Fórum
China-África / «As respostas
principais que a crise necessita não foram dadas» diz Carlos Lopes
Bisssau, 01 Dez
21 (ANG) - O 8° Fórum de
Cooperação China-África (FOCAC) terminou terça-feira, em Dacar, no
Senegal, um Fórum com um formato híbrido.
Dado o contexto
de pandemia, alguns dos participantes estiveram fisicamente presentes enquanto
outros, como o Presidente Chinês, acabaram por assistir à conferência a distância.
Esta ausência
de Xi Jinping foi interpretada como o símbolo de um
redimensionamento das ambições da China no continente.
Segunda-feira, o presidente chinês
anunciou o fornecimento de mil milhões de doses de
vacina anti-covid a África, o envio de 1.500 profissionais médicos,
bem como investimentos em projectos na área da saúde, agricultura ou ainda
segurança, entre outros.
Apesar de a China continuar a ser a única
economia a nível mundial que consegue encaixar o sério golpe resultante da
pandemia, isto não significa que não tenha também sofrido algum impacto. Pequim
admitiu recentemente que registou uma desaceleração, com um crescimento
económico de apenas 0,2% comparativamente ao período anterior em que o aumento
do seu PIB foi superior a 1%.
Isto acaba por ter igualmente consequências sobre os investimentos
em África que ainda antes da pandemia já estavam a diminuir. Em 2017, os
investimentos chineses ultrapassavam os 11 mil milhões de Dólares e em 2020
passaram para 3,3 mil milhões.
Neste contexto, alguns dos projectos de Pequim no continente têm
estado a conhecer alguns atrasos. Tal é o caso da linha ferroviária de alta
velocidade entre Mombaça e o Uganda, a auto-estrada entre Duala e Yaoundé nos
Camarões ou ainda um megaprojecto de caminhos-de-ferro na Etiópia.
Já o volume das trocas comerciais entre a China e o continente
ultrapassou os 200 mil milhões de Dólares em 2019, com a balança a ser
extremamente favorável à ‘fábrica do mundo’.
Este desequilíbrio, a contracção dos investimentos, bem como a
questão da dívida fizeram com que os líderes africanos tenham vindo
crescentemente a reclamar outro tipo de relação com a China.
Afinal outros "players" estão em campo, como os países
ocidentais que tentam oferecer parcerias mais atractivas, a Turquia ou ainda a
Rússia.
O economista guineense Carlos Lopes, Professor na Universidade da
Cidade do Cabo, na África do Sul, e Alto Representante da União Africana para
Parcerias com a Europa analisou em entrevista à RFI, o contexto em que decorreu
este fórum.
«Na realidade a economia chinesa, tal como todas as outras, sofreu
solavancos durante este período pandémico e, portanto, seria muito optimista
pensar que nada iria acontecer. Eu acho que o optimismo aqui deveria ser
reservado apenas a haver uma certa estabilização dos compromissos da China e
isso verificou-se. Nesta FOCAC há menos investimentos, mas se formos ver, há
também uma diferença entre o que foi anunciado na última reunião há três anos e
aquilo que foi de facto desembolsado. Portanto, os anúncios que foram feitos
agora correspondem mais ou menos ao ritmo que se instalou nos últimos anos e
parece-me que estamos em presença de uma estabilidade que é o melhor que se
pode esperar numa situação tal qual aquela que como o mundo viveu nestes
últimos anos», considera o economista.
Ao comentar o anúncio feito pelo presidente Xi Jinping sobre a intenção de
o seu país fornecer ao continente mil milhões de doses de
vacina anti-covid, Carlos Lopes não esconde que esperava mais ambição por
parte de Pequim.
«O que eu gostaria de ter ouvido, era a China a falar de como é que
vamos fazer face a um determinado número de problemas que foram criados pela
pandemia, para além do aspecto sanitário. Por exemplo, o problema da logística
internacional que está directamente ligado com as infra-estruturas e como a
China está a retrair-se daquilo que foi o seu forte que era o investimento e a
participação nos processos de investimento infra-estrutural do continente”,
referiu
Carlos Costa acrescentou que gostaria de ter ouvido também muito mais
sobre o que a China vai fazer para desenvolver a indústria farmacêutica em
África em vez de doar vacinas da sua indústria farmacêutica.
“ Gostaria de ter ouvido mais sobre a China pôr à disposição dos países
africanos os seus direitos de tiragem especial do FMI. A China prometeu 10
biliões de Dólares, mas podia dirigir a África o conjunto dos seus direitos
especiais do FMI. Escolheu fazer só uma parte que é metade do que a França
prometeu. Portanto, há aqui alguns sinais de que as respostas principais que a
crise necessita não foram dadas e a mais preocupante para mim é que a China
decidiu que não vai investir mais no carvão -uma boa parte da produção do
carvão de África vai para a China- e isto tem consequências enormes no tecido
económico e no tecido do comércio africano. No entanto, não foram anunciadas
medidas compensatórias que seriam de esperar, que a China mantivesse o seu
padrão de estar acima dos outros quando se trata deste tipo de ajuda ao
continente», diz o professor
universitário.
