Cabral 50 anos/Atual sociedade guineense não foi a projetada por Amílcar Cabral
Bissau,16 Jan 23(ANG) - O investigador João José "Huco" Monteiro considera, em declarações à Lusa, que a atual sociedade guineense não é a que foi projetada por Amílcar Cabral, "pai" da independência do país, assassinado há 50 anos na República da Guiné.
“Não. Digo perentoriamente
que não. Em todos os aspectos”, declarou “Huco” Monteiro, sociologo e
investigador no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas(INEP), e antigo chefe
da diplomacia guineense, para quem “o único projecto verdadeiramente nacional”,
foi o que foi idealizado por Cabral.
O ex-governante agora dono
da Universidade Colinas do Boé, em Bissau, justifica sua opinião argumentando
que Amílcar Cabral “sempre disse aos seus camaradas” da luta armada pela
independência da Guiné e Cabo Verde que não podiam “aniquilar o colonialismo”
nos dois territórios para praticarem os mesmos males às populações.
Para “Huco” Monteiro,
Amílcar Cabral era um revolucionário que defendia uma rutura nas práticas de
relacionamento entre os detentores do poder e a população.
“A sociedade que ele queria
não era esta. Ele preconizava uma sociedade com um Estado. Já não falo de
liberdades fundamentais porque na altura não estava na agenda. Nós éramos mais
ou menos de orientação comunista, a liberdade individual submetia-se aos
interesses coletivos (…) mas, há liberdade em si do nosso povo, o direito à
palavra das pessoas, à crítica das pessoas, a preocupação com a unidade”,
afirmou Monteiro.
Um assumido “Cabralista”,
designação não oficial que é dado a alguém que estuda ou pratica os ideais de
Amílcar Cabral, “Huco” Monteiro considerou que o “pai” das independências da
Guiné e Cabo Verde “estava muito avançado no tempo”.
Monteiro exemplificou que
Cabral, assassinado a 20 de janeiro de 1973, na Guiné-Conacri, era contra a divisão
dos guineenses com base na pertença étnica.
O antigo ministro considera
que, “dificilmente, haverá um outro Amílcar Cabral”, até pela sua singularidade
de entre os da sua geração.
“Ninguém tinha” o gabarito
de Amílcar Cabral e em Cabo Verde os intelectuais nunca se assumiram
disponíveis em romper com a ordem colonial.
“Em Cabo Verde havia muitos
intelectuais, mas mais conformistas do ponto de vista da política. Aceitaram a
dominação colonial, Amílcar não, colocou-se num outro patamar da rotura
nacionalista”, observou Monteiro.
“Era um homem doutrinado nos
ideais mais avançados e mais humanistas da atualidade internacional. Era um
homem especial, muito especial”, referiu Monteiro.
Mesmo estando a viver num
Portugal ditatorial, Amílcar Cabral foi um privilegiado, por ter tido acesso ao
mundo a partir da sua permanência e estudos no solo luso, defendeu o sociólogo
guineense.
“Huco” Monteiro lembrou o
facto de Cabral e outros jovens nacionalistas africanos terem recebido em
Portugal o “pai” do pan-africanismo, o sociólogo norte-americano William du
Bois e de outros companheiros ainda terem tido contactos com movimentos em
França.
“Huco” Monteiro
destacou ainda a facilidade com que Amílcar Cabral lidava com os nativos do
território que o viu nascer a 12 de setembro de 1924 em Bafatá, leste da Guiné.
“Vivia com os guineenses
numa sociedade complicada, sociedade colonial onde havia quase a estratificação
racial. A classe social era quase secundada pelo aspeto racial ou cultural.
Estava lá esse homem metido no desporto, na organização de bailes de
confraternização com guineenses”, frisou Monteiro.
O sociólogo também enfatizou
o “carinho” que Cabral dispensava às crianças, que considerava as flores da
luta e a razão do combate pela independência, e ainda a “atenção especial” que
dedicava às mulheres.
“Hoje fala-se da quota das
mulheres em diferentes serviços, em
muitos países está em voga este aspeto do género que Amílcar já praticava na
Luta de Libertação Nacional”, observou “Huco” Monteiro dando exemplos com a presença
de mulheres nos órgãos de decisão na luta armada e também, disse, fazia as
mesmas exigências mesmo na formação de comités de ‘tabancas’ (aldeias).ANG/Lusa
Sem comentários:
Enviar um comentário