Sudão/ Dois meses de confronto
confirmam cenário de guerra civil prolongada
Bissau, 16 Jun 23 (ANG) - O
confronto militar no Sudão completou dois meses
quinta-feira (15), e este atrito que opõe, por um lado, o chefe das
forças armadas Abdel Fattah al-Burhan, e do outro lado o líder das Forças
[paramilitares] de Apoio Rápido (RSF), provocou mais de 1,5 milhões de pessoas
deslocadas e continua a dar poucos sinais de fim à vista.
Foi no dia 15 de Abril que os cidadãos
sudaneses foram surpreendidos pelo fogo cruzado entre militares e paramilitares
na capital do país, Cartum. Dois
meses após este acontecimento, o cenário de guerra prolongada
deixou de ser uma hipótese para constituir a realidade vivida nas terras da
antiga Núbia.
Tentativas de estabelecer linhas de
contacto entre ambos os lados, por iniciativa dos países árabes e africanos,
produziram escassos efeitos neste conflito. As demais instituições coordenam
diálogos que visam a facilitar o trânsito de civis e a implementação de um
cessar-fogo, constatam uma falta de vontade por parte dos combatentes em
reduzir as tensões.
Os embates que concentravam-se
principalmente em Cartum atingiram rapidamente outras regiões, em especial as
regiões do sul como Darfur, submergida em uma crise prolongada devido à
incapacidade de entendimento e reconciliação entre os governos locais e
central. Duas guerras civis opondo estas forças em Darfur e no agora
independente Sudão do Sul provocaram milhões de mortos e milhões de deslocados,
ecoando o alarme contra um possível genocídio
É justamente em Darfur que estão
concentrados os maiores esforços para controlar a já conflagrada região, com
registos de confrontos étnicos e tribais que vitimaram mais de 1,100 pessoas de
acordo com organizações não-governamentais locais e internacionais. A MSF
(Médicos Sem Fronteiras) relata um nível
de violência sem precedentes.
O governador do estado de Darfur
Ocidental, Khamis Abbakar, foi morto nesta quarta-feira. De acordo com uma nota
publicada pelos grupos militares sob o seu comando, o assassínio ocorreu horas
após o líder ter acusado as RSF e outras milícias de perpetrarem um genocídio
na região, devido ao risco desta presença militar atrair os demais grupos estabelecidos
e motivados por afinidades tribais para um conflito de maior monta.
Khamis Abbakar denunciou as RSF durante
uma entrevista concedida à TV Al-Hadath e pediu uma intervenção internacional para
mitigar as “mortes indiscriminadas de
civis em larga escala”, reiterando que as forças armadas não estão a
defender a população. Estes comentários surgiram em resposta às alegações da
delegação das Nações Unidas, chefiada por Volker Perthes, que denunciaram um
possível confronto étnico, com características que poderiam constituir
"crimes contra a humanidade".
"Como a situação em Darfur continua a
se deteriorar, estou particularmente preocupado com a situação em El-Geneina
(Darfur Ocidental), onde a violência assumiu dimensões étnicas. Os ataques
em grande escala contra civis, com base em suas origens étnicas, que seriam
cometidos por milícias árabes e por homens armados com uniformes das RSF
[ Forças de apoio rápido, do General “Hemedti”] são muito preocupantes
e, se confirmados, podem constituir crimes contra a humanidade”.
Na semana passada, o governo sudanês
considerou o enviado das Nações Unidas como “persona non grata”, acusando-o de
ser altamente tendencioso e parcial. Stéphane Dujarric, porta-voz do
secretário-geral da ONU, disse que seu estatuto permanece “inalterado”.
Num comunicado publicado há instantes, a
RSF condenou a morte do governador, apelando a um inquérito para apurar as
causas que motivaram este assassínio.
"Dois criminosos mataram o
governador" apesar das tentativas por parte das forças paramilitares em
"protegê-lo. Os criminosos invadiram a sua residência em grande número, o
que levou a situação a ficar fora de controlo, e o governador foi sequestrado e
assassinado a sangue frio, numa cena que nada tem a ver com a humanidade".
Desde a independência do país
em 1956, o antigo Sudão Anglo-Egipcio – fruto do acordo de administração
conjunta entre o Reino do Egipto e o Reino Unido em 1899 – tem sido palco de
inúmeros atritos étnicos e políticos, que resultaram em 15 golpes de Estado até
ao momento.
Os conflitos comummente sangrentos
provocaram dezenas de milhões de pessoas deslocadas e um número incalculável de
mortos, consumando assim a situação calamitosa de instabilidade permanente num
país rico em recursos naturais, especialmente petrolíferas.
Este confronto recente resulta das
discórdias dentro do gabinete de transição liderado pelos dois generais mais
poderosos do país sobre a questão da transição de poder, que coordenaram
conjuntamente o golpe de Estado que depôs o então presidente Omar al-Bashir em
2019.
Desde então, Abdel Fattah al-Burhan, chefe
das forças armadas e Mohammed Hamdan Dagalo ‘Hemedti”, líder das Forças de
Apoio Rápido (RSF) – um exército paramilitar que começou a ganhar um poder
considerável por volta dos anos 2000, quando prestou serviço ao presidente Omar
al-Bashir para acabar com as rebeliões na região de Darfur, a sul do país –
presidem o Conselho Soberano do Sudão, uma junta civico-militar criada para
guiar os destinos do país por um período de 38 meses a partir de 20 de Agosto
de 2019.
Em 2021 os dois generais voltaram a unir
forças para derrubar o governo de transição compartilhado entre militares,
paramilitares, e civis. Uma série de negociações dentro das esferas do Conselho
Soberano do Sudão previam uma eventual transição de poder militar para civil,
cristalizando a aparente aliança entre os dois generais mais poderosos do país.ANG/RFI
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