terça-feira, 24 de maio de 2022

Angola/Os 59 anos da OUA-UA e a Agenda 2063

Por João Gomes Gonçalves, da ANGOP

Bissau, 24 Mai (ANG) – África comemora a 25 de Maio deste ano o 59.º aniversário da fundação da Organização de Unidade Africana (OUA), proclamada, em Addis Abeba (Etiópia) a 25 de Maio de 1963, por 32 chefes de Estado e de Governo.

O lançamento da OUA resultou de intensos debates contraditórios (de 22 a 25 de Maio de 1963) dos estadistas africanos, na altura fracturados em dois grupos, designadamente o de Monróvia ou “gradualistas”, liderados pelo Presidente Léopold Sédar Senghor (Senegal), e o de Casablanca ou “imediatistas”, conduzidos por Kwamé Nkrumah (Ghana).

Os primeiros eram pela criação de uma organização inter-estatal composta por Estados soberanos com as fronteiras herdadas do colonialismo (conferência de Berlim de 1884-1885), enquanto os outros pugnavam pelo surgimento dos Estados Unidos de África. 

Vingou a ideia dos gradualistas e, como consequência, a OUA tornou-se num instrumento de cooperação e não de integração estatal.

O consenso sobre o modelo de organização só foi conseguido graças ao discurso persuasivo do então Presidente da Argélia, Ben Bella, que acabava de conquistar a independência do país de França, a 03 de Julho de 1962, depois de uma guerra sangrenta de sete anos (1956-1962).

Na sua carta constitutiva, a OUA propunha-se cumprir cinco objectivos principais, tais como erradicar os vestígios do colonialismo e do regime do apartheid; promover a unidade e a solidariedade entre os Estados africanos; coordenar e intensificar a cooperação para o desenvolvimento; salvaguardar a soberania e a integridade dos Estados-membros e promover a cooperação internacional.

No mesmo ano, os chefes de Estado reuniram-se, em Dar Es Salaam (Tanzânia), para criar o Comité de Libertação da OUA, numa altura em que países como Angola, África do Sul, Guiné-Bissau, Cabo-Verde, Moçambique, Namíbia e São Tomé e Príncipe estavam em guerra contra as potências coloniais.

O novo Comité utilizou a Organização das Nações Unidas (ONU) como tribuna mundial para denunciar as injustiças contra os povos africanos ainda sob domínio estrangeiro.

Mas, o percurso foi duro, porque em muitas ocasiões os países africanos, por dependerem da influência da Guerra Fria, que opunha os blocos liderados pelas super-potências (Estados Unidos e União Soviética) e que vigorou entre 1949 e 1989, divergiam nos temas de interesse do continente que os “progressistas” e “moderados” abordavam.

As contradições entre os dois modelos de governação provocavam um certo imobilismo no seio da OUA, quando se tratasse de tomar decisões sobre o futuro de África.   

Apesar de tudo, no início da década de 90 do século XX, a maioria dos países africanos conquistou as suas independências, excepto o Sahara Ocidental, que até hoje continua sob ocupação de Marrocos, que luta para anexá-lo como parte do reino, com o apoio dos Estados Unidos, da Espanha e subrepticiamente de outros países ocidentais.

Algumas crises persistiram, todavia, motivadas pelas reivindicações mútuas das fronteiras legadas do colonialismo, como foi o caso que, nos primeiros dias do surgimento da OUA, opôs o Benin ao Níger.

Na segunda cimeira da OUA realizada, no Cairo (Egipto), a 21 de Julho de 1964, a Carta da OUA foi emendada, sob proposta do Presidente Julius Nyerere (Tanzânia),  com a introdução do princípio da intangibilidade das fronteiras coloniais.

Tal princípio foi uma declaração solene de que todos os Estados-membros se comprometiam a respeitar as fronteiras herdadas do colonialismo.

Mas novas crises fronteiriças surgiram, no continente, tais como a que opôs a Líbia ao Tchad, por causa da faixa de Aouzou (1973-1994), região setentrional do Tchad rica em petróleo, cobiçada por Tripoli; a invasão da região etíope de Ogaden pela Somália (1977-1978), o conflito entre a Argélia e Marrocos sobre o Sahara Ocidental (1976) e a secessão de Biafra da Nigéria (1966-1970) e da Eritreia (Etiópia-1990), entre outros.

Relativamente à integração económica, a OUA previa, num prazo de 30 anos, dotar-se de um mercado comum, um Parlamento e um banco central.

O Plano de Acção de Lagos, adoptado na cimeira de 1980, recomendou aos blocos regionais da altura impulsionarem o desenvolvimento económico de África e a sua auto-suficiência alimentar.

Porém, o Plano fracassou e, em Junho de 1991, foi substituído pelo Tratado de Abuja, que instituiu um Fundo Monetário Africano.

Hoje, o balanço feito pelos especialistas africanos da área indica que, em termos de integração económica, o continente girou mais em torno de grandes projectos irrealizáveis, comparados com os parcos meios alocados, resultando num insucesso total.

Embora tenha cumprido o seu papel de libertar África, durante a sua existência, a OUA teve resultados mitigados nos seus projectos económicos e monetários, por causa das incongruências e falta de unidade dos Estados-membros.

As razões dessa disfunção também podem buscar-se nas contínuas influências e dependências estrangeiras que pairavam ou que ainda pairam sobre muitos Estados africanos.

Para mudar esse quadro, os chefes de Estado e de Governo da OUA assinaram, a nove (09) de Setembro de 1999, na Líbia, a “Declaração de Sirtes”, que pediu a criação de uma União Africana, que visasse acelerar o processo de integração e permitisse ao continente jogar o seu papel na economia mundial, no âmbito da globalização.

