulas de muitos
alunos.
Mustafa aponta ainda para a
dificuldade de enviar diariamente as crianças de Messer para a escola de
substituição em Marraquexe, a 70 quilómetros de distância, numa região em que
os transportes públicos são quase inexistentes: "Se tiveres família lá,
é fácil. Mas sem familiares em Marraquexe, é um problema."
Uma semana depois do sismo, o Governo
anunciou um plano de ajuda de emergência, com, nomeadamente, 250
euros por mês por família cuja habitação foi totalmente ou parcialmente
destruída, e isto, durante um ano.
"Normalmente, o Governo vai nos dar 250 euros
por mês. Vai ser melhor. Mas.... Ainda estamos à espera. A reconstrução
vai demorar muito tempo, de três a cinco anos... Porque há muitas aldeias, e
não sabemos exatamente como é que eles pretendem reconstruir."
Salima Naji, a arquiteta que defende
construções de forma tradicional
Como reconstruir as aldeias do Alto
Atlas, de forma eficaz, pouco custosa e garantindo a segurança dos habitantes?
Colocámos a pergunta à arquiteta e antropóloga Salima Naji, membro
da comissão de peritos mobilizada em Marrocos depois do sismo e titular de
vários prémios internacionais como o Aga Khan, e condecorada como Cavaleiro das
Artes e das Letras de França.
Para Salima Naji o importante é
reconstruir com base nos materiais do terreno e respeitando as
tradições locais.
"Apercebemo-nos, com os outros
membros da comissão, que todas as arquiteturas em Betão armado, situadas perto
do epicentro, colapsaram. Houve momentos de grande estupefacção porque havia arquiteturas
em Betão que tinham caído e outras, ao lado, arquiteturas vernaculares que
tinham resistido.
Hoje em dia, caímos por vezes na
facilidade do "solucionismo". Acho que temos a oportunidade de
repensar um modo de construção que sempre existiu nessas regiões. Estamos a
falar de comunidades agropastoris, portanto não podemos chegar com planos de
reconstrução e planos de realojamento.... Não faz sentido quando vemos a
diversidade das situações na montanha.
Portanto espero que não vamos
estragar uma arquitetura milenar para substituí-la por uma arquitetura de má
qualidade, supostamente antissísmica com base em materiais inadaptados.
É preciso pensarmos que por exemplo se
utilizarmos o Betão armado, é um material extremamente poluente, e estamos
longe das fábricas de cimento... Seria um disparate."
A outra proposta da arquiteta e
antropóloga Salima Naji é a criação de grupos de trabalho com os
próprios habitantes das aldeias, através de remunerações.
"Em vários municípios, fiz uma lista de todos
os membros da comunidade que estão em condições de participar nas obras. A
reconstrução tem que ser feita com os próprios habitantes das aldeias. Em
primeiro lugar para lhes dar salários e, em seguida, para aproveitar os seus
conhecimentos e técnicas ancestrais. Fiz então a proposta de uma cooperativa de
serviços, com base num modelo que existe nas províncias, liderado pelo
governador-geral e utilizado em obras, por exemplo, depois de inundações.
Chamamos a isso "Al Kuraj" ou seja, construção, atelier... e então as
pessoas são pagas pelo Estado para ajudar a reconstruir uma ponte, para ajudar
a emendar uma série de danos materiais, depois de uma inundação, ou para
reabilitar o património."
Depois do traumatismo, vem a
resiliência das populações. As
aldeias preparam-se para acolher o inverno, Marraquexe voltou à normalidade,
irrequieta, agitada e festiva.
A ajuda anunciada por Rabat de cerca de 11 mil milhões de euros para as zonas montanhosas sinistradas servirá para a reconstrução das habitações e poderá beneficiar para o desenvolvimento da agricultura local. ANG/RFI
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