Aludindo à redução dos investimentos da China em África,
nomeadamente na área das infra-estruturas como caminhos-de-ferro e
auto-estradas, Carlos Lopes esclarece que «esses financiamentos para as linhas
ferroviárias foram executados. Há novos projectos, nomeadamente na Tanzânia,
que estavam em discussão, a ligação dos países do Hinterland e Uganda
que estão ainda em discussão, mas não penso que o problema se baseia naquilo
que já tinha sido lançado, prometido e está a parar -muito pouco parou- mas
mais na continuação e, nomeadamente, com os novos problemas de logística que
estão a surgir, uma boa parte provocados pela pandemia, seria de esperar que a
China tivesse um nível de ambição maior, até porque vê África como sendo
complementar da sua transição económica para ter menos manufacturas na China e
mais controlo das cadeias de valor. Mas eu acho que há aqui um problema
estratégico maior : é que há uma luta clara pela hegemonia
tecnológica entre a China e os Estados Unidos. Ela é disfarçada como uma guerra
comercial mas, no fundo, é uma guerra tecnológica para saber quem vai
prevalecer e quais são as tecnologias que vão ter maior mercado no futuro.
Segundo Lopes, a China está muito avançada em inteligência artificial,
numa série de produções que têm a ver com mudanças climáticas, energias
renováveis etc…
“O que eu gostaria era que a China incluísse África nessas grandes
mudanças e nessas transformações e não visse só África como um possível mercado
de consumo num continente onde pode transferir aquilo que já não quer ou não
pode produzir por razões de custo de mão-de-obra e outras prioridades que está
a ter, sobretudo neste período pós-pandémico», destacou.
Quanto à questão da dívida dos países africanos para com a China,
uma dívida que tem sido qualificada pelos países ocidentais como um freio ao
seu crescimento, o antigo secretário executivo da Comissão Económica da ONU
para África, tende a desvalorizar o seu hipotético impacto negativo.
«A questão da dívida é um bocado, a meu ver, exagerada porque os países
africanos contraem uma dívida com a China que é menos custosa do que a dívida
comercial e os países têm que fazer recurso a esta dívida comercial porque os
empréstimos concessionais estão a diminuir em relação ao tamanho das economias
africanas”, disse.
Para Carlos Lopes, há muito barulho nos países ocidentais sobre o facto
de que há uma espécie de dependência da dívida chinesa mas diz que, , o que se
esquece é que os países ocidentais têm grandes programas de estímulo às suas
economias, esses programas de estímulo que são dos seus bancos centrais acabam
por criar taxas de juro muito baixas para eles, alguns países até pagam taxas
de juro negativas e, no entanto, os africanos não têm esse recurso, precisam de
responder aos mesmos desafios e, portanto, têm como alternativa ir para a
dívida puramente comercial que é bastante punitiva ou então arranjar um caminho
intermédio, neste caso, que é protagonizado pela China.
“Se formos ver por este ângulo, eu acho que os chineses fazem um grande
favor aos africanos e mais houvera, melhor seria. Agora eu acho que nós temos
evidentemente problemas sérios de capacidade de reembolsar a dívida porque a
pandemia destruiu o tecido económico africano, mas destruiu porque uma boa
parte das promessas que foram feitas pelos países que dão ajuda ao
desenvolvimento não foram cumpridas. Portanto, os países africanos tiveram
que responder em grande parte à pandemia com os seus recursos próprios. Embora
se fale muito das vacinas que se deram, das coisas que se fizeram etc…
quando se vai ver exactamente os volumes de transferência que foram feitos em
ajuda ao desenvolvimento no ano 2020, eles diminuíram em relação ao ano
anterior. Quando vamos ver, por exemplo, a fuga de capitais da África aumentou,
ou seja, saíram mais capitais da África em direcção aos países ricos, quando
vamos ver, cada um desses indicadores, vemos que a África de facto não teve
recursos para responder à pandemia vindos do exterior com o nível que se fala.
Os chineses estão a fazer a sua parte, mais do que os outros”, considera Carlos Lopes.
Noutro aspecto, o professor universitário não deixa de sublinhar
que a presença mais visível de outras potências em África é o indicador de que
as possibilidades que o continente oferece permanecem ainda por explorar.
«Nós temos claramente uma
realização mundial de que África é um terreno virgem no que diz respeito a
investimentos, tem muito menos do que necessita e a competição começa tendo em
vista o mercado de consumo enorme que vai representar. Dentro de mais 15/20
anos, terá 2 mil milhões de pessoas, portanto é um mercado superior à China ou
à Índia e, tal como aconteceu nesses dois países no seu tempo, vai haver uma
apetência para, mais que não seja, responder às capacidades de consumo da
classe média que, dentro das proporções, vai ser o equivalente de dois Brasis.
Vamos ter cerca de 400 milhões de pessoas na classe média. Isto é uma coisa
muito apetecível, mas o problema é que nós temos que transformar as economias
africanas para que elas não sejam só economias de consumo e de absorção daquilo
que os outros produzem e continuarmos a exportar da África apenas
matérias-primas”, salientou.
O perigo que se tem agora com esta transição ecológica, segundo Carlos Lopes, é que todos os países estão a criar incentivos especiais para que as suas indústrias sejam protegidas e, no entanto, a África não tem esses meios, diz o economista. ANG/RFI
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