sábado, 16 de novembro de 2024

Sociedade/Grupo de cidadãos guineenses apresenta queixa-crime contra presidente do Supremo

Bissau, 16 Nov 24 (ANG) - Um grupo de cidadãos oriundos de diferentes horizontes, economistas, engenheiros, membros da ordem dos advogados e da Liga dos Direitos Humanos, apresentaram sexta-feira à Procuradoria-Geral da República, uma queixa-crime sob forma de denúncia contra o presidente, o vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça e alguns outros juízes conselheiros desse órgão que acusam da prática de crime de prevaricação e outros delitos.

Ultimamente, as decisões do Supremo Tribunal que assume as vestes de Tribunal Constitucional e de Tribunal Eleitoral têm estado envoltas em polémica. O dirigente do órgão, no cargo há sensivelmente um ano, André Lima, assim como o seu vice-presidente, são acusados de emitir despachos ilegais e anticonstitucionais visando excluir do jogo político determinadas formações e legitimar outras consideradas ilegais.

Ainda na semana passada, os dirigentes do Supremo estiveram envolvidos numa nova controvérsia ao condicionar a possibilidade de as coligações API e PAI-Terra Ranka apresentarem as suas candidaturas a eleições.

Em entrevista à RFI, Armando Mango, advogado e membro do colectivo que apresentou a queixa-crime, sublinhou que não existe agenda política por detrás desta iniciativa e enunciou as suas motivações.

RFI: O que motivou a vossa iniciativa?

Armando Mango: O que temos vindo a constatar nos últimos anos é que a insegurança jurídica aumentou abismalmente porque nenhum cidadão, mesmo conhecendo a lei, tem a segurança que vai ser bem tratado pela nossa justiça. Quem está a dirigir a justiça neste momento parece que ignora completamente o que é estipulado na Constituição e nas leis da Guiné-Bissau. Toma arbitrariamente as suas decisões. Na petição apontamos exactamente algumas incongruências e coisas inaceitáveis. No Conselho Superior da Magistratura Judicial, cujos membros provêm de diferentes entidades da Guiné-Bissau, inclusive da Assembleia Nacional Popular, os deputados que foram indicados para o Conselho Superior da Magistratura, do pé para a mão, foram simplesmente suspensos e banidos do Conselho Superior da Magistratura pelo actual "pretenso" presidente do Supremo Tribunal de Justiça com o seu coadjuvante. Os juízes que, segundo a sua consciência e lei, proferem decisões, desde que sejam contrárias aos intentos de certos grupos, esses juizes devem ser ou suspensos, ou reformados compulsoriamente ou então banidos da classe. São essas e outras, inclusive as anotações feitas, as deliberações dos congressos dos partidos, contrárias à lei e aos estatutos desses partidos. São questões que não devem ser só questionadas em termos processuais, porque essas decisões são tomadas pelo órgão supremo da Justiça e, a partir daí, é difícil fazer recursos. Então, como cidadãos, entendemos que nas leis que existem na Guiné-Bissau, desde a Constituição até os demais regulamentos, há cometimento de graves crimes, uma negação da justiça, abuso por ele e outros. Então nós fizemos a denúncia pública para que o Ministério Público, como o único detentor da acção penal, faça a sua investigação com base na lei, acuse quem tem de apanhar na rede. A nossa iniciativa tem essa vertente e tem a vertente pedagógica. O guineense, enquanto cidadão, tem os seus direitos, mas tem os seus deveres também. Um dos deveres é denunciar crimes que tenha compreendido que foram cometidos.

RFI: Portanto, essa denúncia acaba de ser apresentada esta sexta-feira junto dos órgãos judiciais?

Armando Mango: 11h00 do hoje, sexta-feira, dia 15. Acabámos de depositar essa denúncia contra o presidente do Supremo e o vice-presidente. Nós entendemos que é contra esses senhores, exactamente porque é nosso entendimento que eles assaltaram o poder e não representam o Supremo Tribunal, porque há um procedimento para se chegar a presidente do Supremo Tribunal que não foi cumprido.

RFI: Também têm sido bastante alvo de críticas as últimas decisões do Supremo Tribunal relativamente às coligações API e PAI-Terra Ranka, numa situação em que já nem está em questão a participação ou não de eleições que foram adiadas sem nova data marcada. A seu ver, qual era o objectivo dessas decisões?

Armando Mango: Nós não podemos interpretar qual é o objectivo. Dentro da nossa denúncia consta uma parte que refere exactamente essa decisão de se fazer anotações que não se devem fazer nos termos da lei. Essa parte está na nossa peça. O nosso Supremo Tribunal de Justiça tem a veste do Tribunal Constitucional, tem também a veste do Tribunal Eleitoral e quando se vai a eleições, os candidatos a esses pleitos apresentam as suas candidaturas. Os partidos, os deputados apresentam isso no Supremo Tribunal e deve haver uma simples anotação. E tem sido arbitrário o posicionamento do Supremo Tribunal ou dessas pessoas que dirigem o Supremo Tribunal. Tenho alguma dificuldade em chamar o 'Supremo Tribunal', porque eles assaltaram o Supremo Tribunal de Justiça. Então, as decisões que estão lá a tomar não são conforme a lei. Esse caso que referiu, do PAI-Terra Ranka já participou nas últimas eleições. Em 2023 foi a mesma sigla, foram os mesmos dados todos. Como é que esse ano já não pode concorrer? Só para ver a incongruência que esse tribunal pratica nas vestes do Tribunal Constitucional. Se funcionasse normalmente, o Supremo Tribunal, nas vestes do Tribunal Constitucional, apreciaria as candidaturas dos partidos ou coligações às eleições legislativas. Simplesmente, quem está neste tribunal agora não está a fazer esse trabalho, mas está a eliminar os adversários políticos do regime.

RFI: Quais são as suas expectativas relativamente às decisões que poderão ser tomadas quanto à vossa iniciativa?

Armando Mango: A nossa iniciativa tem uma vertente pedagógica que é de dizer ao guineense que não se deve conformar com decisões injustas e inaceitáveis. Portanto, deve reagir enquanto cidadão. Em seguida, estamos conscientes de que a Procuradoria-Geral da República vai receber a nossa denúncia. Ora, não temos a certeza se vai levar avante essa denúncia. Contudo, nós ficamos de consciência tranquila e sabemos que a história vai funcionar se apresentarmos essa denúncia. E foi por isso que o fizemos, para que todo o mundo saiba que há cidadãos que vêem o que o Supremo Tribunal está a fazer com esses dois pretensos dirigentes. É inaceitável, inconstitucional e ilegal, no mínimo.

RFI: Esta iniciativa coincide praticamente com uma manifestação a ser organizada precisamente pelas coligações API e PAI-Terra Ranka. Como é que vê esta perspectiva?

Armando Mango: Isso é uma pura coincidência. Nós, enquanto cidadãos, tomamos livremente a nossa iniciativa e apresentamos a denúncia contra quem achamos que está a cometer graves crimes contra o nosso povo. Se coincide com aquilo que os partidos vão fazer, com a celebração de uma data de militares, isso não nos move.

RFI: Portanto, o que está a dizer é que isto é uma mera coincidência e que não tem rigorosamente nada a ver com qualquer tipo de agenda partidária?

Armando Mango: Exactamente como lhe disse. Os partidos não sabem o que nós estamos a fazer. Vão ouvir a notícia agora.ANG/RFI

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