França/Promessas de
2.2 mil milhões de dólares para Clean Cooking em África
Bissau, 15 mai 24 (ANG) - A Cimeira Clean Cooking in Africa, cozinhar com recurso a energias limpas em África decorreu, terça-feira, em Paris, mas logo no arranque do encontro, governos e sector privado avançaram com promessas de financiamento que totalizam os 2.2 mil milhões de dólares para a transição energética da confeção alimentar no continente africano, actualmente dependente de combustíveis como carvão e lenha.
A cimeira organizada pela Agência Internacional de Energia, realizada na sede da Unesco em Paris, reuniu mais de 1.000 delegados de quase 60 países.
Em cima da mesa, estavam os impactos na saúde e no clima da
utilização de fogueiras abertas e fogões tradicionais. Além disso, discutem-se
igualmente as diferentes possibilidades de transição energética.
A questão da “culinária limpa” tem ficado de fora das agendas
climáticas. Quatro em cada cinco pessoas africanas ainda confeccionam as suas
refeições em fogões abertos e tradicionais, com recurso a combustíveis
poluentes, como o carvão ou a lenha.
A Agência Internacional de Energia defende que 2024 deve ser o
ponto de viragem para a confecção limpa de alimentos em África.
A falta de acesso a uma confecção limpa de alimentos tem
consequências para a saúde, para o clima e também para a igualdade de género.
Quase meio milhão de mulheres e crianças morrem prematuramente em África, por
ano, pela falta de acesso a uma culinária limpa.
A Agência Internacional da Energia defende que para resolver
este problema em África, até 2030, custa apenas 4 mil milhões de dólares de
investimento anual.
A participar neste evento está Evandro
Gussi, presidente da União brasileira da Indústria da Cana de Açúcar e
Bioenergia (UNICA). Ao microfone da RFI, Evandro Gussi
explicou de que forma a experiência brasileira pode ser transferida para África
e lembra que “a produção de bioenergia sustentável, sem desmatamento e sem
competição com a alimentação, pode trazer para a África os mesmos ganhos que
nós experimentamos no Brasil” e servir de alavanca “transformadora” para o
continente africano.
RFI: Qual é a contribuição da UNICA para esta cimeira?
Evandro Gussi, presidente da União brasileira da Indústria da
Cana de Açúcar e Bioenergia (UNICA): Todas
as vezes que se pensa sobre transição energética, nós dependemos de inúmeras
soluções e a UNICA, representando o Brasil nessa oportunidade, mostra a grande
contribuição que o Brasil fez no desenvolvimento de uma cadeia eficiente e
sustentável de bioenergia nesses últimos 40 anos, especialmente a partir do
etanol, em suas várias formas de utilização.
Porque é que o bioetanol é melhor que o carvão e que a
madeira?
O etanol tem praticamente zero de emissão dos chamados materiais
particulados, que são uma das maiores causas em termos de saúde pública, de
câncer e outras muitas doenças a partir do sistema respiratório cardiovascular.
Então, o etanol na mobilidade ou em qualquer tipo de uso, como por exemplo no
Clean Cooking, ele oferece praticamente zero de material particulado, sem falar
numa redução muito expressiva de CO2 e a inexistência de fuligem ou outros
tipos de materiais e de emissões de poluentes que são danosos à saúde humana.
Como é que esta transferência de conhecimento entre Brasil e
África pode ser feita?
O Brasil e a África têm muitas similaridades. O continente
africano e o Brasil são geograficamente bastante próximos em termos de características
de solo, de exposição solar, sobretudo, que são determinantes para um cultivo
de biomassa produzido e utilizado de maneira sustentável. Existem muitas
regiões africanas que são semelhantes às regiões agrícolas brasileiras e que
podem experimentar a replicabilidade do modelo que a gente viveu no
Brasil.
Nós entendemos também que o que aconteceu no Brasil é a produção
de bioenergia sustentável, ou seja, sem desmatamento e sem competição com
alimento, pode trazer para a África os mesmos ganhos que nós experimentamos no
Brasil.
