NaTAL MUÇULMANO NA
GUINÉ-BISSAU E MOÇAMBIQUE
Bissau,23 dez 19(ANG) - A comida de tradição
portuguesa na consoada católica é argumento de ‘conversão’ religiosa dos muçulmanos
na Guiné-Bissau e Moçambique, país em que o sincretismo religioso supera as
diferenças entre islamismo e cristianismo.
A dois dias da consoada católica, as
mesas de milhares de famílias mistas de muçulmanos e cristãos nos dois países
acolhem o Natal, nuns casos como o nascimento do messias, noutros como a vinda
do antecessor do profeta.
"Nós fazemos tudo. Tanto as festas
muçulmanas, como as festas católicas", afirmou à Lusa a guineense Amina
T'Djau, 30 anos, muçulmana, casada com um católico.
No Natal, explicou Amina T'Djau,
"fazemos o cozido (bacalhau, com grão e ovo) e doces", numa festa de
família que não limita credos.
"Nós comungamos o casamento e entre
nós não há muçulmanos e católicos. A nossa filha está em primeiro lugar",
explicou Carlos Cá, o marido com 41 anos e católico, enquanto olha para a bebé
com sete meses, que não gosta de dormir e prefere estar ao colo da mãe enquanto
os adultos conversam.
O futuro religioso da menina já está
decidido pelos pais que respondem quase em uníssono que será ela que irá
escolher em que acreditar.
"Os meus pais são muçulmanos, mas
também não se importaram que eu me juntasse com um católico e até disseram que
se quisesse podia também casar na igreja", disse Amina T'Djau.
Do lado oposto do Equador, esta naturalidade
de celebrações mistas também se verifica: Heben Sultuane é muçulmano e
solteiro, mas admite que festeja o feriado católico.
“Aqui é muito fácil um muçulmano
comemorar o Natal” porque Moçambique não é a “Arábia Saudita, onde todos são
muçulmanos, e lá praticamente quando chega esta data nada acontece”.
“Aqui acontece o contrário, nós estamos
a acompanhar todo o mundo e, por isso, não tem stress, vamos comemorar”,
explicou o jovem, filho de uma cristã numa família de tradição e prática
muçulmana.
Em dezembro, Heben Sultuane não se veste
de “vermelho, como o Pai Natal”, mas a presença do espírito natalício na
comunidade contamina: “o vizinho está a comemorar à frente, ao lado, e na minha
casa também estão a comemorar. Onde é que eu vou ficar? Então acabo também
alinhando”.
A viver em Vilaculos, 700 quilómetros a
norte de Maputo, Teófelo Natalício Fumo tem Natal no nome, mas hoje não
professa qualquer religião.
O Natal é “um dia reservado para um
jantar em família, como a minha mãe me ensinou” e “comemoro mais pelo costume”,
explica.
O equilíbrio religioso na Guiné-Bissau e
Moçambique tem sido atingido nos últimos anos por um discurso mais radical por
parte de alguns líderes.
No caso de Moçambique, o norte do país
tem sido palco de ataques reivindicados por movimentos islâmicos radicais,
causando centenas de mortos em dezenas de incidentes.
Dos 30 milhões, estima-se que os
cristãos (protestantes evangélicos e católicos) sejam o grupo de crentes mais
numeroso, seguido pelos muçulmanos.
O domínio político da Frente de
Libertação de Moçambique (Frelimo) desde a independência acentuou a separação
do Estado em relação a qualquer religião.
Por isso, apesar de existir uma
Concordata celebrada com o Vaticano, Moçambique mantém abolido o feriado do
Natal, substituindo-o por um outro dia festivo, denominado Dia da Família, uma
festa ateia que serve para as famílias cristãs celebrarem o nascimento de Jesus
Cristo.
Já na Guiné-Bissau, o cenário é
diferente e o país é um dos que assinada oficialmente feriados muçulmanos e
católicos, num respeito pela fé da população.
Com pouco mais 1,5 milhões de
habitantes, a Guiné-Bissau orgulha-se da sua diversidade cultural e religiosa.
Dados indicam que existem 45,1% de
muçulmanos, 22,1% de cristãos e 14% de animistas, é por isso comum encontrar
homens ou mulheres católicos casados com muçulmanos, que praticam também o
animismo.
Nos últimos anos, a proximidade de
grupos ‘jihadistas’ no Sahel e no Mali tem-se feito sentir com a presença de
alguns elementos radicais e discursos mais exacerbados.
A poucos dias do Natal, mas também da
segunda volta das eleições presidenciais no país, o discurso religioso está nas
ruas das cidades guineenses.
Já mais à vontade na conversa, Aminata Djau
desabafa se sente incomodada com alguns discursos étnicos e religiosos que têm
sido feitos na campanha eleitoral para a segunda volta das presidenciais na
Guiné-Bissau, marcadas para dia 29.
"Não estou contente, porque as
pessoas são todas iguais e aqui somos todos guineenses", concluiu.ANG/Lusa
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