Caso 01 de Dezembro/"Tudo isto foi montado e está a ser executado
pelo Presidente Umaro Sissoco Embalo", acusa Domingos Simões Pereira
Bissau,08 Dez 23(ANG) – O
Presidente da Assembleia Nacional Popular(ANP), Domingos Simões Pereira, desmentiu
qualquer envolvimento nos acontecimentos de 01 de Dezembro e acusa o Umaro
Sissoco Embalo de ter forjado uma crise política para poder dissolver o
parlamento.
Em declarações prestadas nesta quarta-feira ao canal
televisivo France 24, o Presidente guineense evocou o momento de crise política
atravessado pelo seu país na sequência dos acontecimentos de 1 de Dezembro que
ele qualificou de "tentativa de Golpe de Estado" e acusou muito
claramente o Presidente da Assembleia Nacional Popular e líder do PAIGC de
estar por detrás do sucedido.
Domingos Simões Pereira desmente qualquer envolvimento
nestes acontecimentos e acusa Umaro Sissoco Embalo de ter forjado uma crise
política para poder dissolver o Parlamento.
Questionado sobre uma informação dando conta da sua
convocação hoje, sexta-feira pelo Ministério Público, Domingos Simões Pereira
refere não ter conhecimento de uma qualquer notificação.
RFI: Consta que é convocado hoje para prestar
depoimento no Ministério Público. Confirma essa informação?
Domingos Simões Pereira: Até
este momento em que falamos, eu não tenho conhecimento de nenhuma notificação e
se os dados de quem me acompanha nestas questões estiverem certos, precisariam
de pelo menos cinco dias para me notificarem e, portanto, já se está a divulgar
lá fora que eu serei ouvido hoje e até este momento, não recebi nenhuma
notificação.
RFI: Na sua entrevista à France 24, o
Presidente Umaro Sissoco Embalo acusa-o pessoalmente de estar por detrás dos
acontecimentos da semana passada.
Domingos Simões Pereira: é
muito triste quando um Presidente da República decide se envolver da forma como
Umaro Sissoco Embalo o faz, porque fá-lo de forma irresponsável. Faz afirmações
que não prova, diz estar na posse de dados que não divulga e escolhe o caminho
do silenciamento das instituições chamando a si todas as instituições para ser
ele a arbitrar em causa própria. O Presidente estava fora do país quando tudo
isto se produziu e, de acordo com a nossa Constituição, quem deve substituí-lo
nas suas ausências, deve ser o Presidente da Assembleia Nacional Popular.
Havendo alguma situação de anormalidade, porque é que as instâncias que tiveram
essa informação não se reportaram ao Presidente da Assembleia? Reportaram-se
directamente ao Presidente que estava fora e terá sido o Presidente da
República a ordenar que as forças instaladas no Palácio da República usassem da
força para irem resgatar os dois membros do governo. O Presidente Sissoco
precisou de produzir essa situação de confronto militar para hoje estar a dizer
que estamos em presença de uma grave crise que então justifica a dissolução do
Parlamento. Tudo isto foi montado, foi orquestrado e está a ser executado pelo
Presidente Umaro Sissoco Embalo.
RFI: O Presidente Sissoco Embalo afirma nessa
entrevista ter em sua posse escutas telefónicas entre Domingos Simões Pereira e
o comandante Vítor Tchongo.
Domingos Simões Pereira: Eu
espero que sejam conversas onde se fala de alguma coisa que ponha em causa a
soberania do país e a montagem de uma tentativa de golpe de Estado. Quem me
conhece, sabe que esse não é o meu caminho. Eu não tenho qualquer ligação a
esse tipo de expedientes. O Presidente diz isso e, portanto, toda a Nação
guineense, penso que tanto no país como no estrangeiro, estão ávidos de ouvir
essa prova de que o Presidente diz estar na posse. Agora, o que não é aceitável
é que o Presidente já tenha feito o seu julgamento, já tenha feito a sua
sentença, e agora transfere para uma entidade que é o Ministério Público, que é
nomeado por ele, para ir executar as ordens de acordo com aquilo que é a sua
conveniência política. Essa é a parte que configura a nossa tal fragilidade
institucional.