A UA foi oficialmente proclamada, em Durban (África do Sul), a nove (09) de Julho de 2002, conforme as recomendações da cimeira dos chefes de Estado e de Governo de  Lomé (Togo), organizada a 11 de Julho de 2001.

No momento da sua criação, voltou à ribalta o confronto entre “imediatistas” e “gradualistas”.

Depois de reclamarem, mais uma vez, pela criação dos Estados Unidos de África, os imediatistas, desta vez liderados pelo malogrado Muammar El Kadafi, da Líbia, voltaram a curvar-se perante os “gradualistas” e decidiu-se apenas pela criação do Parlamento Panafricano, do Banco Central Africano e do Fundo Monetário Africano, que, no entanto, foram “sol de pouca dura”.

Enquanto o Parlamento ficou relegado a um mero fórum parlamentar, as outras instituições ou deixaram de existir pura e simplesmente ou foram transformados em outros moldes, à semelhança da Nova Parceria Económica para o Desenvolvimento de África (NEPAD).

Esta última foi uma fusão de dois outros Planos propostos, designadamente o Omega e o Plano Africano do Milénio (PAM), com o objectivo de cobrir o imenso atraso de África em termos de desenvolvimento.

Depois de a Comissão da UA lançar a sua visão sobre África, em Maio de 2013, na capital etíope, Addis Abeba, adoptou-se a Agenda 2063 na 24.ª cimeira dos chefes de Estado e de Governo da organização panafricana, realizada de 30 a 31 de Janeiro de 2015, na mesma cidade.

Segundo os seus mentores, combater a pobreza, as desigualdades e a fome; reforçar a segurança social e a protecção, incluindo para os deficientes físicos; construir habitações modernas e habitáveis, bem como criar serviços básicos de qualidade são os principais objectivos.

Para acelerar a sua execução, num período de 50 anos, elaborou-se na cimeira da UA de 07 a 15 de Junho de 2015, na África do Sul, o primeiro Plano Decenal (2014-2023), que criou as bases para o lançamento, a 21 Março de 2018, em Kigali (Rwanda), da  Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA), instalada em Accra (Ghana), em Janeiro de 2021.

A ZCLCA tem como secretário-geral o sul-africano Wamkele Mene, eleito durante a 33.ª cimeira da União Africana, depois de derrotar a nigeriana Cecilia Akintomide e o congolês democrático Faustin Luanga.

O objectivo final ZCLCA é a integração económica e a criação de uma união em que se estabeleçam relações económicas reforçadas entre as várias regiões do mesmo país e reforçá-las no sentido de assegurarem o crescimento e o desenvolvimento económico de África.

Com este tratado, pretende-se criar no continente um mercado único de bens e serviços, facilitado pela livre circulação de pessoas, capitais, mercadorias e serviços, para promover o desenvolvimento agrícola, a segurança alimentar, a industrialização e as transformações económicas estruturais.

Pretende-se igualmente a redução ou eliminação progressiva das barreiras tarifárias, bem como das barreiras não tarifárias ao comércio e ao investimento e ainda estabelecer regras claras, transparentes, previsíveis e mutuamente vantajosas para reger o comércio de mercadorias e serviços, a política de concorrência, o investimento e a propriedade intelectual.

Mas, o projecto, considerado o maior mercado livre do Mundo, precisa de medidas susceptíveis de estimular a produtividade e aumentar as oportunidades económicas.

Em termos de segurança, a instabilidade política, nomeadamente, os golpes de Estado, as guerras inter-étnicas, o tráfico de drogas, o terrorismo e o radicalismo islâmico estão a obstaculizar a sua efectividade, acrescentando-se a isso o incumprimento por vários países-membros dos acordos regionais e os problemas que afectam a circulação de pessoas e bens.

Outro factor inibidor são as incertezas derivadas da ameaça que paira sobre o continente, por causa da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, com a perspectiva de conduzir a uma nova ordem mundial e, concomitantemente, a uma nova Guerra Fria mais rígida, ressurgindo, assim, uma maior dependência em relação às grandes potências.

De acordo com o relatório de 2021 da CNUCED (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), o potencial de exportação ainda não explorado do continente eleva-se a 21,9 mil milhões de dólares americanos, ou 43% das exportações intra-africanas.

O documento diz também que um potencial de exportação suplementar de 9,2 mil milhões de dólares norte-americanos pode ser realizado graças a uma libertação tarifária parcial no quadro da ZCLCA, nos próximos cinco anos.

O mesmo relatório sublinha que, para libertar o referido potencial, devem ser anuladas várias barreiras tarifárias intra-africanas, incluindo medidas não tarifárias caras, lacunas em matérias de infra-estruturas e de informação, medidas essas que precisam de esforços conjuntos no quadro da ZCLCA.

Pouco depois do lançamento da UA, em 2002, o francês Antoine Glaser, director da “Carta do Continente”, dizia temer que na arena internacional a organização panafricana fosse utilizada para servir os interesses das grandes potências.

“Os encontros dos chefes de Estado são importantes, apesar do limite do exercício e a dificuldade de tomar decisões conjuntas”, afirmou, sublinhando o facto de não ver na UA uma verdadeira estratégia política e de defesa militar, continuando a ser ainda uma organização institucional.

O pessimismo de Glaser prende-se com o facto de África depender ainda da ajuda externa para desenvolver alguns sectores, atribuindo a falta de emergência política da UA à ausência de liderança no continente, embora existam grandes potências económicas e financeiras como a África do Sul, a Nigéria, a Argélia e o Egipto.

No seu entender, essas potências estão impossibilitadas de fazer algo em prol do colectivo, por causa da diversidade dos povos e das situações dos países em todo o continente. ANG/Angop

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