Brasil/Relatório da PF sobre participação de
Bolsonaro em tentativa de golpe repercute na imprensa mundial
Bissau, 27 Nov 24 (ANG) - As
revelações de "participação ativa" do ex-presidente Jair Bolsonaro em
uma tentativa de golpe de Estado após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em
2022, feitas pela Polícia Federal, estampam as manchetes da imprensa em vários
países nesta quarta-feira (27), repercutindo em detalhes o relatório de 884
páginas da Polícia Federal, documento que complica a situação de Bolsonaro com
a justiça no Brasil.
O jornal Le Monde destaca que "o ex-presidente
brasileiro de extrema direita, Jair Bolsonaro, 'participou ativamente' de
um projeto de golpe de Estado com o objetivo de impedir o retorno ao poder de
seu sucessor de esquerda, Lula, após a eleição de 2022, segundo um relatório da
polícia divulgado na terça-feira (26).
O vespertino francês destaca ainda que "o ex-chefe de Estado (2019-2022)
também tinha 'plena consciência' de um suposto plano de assassinato
contra Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com o relatório de mais de 800
páginas".
"O documento pede a acusação formal de Bolsonaro e de outras 36
pessoas, em sua maioria militares.
O relatório foi encaminhado ao Ministério Público, cabendo ao
procurador-geral da República, Paulo Gonet, decidir se dará continuidade às
acusações ou não", detalha Le Monde, concluindo que "Jair
Bolsonaro, 69 anos, sempre afirmou sua inocência e declarou várias vezes ser
vítima de uma 'perseguição política'" e que "segundo o relatório, o
ex-chefe de Estado estava ciente da operação 'Punhal Verde', que tinha como
objetivo assassinar Lula, seu vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, e o ministro
do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, após o fracasso da
tentativa de reeleição do líder de extrema direita".
O site português Público titula na manchete que
"Bolsonaro planejou o golpe e sabia do plano para matar Lula, segundo a
polícia brasileira". "As provas demonstram 'de forma inequívoca' que
Jair Bolsonaro esteve envolvido de forma direta nos planos para a concretização
do golpe de Estado, segundo o relatório da Polícia Federal brasileira",
explica o veículo.
Público sublinha ainda
que "o resumo da investigação faz um relato pormenorizado do
turbulento processo político desencadeado no Brasil após as eleições de 30 de
outubro de 2022, em que Lula da Silva venceu Bolsonaro, então no poder, por uma
margem magra de menos de dois pontos, num resultado não reconhecido pelo agora
ex-presidente". "O relatório contém centenas de mensagens
trocadas pelos envolvidos, além de áudios e imagens", detalha.
"Após as eleições, ocorreram bloqueios de estradas realizados por
caminhoneiros, acampamentos de apoiadores de Bolsonaro em frente a quartéis
pedindo uma intervenção militar, e graves tumultos em brasília, incluindo
uma tentativa de atentado a bomba nas proximidades do aeroporto da capital
brasileira", contextualiza um dos principais sites portugueses.
"O ataque em Brasília foi semelhante ao ocorrido nos Estados Unidos
por partidários do então ex-Presidente,Donald Trump, derrotado nas urnas, antes
da posse do atual chefe de Estado norte-americano,Joe Biden, em 6 de janeiro de
2021", relata.
"[O relatório]
apresenta um retrato assustador de como uma das maiores democracias do mundo
esteve próxima de retornar ao regime autoritário". (The Guardian)
O site do jornal britânico The Guardien repercute ainda
que "o documento [da PF brasileira] alega que figuras militares de
alto escalão no Brasil apoiaram um plano para tomar o poder após a derrota de
Bolsonaro nas eleições".
A publicação avalia ainda que "[o relatório] apresenta um retrato
assustador de como uma das maiores democracias do mundo esteve próxima de
retornar ao regime autoritário".
"O relatório da
Polícia Federal - que The Guardian analisou - alega que o
único motivo pelo qual Bolsonaro não assinou o decreto que boqueia a
transferência de poder foi o fato de os conspiradores não terem conseguido
apoio suficiente da cúpula militar do Brasil", detalha um dos principais
veículos do Reino Unido.
The Guardian publica que "as
revelações desta semana deixaram muitos cidadãos horrorizados e chocados em um
país que só saiu de 21 anos de ditadura militar em 1985".