RFI: Nessa entrevista, o Presidente também
justifica a decisão de ter dissolvido o Parlamento de acordo com artigos na
Constituição que lhe dariam essa possibilidade em nome da 'Segurança do
Estado'. A que artigos se refere?
Domingos Simões Pereira: Aí
está. O problema é que ele não cita artigos, precisamente que esses artigos não
existem. Em contrapartida, eu vou citar dois artigos: vou citar o artigo 8° que
diz claramente que os actos do Presidente da República e de qualquer instância
do poder do Estado só são válidos se eles se conformarem à Constituição da
República. Depois, vou mencionar o artigo 94° que diz claramente que nos
primeiros 12 meses depois da realização das eleições, a Assembleia Nacional
Popular não pode ser dissolvida. Mas eu penso que é preciso compreender o que
está na verdade a acontecer. Desde as eleições de 4 de Junho deste ano e com a
proclamação dos resultados que ditaram a maioria absoluta ao PAI Terra Ranka, o
Presidente tem prometido aos seus apoiantes, sobretudo do partido Madem-G15,
que iria encontrar alguma forma de poder devolver-lhes o poder. Quem acompanhou
o debate na Assembleia Nacional Popular na semana em que tudo aconteceu, na
quinta-feira antes de fechar os debates, dois deputados fizeram referência a
isso. Fizeram referência ao facto de assim que o Presidente voltasse ao país,
iria convocar o Conselho de Estado e iria dissolver o Parlamento. A única
questão que nós não percebíamos era qual seria o expediente que ele iria
utilizar para esse efeito. Portanto, tanto a retirada dos membros do governo
das celas onde se encontravam até ao braço-de-ferro para os recuperar
configurou realmente uma montagem para oferecer ao Presidente da República um
justificativo que servisse para invocar a tal anormalidade e pretender a
dissolução que só não tem efeito porque, de facto, a Constituição não lhe
permite.
RFI: Em que situação se encontram actualmente
o Ministro da Economia e o Secretário de Estado para o Tesouro? Eles foram
novamente presos e têm estado detidos desde a semana passada.
Domingos Simões Pereira: Sim,
devem continuar detidos. Não tenho nenhuma informação contrária a isso. O que é
algo que todos nós, todos os cidadãos, devemos de facto lamentar porque, não é
por serem do meu partido, não é por serem responsáveis, mas estamos a falar de
gente que, por exemplo no caso do Secretário de Estado, ele encontrava-se fora
do país. Assim que teve conhecimento desse processo, viajou para o país para
colaborar com a justiça e foi lá disponível para prestar toda a informação que
é necessária para ajudar a trazer a verdade a esse processo. É silenciado, é
violentamente arrancado dum sítio para outro e, neste momento, está a sofrer
sem provavelmente perceber do que é que se trata. Eu penso que não é disso que
a Nação guineense precisa. O que a Nação guineense precisa é que houvesse a
investigação do Ministério Público, que houvesse uma comissão de inquérito
parlamentar, que houvesse um debate na Assembleia Nacional Popular aonde todos
esses dados são colocados na mesa e que todos os cidadãos guineenses possam
realmente aceder à verdade e fazerem as suas conclusões. Não é silenciar os
ministros, silenciar a Assembleia Nacional Popular, acusar um conjunto de
pessoas, chamar a si um conjunto de competências que a Constituição não lhe dá
e pretender dissolver o Parlamento para também silenciar o Parlamento. Não,
isso não é democracia, isso não é Estado de Direito.
RFI: Sabe-se do que é que o Ministro da
Economia e o Secretário de Estado do Tesouro são acusados concretamente?
