Suíça/Amnistia Internacional denuncia actuação de
Trump e torna a acusar Israel de "genocídio" em Gaza
Bissau, 30 Abr 25
(ANG) - O novo relatório anual da
Amnistia Internacional sobre os Direitos Humanos em todo o mundo foi divulgado
terça-feira.
A publicação deste
documento coincide com o período em que Donald Trump cumpre os 100 dias do seu
segundo mandato na Casa Branca, um marco simbólico relativamente aos Direitos
Humanos, cuja situação, segundo esta ONG, vem se degradando ainda mais nestes
últimos meses.
Neste documento,
em que se observa uma degradação das liberdades civis, em particular a
liberdade de manifestação em Angola e Moçambique, a Amnistia Internacional
denuncia também a indiferença mundial perante as graves violações dos Direitos
Humanos e, em particular, as violências sexuais que ocorrem no conflito no
Sudão.
No seu relatório, a ONG torna a acusar Israel
de "genocídio" na guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza e denuncia
igualmente a política do Presidente Trump no que tange, designadamente, ao
tratamento reservado aos migrantes ou ainda o corte de financiamentos às Nações
Unidas e outras entidades que apoiam as faixas mais fragilizadas da sociedade.
Neste sentido, Miguel Marujo, porta-voz e
director da Comunicação da Secção portuguesa da Amnistia Internacional, começa
por referir que Donald Trump "demonstrou um desprezo total pelos Direitos
Humanos".
RFI:
A publicação do vosso novo relatório coincide com os 100 dias de Trump na Casa
Branca. Qual é a avaliação que se pode fazer destes primeiros dias do mandato
do Presidente americano em termos de Direitos Humanos?
Miguel
Marujo: A
avaliação é muito negativa. Aquilo que a Amnistia Internacional constata é que
o Presidente Trump demonstrou um desprezo absoluto pelos Direitos Humanos
universais. O governo americano atacou muito rapidamente e deliberadamente
instituições vitais para os Estados Unidos, mas também instituições
internacionais vitais para o funcionamento de muitos aspectos, de dimensão
comunitária e de solidariedade a nível internacional que tinham sido
exactamente concebidas para tornar o mundo mais seguro e mais justo. O ataque
total aos próprios conceitos de multilateralismo do asilo na questão da
migração, na questão da justiça racial e de género, da saúde global, da acção
climática exacerba também os danos significativos e encoraja ainda mais outros
líderes a juntarem-se a este ataque na questão das migrações. É muito mais
visível e muito mais palpável essa situação, até pela conivência depois de
outros governos, como o caso do governo de Salvador.
RFI: Outro foco de preocupação enunciado pela
Amnistia Internacional no seu relatório anual é a questão do Médio Oriente e,
mais especificamente, o conflito na Faixa de Gaza.
Miguel Marujo: Sim,
aquilo que a Amnistia Internacional recorda é que, em 2024, os acontecimentos
tidos na Faixa de Gaza, na região do Médio Oriente, vieram ainda mais colocar o
mundo numa situação muito complicada. A Amnistia Internacional, já em Dezembro,
tinha denunciado aquilo a que chamou o genocídio dos palestinianos em Gaza, que
está a ser transmitido em directo, sem que Israel ouça o mundo a protestar
contra aquilo que vai acontecendo. Mas estes acontecimentos na Faixa de Gaza
mostraram também até que ponto os Estados mais poderosos rejeitaram o Direito
Internacional e ignoraram instituições multilaterais. No caso, os Estados
Unidos, por exemplo, invocaram mesmo sanções agora para o Tribunal Penal
Internacional. Portanto, todo este caso, digamos assim, tem levado a que a
situação dos palestinianos em Gaza esteja, cada dia que passa mais desumana e
cruel. E isso tem sido particularmente defendido e notado pela Amnistia
Internacional.
RFI: Relativamente aos ataques tanto verbais
como também concretos nos actos contra os Direitos Humanos, também evocam a
Rússia. É uma espécie de banalização da violência.
