Portugal/África deve seguir o modelo
económico asiático
Bissau, 06 Set 22 (ANG) - Dois economistas africanos defendem
que África precisa de uma mudança estrutural que passa pela industrialização,
seguindo o exemplo asiático, mas com inovações, nomeadamente apostando na
modernização industrial verde, no mercado interno e numa negociação
inteligente.
"Nós, no livro, defendemos muito esta teoria de que os países
africanos têm que imitar aqueles que se industrializaram antes deles mais
recentemente, ou seja, os países asiáticos. Mas têm de fazer diferente
também", disse à Lusa o economista guineense Carlos Lopes, co-autor do
livro "Mudança Estrutural em África. Perceções deturpadas, novas
narrativas e desenvolvimento no século XXI", que será lançado no dia 08 de
setembro na Feira do Livro de Lisboa.
Na obra, Lopes e o
economista do Banco Africano de Desenvolvimento George Kararach defendem que o
mundo tem uma percepção errada de África, fixada no tempo do renascimento, em
que o continente é diminuído, inclusive em termos geográficos.
Esta percepção errada
reflete-se, por exemplo, no facto de as agências de notação financeira
"terem uma percepção do risco de África que é muito maior do que aquilo
que os números mostram", colocando praticamente todos os países na
categoria de "lixo", quando o continente foi a segunda região com
maior crescimento económico nas duas últimas décadas, apenas suplantado pelo
sudeste asiático, disse o economista guineense.
O caso da dívida
soberana é outro exemplo do tratamento desigual que é dado a África, afirmou o
autor, questionando como é possível que o conjunto do continente, com 1,4 mil
milhões de habitantes, tenha uma dívida soberana equivalente à da Holanda e da
Bélgica.
Lopes, professor da
Mandela School of Public Governance da Universidade de Cape Town, recordou que
África é o continente menos financiado do mundo, com apenas cerca de um por
cento do financiamento mundial, o que compromete o seu desenvolvimento:
"Se não tem financiamento, não se vai desenvolver".
E responsabiliza,
nomeadamente, as instituições internacionais, que, quando chegam a um país
africano, se propõem ajudar os países a rentabilizarem a sua vantagem comparativa,
"que é sempre petróleo, cacau, diamantes", entre outros.
Isto significa que
África está sempre, a nível do comércio mundial, reduzida à exportação de
recursos naturais sem transformação, pelo que "nunca vai sair da cepa
torta".
O livro defende que não
é possível resolver estes problemas fazendo ajustamento estrutural, que foi a
proposta das instituições internacionais, nomeadamente do Fundo Monetário
Internacional (FMI), durante décadas em África.
"O que nós
precisamos é de mudança estrutural, não de ajustamento estrutural. E essa
mudança estrutural significa, em termos práticos, que nós temos de nos
industrializar", disse o economista, que desde 2018 é o alto representante
da União Africana para as negociações com a Europa.
Lopes e Kararach
reconhecem que também os líderes africanos têm responsabilidades, ao aceitarem,
"porque lhes convém", este modelo de exportação de matérias-primas
sem transformação, que Carlos Lopes apelida de "modelo colonial".
Segundo o investigador,
35 dos 54 países africanos são hoje classificados, pelas Nações Unidas, como
altamente dependentes de exportação de matérias-primas, ou sejam, têm mais de
80 por cento das suas exportações derivadas de matérias-primas.
E isto está relacionado
com o facto de as elites africanas terem adoptado um modelo altamente
dependente das rendas dessas exportações, em vez de reestruturarem e
diversificarem as suas economias, "porque essas rendas são mais fáceis de
manipular, são mais fáceis de acumular, (...) são mais fáceis de utilizar num
sistema corrupto".
Este modelo dependente
de rendas, que os investigadores apelidam de rentista, é oposto à transformação
estrutural: "Não se pode fazer transformação estrutural com comportamento
rentista".
Numa altura em que os
países africanos olham cada mais para leste, Lopes admite que a ideia de Estado
desenvolvimentista, desenvolvida em Singapura e na qual a China se inspirou,
permite a aceleração da transformação estrutural defendida no livro.
Trata-se de um modelo em
que o Estado é muito mais interventor no estabelecimento de políticas
industriais, está menos interessado em criar empresas estatais - "que são
fulcros de corrupção no fundo" - do que em estabelecer políticas de
incentivos que permitem um desenvolvimento muito mais coordenado e mais
ambicioso.
No livro, Lopes e
Kararach defendem que os países têm de aprender com os que se industrializaram
antes deles, ou seja, os países asiáticos, mas têm de "fazer
diferente", nomeadamente apostando numa industrialização verde, que tenha
em conta a proteção ambiental; têm de olhar para o seu próprio mercado de
consumo, que é enorme; e devem negociar melhor as suas matérias-primas, em vez
de exportá-las sem transformação.
Embora preveja que
África, no seu conjunto, dificilmente conseguirá fazer essa transformação no
curto prazo, Lopes admitiu haver países africanos que estão na boa direção,
trabalhando para a mudança estrutural, nomeadamente Marrocos, Quénia, Costa do
Marfim, Senegal, ou Egipto, mas também alguns pequenos Estados que estão a
"fazer coisas milagrosas", como o Ruanda, a Namíbia, o Togo, o
Djibuti ou ilhas como as Seicheles e as Maurícias.
No entanto, há outros
que estão numa ilusão de crescimento, porque se a economia crescer 2 ou 2,5 por
cento, mas a população aumentar um por cento, isso significa que a economia
está a diminuir em termos 'per capita'. ANG/Angop
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