França/Festival em Paris defendeu que “nova geração está a cumprir Cabral”
Bissau, 11 Nov 25 (ANG) - Vários artistas “netos das independências” dos países afrolusófonos estiveram reunidos no "Festival Lisboa nu bai Paris", na Gaîté Lyrique, em Paris, a 8 e 9 de Novembro.
Esta é “uma nova geração que está a
cumprir Cabral”, declarou a investigadora Luísa Semedo, na conferência que
marcou o arranque do evento e que teve como mote o legado de Amílcar Cabral.
O curador do festival, o músico Dino de
Santiago, lembrou o poder transformador da cultura em tempos de extremismos,
disse que “o público está afinado, mas quem está no poder está desafinado” e
lembrou que “é da responsabilidade de cada um ser um Amílcar Cabral” hoje.
Neste programa, gravado ao vivo no dia 8 de Novembro, pode ouvir
a conversa que marcou o arranque do “Festival Lisboa nu bai Paris”, na Gaîté
Lyrique, em Paris. O festival foi comissariado por Dino d’Santiago que escolheu
vários artistas afrodescendentes que têm reinventado, nos últimos anos, a
música lusófona. Subiram, assim, ao palco Fattu Djakité, Kady, Nídia & DJ
Marfox, Eu.Clides, Umafricana e Soluna, num evento organizado no âmbito dos 60
anos da delegação em França da Fundação Calouste Gulbenkian.
“Os artistas que vão estar connosco vêm precisamente destes lugares de
uma periferia, de uma Lisboa onde ainda temos pessoas que vivem à margem,
lugares onde a humanidade reside com menos doçura. Mas, ao mesmo tempo, destes
lugares conseguimos trazer bons cheiros e esperança com a música, com a força
da cultura para nos elevar”, começou por explicar
Dino d’Santiago.
No ano em que a maioria dos países afrolusófonos celebram os 50
anos das suas independências, o evento teve a força de um manifesto cultural,
desde logo pelas palavras que marcaram o seu arranque.
“Quando há opressão, há sempre resistência. A cultura, a arte também
são uma forma de resistência. Vemos isso a acontecer nos “netos da revolução”.
Significa que o trabalho de Amílcar Cabral faz sentido e que ele continua vivo”, considerou a filósofa Luísa Semedo, admitindo que, ao olhar
para os nomes do festival, vê-se que “esta
nova geração está a cumprir Cabral”.
O “regresso às raízes” é algo assumido por esta geração que
valoriza o poder criativo do legado musical e cultural que herdou. O próprio
Dino d’Santiago - com os discos “Mundo Nôbo”, “Kriola”, “Badiu” - vai ao
encontro da “reafricanização dos espíritos” defendida por Amílcar Cabral, o líder
das independências da Guiné-Bissau e Cabo Verde e um dos maiores pensadores do
anticolonialismo africano para quem as lutas de libertação eram um acto e um
factor de cultura.
“A minha libertação foi quando senti um verdadeiro orgulho de ser
cabo-verdiano também”, confessou o músico
nascido em Portugal que se reencontrou nas raízes africanas e admitiu, no
debate, que os seus discos “são
autobiografias da reafricanização do meu espírito”.
Também a directora da delegação francesa da Fundação Calouse
Gulbenkian, Teresa Castro, considerou que a cultura e a criação artística
têm “esse papel
importantíssimo de garantir a libertação dos espíritos” e
que o papel da cultura teorizado por Amílcar Cabral é “profundamente actual”. Uma das frases que sintetiza esse
pensamento está transcrita no mural de Hélder Batalha na fachada da Fundação
Amílcar Cabral, na cidade da Praia: “A luta
pela libertação não é apenas um acto de cultura, mas também um factor de
cultura”.
Quanto ao peso que a arte pode ter em tempos de extremismo e
polarização política, Dino d’Santiago lembrou que só é fácil “pilotar” as
pessoas se estas tiverem medo, mas que se a coragem imperar “é da
responsabilidade de cada um ser um Amílcar Cabral”. Por outro lado, o músico e activista
lembrou que “o público está afinado, quem
está no poder é que está desafinado”.
Pode a música ser um antídoto ao racismo e unir o que a história
desuniu? Foram 500 anos de colonialismo e isso “nunca será possível reparar”, mas a reconciliação vai-se esboçando com a arte e é a cantar que
Dino d’Santiago responde: “Aqui
toda a gente é parente. Terra não é só o lugar onde se nasceu, é também o chão
que trazemos na mente. Aqui toda a gente é parente, mesmo quando se nasceu
doutro ventre, chamamos mãe ao mesmo continente”.
“O público está sempre afinado, por mais que nos tentem desafinar”, sublinhou o
curador do Festival "Lisboa nu bai Paris".
De
notar que, entre os artistas convidados para o "Festival Lisboa nu bai
Paris", a primeira a subir ao palco no sábado foi a cabo-verdiana Kady,
neta de Amélia Araújo, a voz da Radio Libertação no tempo da luta pelas
independências, e filha de Teresa Araújo, cantora do histórico grupo Simentera
que andou na Escola-Piloto de Conacry e conheceu de perto Amílcar Cabral.
Kady
admitiu à RFI que se sente “de forma visceral” neta da independência. “Eu cresci a ouvir as histórias de Amílcar
Cabral, as histórias da luta. Eu sinto-me muito pertencente a esse mundo. É
algo mesmo que está nas veias e é uma honra, uma grande honra”,
contou.
Por outro lado, a cantora Fattu Djakité
admitiu à RFI sentir-se “cem por cento” como “neta de Amílcar Cabral”. “Eu sinto que sou
uma representante de Amílcar Cabral porque sou Guiné-Bissau e Cabo Verde. Sinto
que tenho dois corações a bater dentro do meu peito que são a Guiné-Bissau e
Cabo Verde pelo simples facto de eu nascer na Guiné-Bissau, ir com cinco anos
para Cabo Verde e viver lá há trinta anos. Nunca a Guiné-Bissau saiu de mim,
falo o meu crioulo muito bem, sei sobre os costumes da Guiné-Bissau e sei também
tudo sobre Cabo Verde. Eu sinto que sou o sonho realizado de Amílcar Cabral”,
resumiu à RFI Fattu Djakité no final do seu concerto no sábado. ANG/RFI

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