Miguel Marujo: Sim,
aquilo que assistimos é que há essa disseminação crescente de práticas
autoritárias. E muitos destes líderes sejam aspirantes a líderes, sejam líderes
eleitos, actuam voluntariamente como motor de destruição. Temos notado uma
proliferação de leis, de políticas e práticas que visam directamente a liberdade
de expressão, de associação e de reunião pacífica. E aquilo que temos notado é
que a repressão pelas forças de segurança tem sido cada vez mais violenta e
mais arbitrária. Notamos detenções arbitrárias em massa, desaparecimentos
forçados e frequentemente o uso de força excessiva, por vezes também letal,
como podemos, por exemplo, verificar em Moçambique para reprimir a
desobediência civil. Portanto, aquilo que temos notado, não só pela invasão da
Ucrânia pela Rússia e depois, mesmo dentro de muitos países, é que as
dissidências, as vozes dissidentes, as vozes opositoras, são vítimas de
repressões muito violentas e muito excessivas por parte das autoridades.
RFI: Mencionou o caso de Moçambique.
Relativamente aos países da África lusófona, observaram que efectivamente os
Direitos Humanos conheceram algum recuo nestes últimos meses, tanto em
Moçambique como também em Angola.
Miguel Marujo: Sim,
aquilo que a Amnistia Internacional tem vindo a denunciar, quer em Moçambique
desde as eleições de Outubro, quer em Angola, é que tem existido uma cada vez
maior repressão de vozes que muitas vezes se manifestam pacificamente contra as
políticas dos governos. Temos, e isso é muito evidente na parte de Moçambique,
relativamente àquilo que foi a repressão pós-eleitoral e com todos os
confrontos violentos entre polícias e forças de segurança e até mesmo tropas
nas ruas contra os manifestantes, que muitas vezes estavam a manifestar-se
pacificamente contra os resultados eleitorais. Contra aquilo que se passou em
torno das eleições gerais de Outubro. E ao mesmo tempo, também em Angola, temos
notado um acréscimo de prisão e detenção de activistas da sociedade civil, de
jornalistas, apenas por exercerem os seus direitos à liberdade de expressão e
de reunião pacífica. A Amnistia Internacional acompanhou o caso em concreto de
cinco activistas que estavam detidos e alguns deles tinham sido negados
cuidados de saúde necessários durante a sua detenção nas cadeias. São cinco
casos, em particular, que tiveram um final feliz porque acabaram libertados no
início deste ano de 2025. Mas, na verdade, aquilo que temos ouvido, os relatos
que nos têm chegado de Angola, é que também há cada vez uma maior repressão
daquilo que são as opiniões contrárias ao Governo de Luanda.
RFI: Também em África mencionaram o conflito
relativamente esquecido do Sudão, que também dá azo a atropelos aos Direitos
Humanos.
Miguel Marujo: Sim,
aquilo que Amnistia tem denunciado é a extrema violência sexual generalizada
contra mulheres e raparigas no Sudão, nomeadamente protagonizadas por milícias
das Forças de Apoio Rápido sudanesas. E são práticas que equivalem a Crimes de
Guerra e possíveis Crimes contra a Humanidade. O número de pessoas deslocadas
internamente pela guerra civil que já dura há dois anos no Sudão aumentou para
11 milhões. É mais do que em qualquer outro lugar do mundo. E, no entanto, este
conflito tem suscitado uma indiferença global quase total. Aquilo que temos
ouvido são manifestações -muito cínicas até- sobre aquilo que se passa no
Sudão, enquanto que muitos desses países continuam a violar o embargo às armas
no Darfur, vendendo armas a forças que estão envolvidaesta guerra civil. De
facto, há que pôr termo a essa venda de armas e ao mesmo tempo tentar levar a
que as diferentes partes em conflito se possam entender à mesa das negociações.ANG/RFI