Ao lado das questões ambientais, nós temos uma questão
socioeconómica muito relevante. Uma cidade, por exemplo, em que tem uma fábrica
de etanol, o PIB per capita nessa cidade aumenta em mais de 1.000 dólares. É
como se eu gerasse mais de 1.000 dólares de riqueza para cada pessoa da cidade.
Nas 15 cidades em torno da fábrica, nós temos um incremento de 475 dólares.
Imagina o efeito transformador que isso tem? Teve no Brasil, e efeito
transformador que isso pode gerar na África, caso aplicado.
A questão da segurança alimentar não pode ser levantada, ou
seja, para o fabrico dessa bioenergia, não pomos em causa o cultivo alimentar
destas pessoas?
É o contrário. Na verdade, a FAO, que é a Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação, desenvolveu há cerca de 15 anos um
conceito chamado IFES (Integrated Food-Energy System), sistemas integrados de
produção de energia e alimento. E o que a gente desenvolveu no Brasil foi
justamente isso: quanto mais energia a partir de activos biológicos, a partir
da agricultura e da pecuária, eu gero no Brasil, mais alimento eu
produzo.
No caso da cana-de-açúcar, ela substituiu pastagens degradadas,
com baixíssimo nível de produção alimentar por hectare. Quando eu transformo
essa terra degradada em uma terra agricultável, junto com a rotação de cultura
que nós fazemos - ou seja, entre o replantio da cana, nós temos outras
culturas, como amendoim, milho, soja, feijão e assim por diante - gero hoje
mais alimento por hectare do que gerava antes da cana-de-açúcar.
No caso do etanol de milho produzido no Brasil, 100% vem de uma segunda safra. Nós plantamos soja em Novembro, colhemos em Abril. No mesmo mês de Abril já se planta o milho, que vai ser colhido em Julho. Ou seja, 100% do milho que eu uso é um milho que estará no mesmo ano, utilizando a mesma terra, mas já numa segunda safra. Ao lado disso, o milho não é milho, são quatro coisas: milho é amido, proteína, fibra e óleo. E nós utilizamos para fazer o etanol apenas o amido. Os outros componentes vão virar ração animal para nutrir bois, porcos, aves e até peixes, de modo que ao fim do dia eu vou ter mais produção alimentar, porque essa carne, essa proteína animal vai virar alimentação humana. Então, ao invés de eu ter um conflito de alimentação e energia, tenho o contrário, quanto mais energia gero, mais alimento consigo promover.
Para essa plantação não se corre o risco de deitar abaixo e
abater árvores que são importantes também para esta questão ambiental e ao
mesmo tempo o desgaste dos solos?
Quando falo de bioenergia sustentável, quando qualifico essa
bioenergia, estou querendo justamente dizer que ela é feita sem desmatamento,
ou seja, utilizando terras antropizadas, terras que já estão aptas ao uso
humano nas últimas décadas e com alto nível de fixação de carbono no solo,
longe de criar problemas para o solo. Ao contrário, nós recuperamos dezenas de
milhões de hectares que estavam degradados em termos de solo e que foram
recuperados, inclusive com fixação profunda de carbono nesses ambientes.
Nós temos no Brasil, por exemplo, um Código Florestal que é
extremamente rigoroso e que o sector de produção de bioenergia segue também com
muito rigor. O Brasil tem problemas de desmatamento feito por criminosos, são
desmatamentos ilegais, contrários à legislação e desconectados do sector
produtivo organizado.
No caso da produção de etanol, no Brasil, nós temos um
compromisso com o desmatamento zero, ainda que ele seja permitido pela lei
florestal, porque nós temos uma política de créditos de carbono que não
consegue conviver com a desflorestação.
Quando me refiro a bioenergia sustentável, estou qualificando
essa bioenergia que é ausente de desflorestação e que não gera competição com
alimento. ANG/RFI
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