EUA/Contra-ataque da China, do Canadá e do México na guerra comercial com EUA
Bissau, 03 Fev 25 (ANG) - Depois de entrarem em vigor neste fim-de-semana os aumentos de 25% nas taxas alfandegárias aplicadas pelos Estados Unidos ao Canadá e ao México e de 10% sobre os produtos chineses, os países visados já anunciaram uma riposta com medidas equivalentes.
Uma perspectiva perante a qual Donald Trump assumiu
hoje abertamente que os cidadãos americanos poderão "sofrer" de forma
indirecta as consequências desta nova guerra comercial.
"Esta será a nova era de ouro para os Estados Unidos! Isso vai
fazer sofrer? Sim, talvez. Ou talvez não. Mas vamos devolver a sua grandeza à
América e isso valerá o preço que terá de pagar", garantiu este
domingo o Presidente americano na sua rede 'Truth social' ao reiterar que o
Canadá estaria melhor se se tornasse o 51° Estado dos EUA.
"Se o Presidente Trump quer inaugurar uma nova era de ouro para os
Estados Unidos, a melhor maneira é fazer parceria com o Canadá e não
castigar-nos", disse ontem em
conferência de imprensa o Primeiro-ministro demissionário do Canadá, Justin
Trudeau, ao anunciar a imposição de direitos aduaneiros de 25% sobre produtos
americanos num valor total de 102 mil milhões de Euros.
No mesmo sentido, o México também anunciou represálias
tarifárias e não tarifárias "em defesa dos seus interesses", sem dar pormenores, a Presidente
Claudia Sheinbaum acusando Trump de "calúnias" por associar
o seu governo ao narcotráfico.
Por sua vez, a China disse que vai tomar "medidas correspondentes para proteger os
seus direitos e interesses" e que vai
apresentar queixa contra Washington junto da Organização Mundial do
Comércio.
Alexandre Abreu, professor de Economia no ISEG em Lisboa (a
Lisbon School of Economics & Management), não se mostra surpreendido com
esta nova guerra comercial que se anuncia e observa que a opção pelo
proteccionismo não é algo novo para os americanos.
"Recordamo-nos daquilo que foi a situação durante o primeiro mandato
de Trump e também agora, neste caso, a questão relativamente à China, que já é
uma situação diferente. Isto tem também como pano de fundo um discurso e uma
visão do mundo que são da parte da administração Trump, que também não lhe são
exclusivas. (...) Mas que é de um certo ressurgimento do protecionismo, ou
seja, a ideia de que, em vez dos Estados Unidos como potência mundial, é aquela
que mais ao longo de décadas do século XX até há relativamente pouco tempo,
tanto fez para criar uma ordem financeira, económica e comercial mundial, que é
uma ordem liberal, tantas vezes pressionando-os de formas muito coercivas,
países mais pequenos no sentido de entrarem nessa ordem liberal global que à
partida foi sempre vista como favorável aos Estados Unidos. Com o declínio da
hegemonia norte americana, não tanto num sentido absoluto, mas sobretudo num
sentido relativo, por causa do crescimento da China enquanto rival hegemónico,
os próprios Estados Unidos e as administrações norte-americanas viraram-se um
pouco mais para posturas e medidas de sentido proteccionista", refere o estudioso
para quem "tudo isto é muito paradoxal".
Também surpreendidos, senão mesmo alarmados estão os habituais
parceiros dos Estados Unidos, nomeadamente países como o Japão cujo ministro
das Finanças, Kastunobu Kato, disse estar "profundamente preocupado com a forma como esses direitos
alfandegários podem afectar a economia mundial".
Decerto, a aplicação de novas taxas aduaneiras pela
administração Trump à China, ao Canadá e ao México e as represálias desses
países terão consequências na óptica do economista Alexandre Abreu.
"Haverá alguma redução do comércio entre estes países. Os preços
ficam relativamente mais caros para as exportações. Do outro ponto de vista,
isso pode conduzir a um efeito de desvio do comércio. Significa que, em termos
comparativos, passa a ser mais barato, neste caso, os Estados Unidos, por exemplo,
importarem a partir de outro país ou produzirem internamente, em vez de, em
determinados casos, comprarem a partir do Canadá, ou comprarem a partir do
México. Isso irá com certeza acontecer nalguns casos e também poderá acontecer
no caso da China, na medida em que os países em causa também retaliarem. Haverá
aí alguns efeitos de redução da integração comercial", antevê o universitário.
Num sentido mais lato, o que Alexandre Abreu também observa é
que "tudo o que
isto está a introduzir é um ambiente de clara conflitualidade geopolítica e
geo-comercial que vai exactamente no sentido contrário, mais uma vez daquilo
que era um pouco a lógica da ordem liberal das últimas décadas. Com a
globalização comercial, a integração das cadeias de produção entre os
diferentes países, a tentativa de criar mecanismos de resolução de disputas de
comércio, mecanismos supranacionais no âmbito da OMC, etc. Quer dizer, quer nós
víssemos essas instituições como mais benignas ou menos benignas, até do ponto
de vista do espaço de desenvolvimento dos países mais pobres. O que é facto é
que, de alguma maneira, eles procuravam regular uma ordem internacional com
base num direito liberal que, em princípio, mesmo que condenasse os países mais
pobres a uma condição periférica, em princípio, assegurava uma certa
estabilidade. E é sobretudo a esse nível que estas medidas da administração
Trump, aliás como tantas outras por ele tomadas, são em si mesmo, um safanão
nesta estabilidade da ordem mundial das últimas décadas".
Para além de considerar que as consequências desta nova guerra
comercial "são imprevisíveis", Alexandre Abreu refere que esta
situação também questiona a força dos elos dos Estados Unidos com os seus
tradicionais aliados. "Neste momento, aquilo a que
nós assistimos é a Europa completamente perdida, porque não só está numa fase
de grande debilidade económica, um crescimento anémico, com muitas angústias
relativamente ao que precisa ou não precisa de fazer para tentar recuperar
algum dinamismo (...) Mas, ao mesmo tempo, mesmo no plano também agora
geopolítico e da defesa, de repente, digamos que o "irmão mais
velho", o "paizinho", os Estados Unidos, que sempre estiveram
presentes e agora, de repente, nestas novas condições, aquilo que se vê é que a
Europa sente que não pode contar com os Estados Unidos da mesma maneira que
sempre contou e está muito perdida",
considera o economista.
Ao confirmar na sexta-feira à noite a sua intenção de aplicar
novas taxas ao Canadá, ao México e à China, Donald Trump também manifestou a
sua intenção de aumentar os direitos aduaneiros à União Europeia.
Uma perspectiva perante a qual a França considerou hoje que o bloco deve "assumir uma forma de relação de força" face às ameaças de Donald Trump. Por seu turno ao lamentar as mais recentes decisões de Trump quanto os seus vizinhos imediatos e a Pequim, considerando-as "prejudiciais para todas as partes", a Comissão Europeia avisou que "iria reagir com firmeza" se viesse a ser alvo de direitos alfandegários "injustos".ANG/RFI
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