Cabo Verde/Amílcar Cabral e luta de libertação longe do consenso em Cabo Verde
Bissau, 04 Jul 25 (ANG) - Os investigadores
portugueses Inês Nascimento Rodrigues e Miguel Cardina defendem que a memória
da luta de libertação e de Amílcar Cabral está longe de ser consensual em Cabo
Verde 50 anos depois da independência.
"Aluta e Cabral são ainda hoje objeto de
disputas memoriais acesas", disse hoje à agência Lusa Miguel Cardina, que,
tal como a sua colega, se encontra na antiga colónia para participar em
atividades evocativas do meio século de emancipação política do arquipélago
africano.
Inês Nascimento Rodrigues vê também "como a memória da luta
de libertação em Cabo Verde está longe de ser consensual".
"A figura de Cabral pode funcionar, por um lado, como
símbolo identitário e força agregadora. Por outro, como ponto de fricção e
debate político-partidário", declarou à Lusa.
Os dois investigadores do Centro de Estudos Sociais (CES) da
Universidade de Coimbra intervieram esta semana, na capital cabo-verdiana,
Praia, em realizações académicas evocativas dos 50 anos da independência do
país, organizadas pela Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), em parceria com o
CES.
Na sequência da revolução do 25 de Abril de 1974, chegou a
verificar-se no país de Cabral, líder do Partido Africano para a Independência
da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), uma "mobilização de setores adeptos de uma
qualquer manutenção da relação política com Portugal", recordou Miguel
Cardina.
"Cinquenta anos depois, Cabo Verde está pacificado com a
ideia de ser um estado independente. Algo que não foi consensual nas elites de
então, na década de 1970", quando "setores claramente pró-independência
e envolvidos na luta" contaram com "a adesão popular ao ideário da
independência", referiu.
Segundo o historiador, "se hoje a independência é um dado
inquestionável e valorizado, não é tão consensual assim a evidência histórica
de que a independência resulta de um processo ancorado na luta de
libertação".
"A luta de libertação -- e a própria figura de Cabral --
nem sempre é equacionada de forma consequente com o papel histórico que
efetivamente tiveram", admitiu.
Miguel Cardina e Inês Nascimento Rodrigues são autores do livro
"O dispositivo mnemónico. Uma história da memória da luta de libertação em
Cabo Verde", editado em Portugal, em 2023, pela Imprensa da Universidade
de Coimbra.
"Há quem celebre esse passado como um marco identitário
incontornável e quem, embora em menor escala, o procure desvalorizar ou
relativizar. O mesmo acontece com Amílcar Cabral: continua presente, mas de
formas muito diversas e por vezes contraditórias", enfatizou a
investigadora do CES.
Em Cabo Verde, a luta de libertação e a independência nacional
"continuam a ser evocadas de várias formas, muitas vezes atravessadas por
lógicas político-partidárias" e "ainda hoje há monumentos, discursos
e até performances populares que o homenageiam, mas também há silêncios,
omissões e leituras críticas", ressalvou Inês Nascimento Rodrigues.
Amílcar Cabral, assassinado em Conacri, em 1973, "continua
a ser apropriado de muitas maneiras", desde "a figura quase mítica
que circulava no meio rural ainda em tempos coloniais", passando pela sua "presença
em práticas religiosas contemporâneas" e pelas "críticas mais duras
que o classificam como uma figura ultrapassada ou uma fraude",
acrescentou.
"Ao mesmo tempo, há setores jovens e da diáspora que o
reinventam, como se vê, por exemplo, na Marxa Cabral [desfile em homenagem do
cofundador e líder do PAIGC], usando o seu legado como ferramenta crítica para
pensar as injustiças do presente", salientou a investigadora de Coimbra.
Na Cidade da Praia, o programa comemorativo na Uni-CV incluiu a
exibição de três documentários da autoria da jornalista portuguesa Diana
Andringa.
Um acordo entre Portugal e o PAIGC, assinado em 1974, permitiu a
instalação de um governo de transição em Cabo Verde, seguido da eleição da
Assembleia Nacional Popular que proclamou a independência, em 05 de julho de
1975.ANG/Lusa

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