"Vários dos
acusados de fazer parte do plano de golpe pró-Bolsonaro de 2022 fizeram parte
desse regime de 1964-85. Durante a década de 1970, o general Heleno foi
assessor do general Sylvio Frota, um notório membro da linha dura do regime
militar que esteve envolvido no golpe de 1964 que derrubou o presidente de
esquerda do Brasil, João Goulart", diz o jornal.
Já o espanhol El
País afirma: "as provas da conspiração golpista do Brasil:
'Bolsonaro planejou, agiu e teve controle dos atos'". "O juiz do caso
divulga o relatório final com as provas da conspiração de um golpe contra Lula,
no qual se baseia a acusação contra o ex-presidente e outras 36 pessoas",
publica. "Bolsonaro e outros 36 homens, em sua maioria militares, são
acusados de violação violenta do estado de Direito, entre outros crimes, por
arquitetar um plano para impedir que Luiz Inácio Lula da Silva assumisse o
lugar de Bolsonaro depois que o ultraconservador perdeu a eleição em 2022. Seus
seguidores realizaram um ataque à sede dos três poderes do governo em janeiro
de 2023", contextualiza o veículo espanhol.
[Bolsonaro] insistiu
em questionar a segurança das urnas eletrônicas, embora nenhuma fraude em
grande escala tenha sido detectada com esse sistema, que o Brasil usa há mais
de 25 anos. (El País)
"Entre as provas
usadas pelos investigadores contra Bolsonaro, duas reuniões se destacam. Uma
foi com ministros em julho de 2022, três meses antes da eleição, na qual ele os
incentivou a espalhar falsidades sobre a segurança do sistema de votação e
supostas fraudes. A outra reunião foi em dezembro, quando Lula já havia vencido
e estava se preparando para tomar posse no dia de Ano Novo", detalha El
País. O diário destaca que "a polícia alega que
o plano golpista de Bolsonaro começou quando ele assumiu o cargo e insistiu em
questionar a segurança das urnas eletrônicas, embora nenhuma fraude em grande
escala tenha sido detectada com esse sistema, que o Brasil usa há mais de 25
anos".
"No final, o golpe não aconteceu, porque o exército estava dividido
sobre a questão: enquanto a Marinha estava pronta para ir em frente,
os chefes do Estado-Maior do Exército e da Força Aérea se recusaram a
participar da tentativa de golpe e mostraram sua lealdade", relata o
correspondente da RFI em São Paulo, Martin Bernard.
O site AlJazeera destaca ainda que "na segunda-feira
(26), a Associated Press obteve as gravações de áudio, que datam das semanas
que antecederam a posse de Lula no final de 2022. Nas 53 gravações, alguns
oficiais militares podem ser ouvidos expressando seu desejo de impedir que Lula
assuma o cargo".
"Uma das
gravações apresenta o Coronel Roberto Raimundo Criscuoli, ex-subcomandante das
forças especiais do exército. Ele diz ao general de brigada aposentado Mario
Fernandes - que, na época, era o segundo em comando do secretário-geral da
presidência - que Bolsonaro tinha uma escolha 'clara' sobre como responder à
eleição", publica AlJazeera.
Sobre as revelações
da PF, o coordenador do Observatório da Extrema Direita da Universidade Federal
de Juiz de Fora, Odilon Caldeira Neto ouvido pela RFI observa
que talvez esse seja o evento importante para
discutir a amplitude do problema do extremismo de
direita no Brasil.
"O caso de
Bolsonaro é, sem dúvida alguma, um expoente. Mas a construção desta
viabilidade política de Bolsonaro e do bolsonarismo envolveu esforços
institucionais, um alto grau de impregnação da politização em setores
institucionais da democracia brasileira e, sobretudo, das Forças
Armadas", argumenta.
"As acusações demonstram o grau da intensidade do radicalismo e do
caráter antidemocrático de Bolsonaro"
O especialista
acredita que "esse círculo é muito mais ampliado, envolve,
sem dúvida, um problema das instituições da democracia brasileira, envolve
efetivamente um problema que diz respeito inclusive as
questões da transição democrática da última ditadura civil militar
brasileira até essa atual".
Odilon Caldeira Neto
diz que a revelação da Polícia Federal brasileira é um evento sem precedentes
dos pontos de vista jurídico, político e também moral. "Efetivamente essas
acusações demonstram o grau da intensidade do radicalismo e do
caráter antidemocrático de Bolsonaro e daqueles também que lhe
dão sustentação", conclui o pesquisador. ANG/RFI