Domingos Simões Pereira: Eu sei porque foi essa acusação
que motivou a sua convocação para a Assembleia Nacional Popular. Houve uma
carta do Ministro da Economia e Finanças a um banco da nossa capital na qual o
Ministro reconhece a dívida de um conjunto de operadores privados. Isso foi
entendido como uma utilização indevida de recursos públicos e é isso que estava
sob investigação.
O interessante é que neste caso, o Ministro explicou-nos
a razão de ter feito essa operação, dizendo que há um acordo com o FMI que
estabelece a data de 31 de Dezembro deste ano como data-limite para o Estado
alienar a sua participação nesse banco e que, portanto, decorre dessa
disposição o Estado estar a eliminar o conjunto de dívidas que tem com privados
que têm dívidas com o banco. Essa é a explicação. Não estou a dizer que está
certa, não estou a dizer que é conclusivamente neste sentido. Agora, o que é
estranho é que essa mesma operação já tinha sido feita ainda em 2023 pelo
governo anterior, em 2022, em 2020 e em 2019, utilizando os mesmos
procedimentos, as mesmas leis, os mesmos mecanismos. Porque é que isso não é
investigado e não é objecto de um processo judicial?
RFI: O Presidente da República disse na
entrevista à France 24 que daqui a uns dias vai nomear um novo governo interino
que lhe vai propor uma nova data para eleições legislativas antecipadas. O que
é que vai fazer no caso de efectivamente ser marcada uma nova eleição
legislativa?
Domingos Simões Pereira: O
Presidente não quer eleições. Não é eleições que o Presidente quer. Nós estamos
a sair de eleições há poucos meses. Saímos de eleições em Junho. O povo se
pronunciou e, portanto, não há dúvidas sobre aquilo que é o pronunciamento do
povo. O problema do Presidente não é realizar eleições. O problema do
Presidente é governar tal como o fez desde 2019, com um governo da sua
iniciativa e que a Constituição não lhe dá. Já em Junho de 2023, o Presidente
dizia e prometia aos seus correligionários que iria encontrar alguma forma de
eliminar a governação do PAI Terra Ranka para incluir na sua governação
elementos do seu partido, o Madem-G15, e é o que eles têm reivindicado.
Portanto, ele criou a tal situação de anormalidade para chamar a si a
competência de dissolver o parlamento. Dissolvido o parlamento, eles não
precisam apresentar o programa e, portanto, vai apresentar um governo de
iniciativa presidencial que vai governar por tempo indeterminado, enquanto
puder 'forçar a barra', fazer fuga para a frente e não respeitar as
instituições da República.
RFI: Há dias, disse que a decisão do
Presidente de dissolver o parlamento era contrária à Constituição. Nestas
circunstâncias, o que é que pretende fazer enquanto Presidente da Assembleia
Nacional Popular?
Domingos Simões Pereira: A
Assembleia Nacional Popular tem que continuar o seu funcionamento porque já
citei duas normas, o artigo 8° e o artigo 94°. É tão evidente e tão clara a
interpretação que se deve dar que a única implicação disso é que esse decreto é
inexistente. Inexistente o decreto, significa que a Assembleia Nacional Popular
deve continuar a trabalhar. Só não o está a fazer porque há forças lá colocadas
que estão a impedir o acesso dos deputados e mesmo dos funcionários, o que é
outra aberração porque mesmo que admitíssemos a possibilidade de o parlamento
estar dissolvido, as comissões deviam continuar a trabalhar. A mesa, a comissão
dos líderes e a comissão permanente. O estacionamento de forças que não estão
sob a jurisdição do Presidente da Assembleia é mais do que uma evidência do
golpe de força, do Golpe de Estado, que se pretende dar a nível dessa
instituição.
RFI: Dentro de alguns meses, termina
oficialmente o mandato do Presidente da República. Deveriam ser organizadas
eleições presidenciais. Como antevê estes próximos meses na Guiné-Bissau?
