Cabo Verde/ "Há um antes de 25 de Abril e um depois do 25 de Abril", diz Pedro Pires
Bissau, 26 Abr 24 (ANG) - O 25 de Abril abriu uma nova era para Portugal, mas também para as suas antigas colónias em África com as quais o regime salazarista estava em guerra havia mais de 10 anos.
Poucos meses antes, a Guiné-Bissau tinha declarado
unilateralmente a sua independência, mas a luta não tinha totalmente terminado.
Portugal não tinha reconhecido a Guiné-Bissau como Estado livre.
Pires, antigo presidente de Cabo Verde e um dos líderes da luta
de libertação da Guiné e de Cabo Verde no seio do PAIGC, o 25 de Abril foi um marco
importante para Portugal mas também para a descolonização ao abrir o caminho
para a negociação.
"O 25 de Abril é dos acontecimentos
históricos mais importantes que tiveram lugar em Portugal no século XX. Porque
eu vejo nas minhas reflexões há um antes de 25 de Abril e um depois do 25 de
Abril. Não será o primeiro caso, mas é o caso mais importante da história
política de Portugal. No 25 de Abril, eu pessoalmente era membro da direcção do
PAIGC e acompanhamos com muito interesse os acontecimentos, mas os
acontecimentos não foram uma surpresa para nós, porque sabia-se que Portugal
estava mergulhado numa grande crise, numa crise militar, numa crise política,
numa crise económica e financeira, causados pela guerra colonial. Veja um caso
interessante para se ter em conta que o chefe de Estado maior é o chefe adjunto
do Estado-maior entraram em conflito com o poder político, com o Presidente da
República e com o Governo nessa altura. Francamente, eu penso que o Governo e
as outras instituições do Estado tinham perdido legitimidade e credibilidade.
Portanto, estava aberto o caminho para uma mudança do regime" começa por considerar o
antigo Presidente de Cabo Verde.
Para Pedro Pires, a guerra de descolonização então vigente havia
mais de uma década e, em particular, os acontecimentos na Guiné-Bissau que
tinha acabado de declarar unilateralmente a sua independência em Setembro de
1973 após derrotar o exército português no teatro de guerra, contribuíram para
precipitar o 25 de Abril.
"Facilitaram, até porque muitos
oficiais que lideraram o golpe de Estado de 25 de Abril tinham passado pela
experiência da Guiné. Mas não só a experiência militar, mas também a
experiência política. Porque o PAIGC era um caso especial do ponto de vista
político e depois do ponto de vista militar. A guerra estava perdida na Guiné.
Estava perdida e isso é reconhecido pelos historiadores militares portugueses,
não estou a exagerar em nada. Com a introdução no teatro da guerra dos Mísseis
Antiaéreos Estrela dois, o exército colonial perdeu a vantagem tecnológica que
tinha sobre nós e criaram-se as condições para nós, do lado do PAIGC,
conseguirmos novas vitórias e colocarmos o exército colonial numa situação
extremamente complicada, que podia conduzir ao seu colapso, reconhecido até
pelo Chefe de Estado-Maior e pelo Chefe de Estado-Maior Adjunto e por outros
oficiais. Na verdade, a guerra na Guiné, as vitórias do PAIGC foram um factor
que eu chamaria da aceleração da mudança de regime em Portugal e, diria mais,
de aceleração da história política portuguesa", considera o antigo
Chefe de Estado.
Paralelamente, Pedro Pires julga igualmente que os jovens
oficiais que protagonizaram o 25 de Abril contribuíram para também mudar o rumo
da descolonização. Com efeito, pouco depois da revolução, encaminharam-se
negociações entre os representantes do PAIGC e as novas autoridades portuguesas
para estabelecer as modalidades da descolonização.
Apesar de esta perspectiva não ser uma evidência para todos em
Portugal, nomeadamente o Presidente designado logo depois do 25 de Abril,
António de Spínola, que preconizava a realização de um referendo sobre o futuro
político da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, Pedro Pires considera que os oficiais
mais jovens que lideraram o 25 de Abril pesaram de forma positiva no desenrolar
das conversações.
"O 25 de Abril é um momento de ruptura
em que fica para trás a política colonial e abrem-se as condições para uma nova
política baseada na negociação com os movimentos de libertação. Essa é a grande
mudança. Os líderes, particularmente os oficiais mais jovens. Não me refiro ao
general Spínola, que não estava a facilitar as negociações, Mas os líderes mais
jovens da revolução do 25 de Abril tiveram um papel importante nas negociações
e tiveram uma visão mais inteligente, mais lúcida da situação e aceitaram a
descolonização. Dois Aceitaram o diálogo com os movimentos de libertação.
Portanto, a liderança jovem do 25 ou 25 de Abril em si, serviu para abrir as
condições políticas para uma solução política das guerras. Portanto, também foi
de grande importância para a facilitação e aceleração do processo que conduziu
as negociações e a independência das antigas colónias. O papel importante do 25
de Abril foi de ter substituído a política colonial por uma nova política, chamemo-la
a política do diálogo e da descolonização. Esse é o papel importante dos
líderes e dos governantes do pós 25 de Abril. Nós devemos, eu acho,
reconhecer-lhes esse mérito. Primeiro, o mérito da audácia. Veja a audácia dos
oficiais que decidiram pela ruptura, em vez de continuar com o status quo, a
mesma política e a mesma retórica política. Rompem com a retórica colonialista
e abrem novas perspectivas. Vejamos nisso a lucidez, a inteligência e a coragem
dos líderes da revolução do 25 de Abril" conclui o antigo
líder independentista da Guiné e de Cabo Verde.
Um ano depois de ter declarado unilateralmente a sua
independência, a Guiné-Bissau foi reconhecida como Estado soberano em virtude
dos acordos de Argel concluídos em Agosto de 1974. No âmbito destes acordos,
foi igualmente reconhecido o “direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação
e independência”. Uma independência efectivamente alcançada um pouco menos de
um ano depois, em Julho de 1975.ANG/RFI
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