CEDEAO/ "Ou se reforma ou cai na desgraça e desaparece", diz analista cabo-verdiano
Bissau, 17 Dez 24(ANG) - Os líderes da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental reuniram-se, domingo(15), em Abuja, na Nigéria, com as questões de segurança e a saída do Burkina Faso, Mali e Níger a marcarem a agenda da organização.
A CEDEAO deu um prazo de seis meses, até 29 de Julho de
2025, aos três países para reconsiderar a saída da organização e anunciou ainda
a criação de um tribunal especial para julgar os crimes cometidos na Gâmbia sob
o regime de Yaya Jammeh.
Em entrevista à RFI , Daniel Medina, analista político
de Cabo Verde, reconhece que a CEDEAO vive um momento de crise grave,
sublinhando que está mesmo em causa a sobrevivência da organização.
Quais são as principais conclusões desta
cimeira da CEDEAO?
As grandes conclusões apontam para uma
instabilidade - um momento de crise grave - que só com muita diplomacia será
possível ultrapassar-se. Este é um momento perturbador, talvez dos momentos
mais dramáticos desde a criação da CEDEAO. Ou haverá uma reformatação para
acabar com as nuances e as leis, para que as ambições de todos sejam cumpridas,
ou então [a organização] poderá cair na desgraça e desaparecer.
Este desmoronamento está ligado à saída do
Mali, Burkina Faso e do Níger?
De certa forma, sim. Mas há outras nuances
paralelas. Por exemplo, nós temos o caso da Guiné-Conacri, que continua a ser
governada por um grupo militar. Os outros três - Burkina Faso, Mali e Níger -
também estão a ser governados por grupos [militares]. Tivemos até há pouco
tempo, as coisas neste momento melhoraram sensivelmente, instabilidade política
no Senegal e a Guiné-Bissau continua a viver uma tensão que nós não sabemos
caracterizar e não sabemos até quando vai persistir.
Quer dizer que há nessa zona um elemento
desestabilizador que tem a ver tanto com a perspectiva do passado, como com a
não aceitação das directivas da CEDEAO. Além daquilo que todos nós já
conhecemos, acrescenta-se a parte que tem gerado essa crise, que é a dos
extremistas islâmicos que estão cada vez mais naquela zona da CEDEAO.
Têm sido muitas as críticas feitas à
liderança da CEDEAO, nomeadamente da organização ter dois pesos e duas
medidas….
Isso tem alguma relatividade, mas é verdade.
De há uns tempos a esta parte, a liderança não é assim tão boa e as partes
sentem-se no direito de não respeitar certas directivas. [A organização
precisa] de novas perspectivas fundacionais.
Essas mudanças estruturais passariam por que
tipo de reformas?
São desafios enormes e cada país deve dar o
seu contributo, defendendo também que devem ser reforçadas as instituições dos
diferentes países para que se tenha uma boa governança. Ou seja, respeito pela
democracia e salvaguarda do Estado de Direito.
No caso da Guiné-Bissau, por exemplo, são
conhecidos os atropelos à Constituição, as denúncias de violações dos direitos
humanos, as perseguições políticas, mas a CEDEAO acaba por não tomar uma
posição relativamente ao país….
Essa é uma boa pergunta. Tocar, neste
momento, no caso da Guiné-Bissau, poderá espoletar uma outra possível saída. A
Guiné-Bissau tem prenúncios de estar ligada a determinados factores económicos
e também ao narcotráfico. Atacar, entre-aspas, a Guiné-Bissau, pode significar
que ela não é bem-quista.
Ao mesmo tempo, mostra a fragilidade de uma
organização que acaba por ficar refém deste tipo de situações…
Naturalmente que nós todos sabemos que a
CEDEAO não está forte. Essa fraqueza é demonstrada nas cimeiras e quando não se
fala do Senegal, da Guiné Conacri e só se fala desses três países - Burkina
Faso, Mali e Níger, que dizem que não se voltam a sentar à mesa para
negociações - apesar da mediação que possa ser feira pelo Presidente do Senegal
- as expectativas não são as melhores. Salvo se acontecer algum milagre.
Burkina Faso, Mali, Níger anunciaram a
criação da "Aliança dos Estados do Sahel". O que se pode esperar em
termos de luta contra o jihadismo, nesta região onde os jihadistas ganham
terreno? A saída destes três países pode também ter consequências políticas?
Partimos do princípio de que quantos mais
países tem uma organização, mais forte é a estrutura. Por isso, a saída destes
países e a criação desta Aliança não os favorece, salvo se esta nova
organização se posicionar como uma frente bélica para atacar o Jihadismo.
Porém, três países não vão conseguir vencer essa luta que não diz respeito
apenas à África Ocidental, mas sim ao continente africano no seu
todo.
Esta aliança dos Estados do Sahel pode vir a
ser uma concorrente da CEDEAO?
Penso que não. Salvo se outros países que
estão nessa situação - com tentativas de golpe de Estado, com uma democracia
que não é democracia - quiserem fugir da alçada da CEDEAO e integrarem esta
nova organização do Sahel. Mas é tudo uma incógnita em ambos os lados.
A CEDEAO é uma organização que é económica, a
saída destes três países terá um impacto na questão da livre circulação de
pessoas e bens?
Existem protocolos sobre todas essas
matérias, o próprio tratado foi revisto em 1993 e prevê os mecanismos para
desvinculação. Nenhum Estado é obrigado a ficar eternamente vinculado a um
contrato, mas parece-nos que, apesar da posição reafirmada pelos Governos que
perpetraram os golpes de Estado nesses países, haverá ainda espaço para o
diálogo e para se encontrarem soluções que evitem a total implosão da CEDEO.
A CEDEAO anunciou a criação de um tribunal
especial para julgar os crimes cometidos na Gâmbia entre 1994 e 2017 sob o
regime do ex-ditador Yaya Jammeh. Esta decisão chega a tempo?
Sim, chega a tempo e previne que hajam cenários desta natureza noutros Estados próximos. Nós não devemos esquecer o que se passou e devemos responsabilizar quem prevaricou. Neste caso, penso que esta decisão vem a tempo para haja respeito pelos direitos humanos e pela democracia.ANG/RFI
Sem comentários:
Enviar um comentário