Domingos Simões Pereira: Todo
este debate, todo este quadro que se está a desenhar tem a ver com a questão
das eleições presidenciais. O Presidente tem consciência da sua falta de
popularidade, tem consciência de que tem poucas probabilidades de sair vencedor
das próximas eleições presidenciais e aposta no único expediente que ainda está
à sua mercê que é eliminar toda a concorrência, não permitir que Domingos possa
ser seu concorrente nas próximas eleições. Já havia afirmado num primeiro
momento que as eleições só teriam lugar em Novembro de 2025, o que ninguém
entendeu porque, de acordo com a nossa Constituição, mesmo que simbolicamente,
fraudulentamente, tiver tomado posse -ele tomou posse no dia 27 de Fevereiro de
2019- e portanto feitas as contas até ao dia 27 de Fevereiro de 2025, o novo
Presidente da República devia tomar posse. O que significa que devemos ter
eleições entre Outubro, Novembro, ou no mais tardar até Janeiro de 2025. O
Presidente não quer isso, não quer concorrência, acha que não tem condições de
concorrer em pé de igualdade com os outros e, portanto, monta toda esta cabala
para dissolver o parlamento, para nomear um governo da sua iniciativa, não
permitir que a nova CNE possa ser estruturada e possa haver eleições livres e
transparentes na Guiné-Bissau. é perante isso que a comunidade internacional,
sobretudo aquela que é mais próxima e parceira da Guiné-Bissau, não pode ficar
calada porque é responsável por este acompanhamento e por reforçar as
instituições democráticas deste país.
RFI: A comunidade internacional tem sido
bastante cautelosa desde o começo destes acontecimentos. Domingos Simões
Pereira disse designadamente que Portugal não tem propriamente contribuído para
a estabilização da situação na Guiné-Bissau. Tem havido reacções de vários
quadrantes, nomeadamente da CEDEAO que condenou a violência, a CEDEAO que tem
contingentes na Guiné-Bissau. O que é que espera neste momento da comunidade
internacional?
Domingos Simões Pereira: Eu
devo lembrar que este final de semana, concretamente no Domingo, haverá uma
cimeira da CEDEAO em Abuja. Eu vejo isso como uma oportunidade dos chefes de
Estado da CEDEAO olharem com mais cautela a essas declarações, compreenderem
que quando fazem referência à violência, têm que admitir a possibilidade dessa
violência estar a ser promovida exactamente por aquelas entidades que eles
pretendem defender. Portanto, há aqui esclarecimentos que são muito
importantes, mas eu penso que todos os dados estão na posse dos elementos da
CEDEAO e de outras organizações e eu acredito que, desta vez, eles vão querer
esclarecer e tomar uma posição bastante mais clara e bastante mais contundente.
Já que referiu Portugal, eu gostava de esclarecer porque parece que há aqui uma
tentativa de ofuscar aquilo que eu disse. Eu afirmei que o Presidente Embalo
faz referências e fez referências publicamente em várias ocasiões de consultas
que ele faz a várias entidades nomeadamente ao Presidente da República de
Portugal que, quando essas afirmações não são desmentidas, acaba configurando
em certa medida uma cumplicidade com aquilo que ele diz. Eu vou produzir essas
provas nas quais o Presidente faz referência a ter consultado determinadas
entidades. Eu, em nenhum momento, afirmei que essas entidades estavam de acordo
com aquilo que estava a acontecer no nosso país. Contudo, eu reafirmo que os
laços que ligam os nossos países e a influência que um país como Portugal tem
na realidade política da Guiné-Bissau transforma-o num parceiro quase que
incontornável a acompanhar a situação interna e garantir que não há
aproveitamentos indevidos de uma relação institucional que certamente todos nós
compreendemos e respeitamos.ANG/rfi.fr/pt/
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