quarta-feira, 29 de março de 2023

Direitos Humanos/AI denuncia "dois pesos e duas medidas" perante violações

Bissau, 29 Mar 23 (ANG) - A Amnistia Internacional divulgou terça-feira, um relatório anual  alusivo aos acontecimentos de 2022 e nomeadamente à invasão da Ucrânia pela Rússia.

Ao saudar a reacção firme dos países ocidentais, esta organização de defesa dos Direitos Humanos não deixa de denunciar o que qualifica de "dois pesos e duas medidas" desses mesmos países relativamente à situação vivida noutros pontos do globo, conforme disse à RFI Pedro Neto, secretário executivo da Amnistia Internacional em Portugal.

"Vimos uma dualidade de critérios na resposta às crises e nas questões de Direitos Humanos. Vimos e muito bem, é preciso sublinhá-lo, uma condenação em larga escala à agressão russa em relação à Ucrânia. Vimos também disponibilidade do ocidente, da Europa, dos Estados Unidos em acolher refugiados ucranianos, mas depois, noutras situações, vimos que isso já não acontece. Perante situações semelhantes, a resposta é diferente. Não precisamos até de sair do conflito da Ucrânia onde refugiados ou pessoas que viviam na Ucrânia mas que eram nacionais de países terceiros e de países africanos, estas pessoas tiveram dificuldades em sair da Ucrânia para irem para novos países de refúgio. Isso foi logo aí um problema de discriminação", lamenta o defensor dos Direitos Humanos.

"Depois há outros conflitos esquecidos no mundo. Por exemplo, no Iémen onde a Arábia Saudita está e não há condenação à actuação da Arábia Saudita. Não há condenação à actuação da Arábia Saudita na violação no seu próprio país; o próprio Egipto, a própria guerra que vai acontecendo na Etiópia. Não há a mesma solidariedade, não há a mesma condenação. O próprio Israel que impõe um regime de Apartheid aos palestinianos e da comunidade internacional não há qualquer condenação, não há qualquer pressão para que este estado de coisas termine. Portanto, os estados vão agindo com maior ou menor impunidade, a comunidade internacional vai posicionando-se e utilizando a questão dos Direitos Humanos, não porque são o centro dos seus valores (...), mas quando dá jeito e quando interessa em termos geopolíticos e em termos de interesses económicos e financeiros", denuncia Pedro Neto.

Com efeito, no seu relatório anual, a Amnistia Internacional, denuncia um "silêncio ensurdecedor sobre o balanço da Arábia Saudita em matéria de direitos fundamentais", uma "passividade a propósito do Egipto", uma atitude de negação perante o que qualifica de "sistema de apartheid criado por Israel contra os palestinianos", a atitude da China que tudo faz para "travar qualquer acção internacional sobre os crimes contra a Humanidade que cometeu", bem como a incapacidade das instituições mundiais e regionais em dar algum tipo de resposta aos conflitos vigentes no Mianmar, no Iémen e na Etiópia.

Esta organização deu por outro lado conta de uma série de abusos de poder, referindo que 77 países procederam a detenções arbitrárias, 94 foram responsáveis por maus tratos e actos de tortura e 34 recorreram a desaparecimentos forçados, sendo que "na Austrália, Índia, Indonésia e Reino Unido, as autoridades aprovaram novas leis que impõem restrições às manifestações, enquanto no Sri Lanka utilizaram poderes de excepção para reprimir o movimento de protesto maciço contra a crise económica crescente.". Noutro aspecto, "as autoridades iranianas responderam à revolta sem precedentes contra décadas de opressão por uma força ilegal, disparando balas reais, projécteis de metal e gás lacrimogéneo, e espancando os manifestantes. Várias centenas de pessoas, incluindo dezenas de crianças, foram mortas.(...) A repressão afectou igualmente jornalistas, defensores dos direitos humanos e opositores políticos, por exemplo em Moçambique e no Zimbabué", menciona  ainda o relatório da Amnistia Internacional.

De facto, a repressão de manifestações, os entraves à liberdade de expressão foram o prato forte em vários países, nomeadamente em África. Nos países de África lusófona, Pedro Neto fala em "ano difícil""Em Angola, tivemos eleições, não se verificaram na altura incidentes por maiores de violência. No entanto, durante a campanha eleitoral, houve muitos sinais de violência, de repressão à liberdade de expressão e problemas antigos continuaram em vigor em Angola. Depois, claro, também na contagem dos votos, as contagens não foram claras, não foram conclusivos os relatórios dos observadores e, portanto, há aqui problemas também na questão das eleições. 

A liberdade de expressão e de reunião também foi afectada em Angola, muito com activistas também a serem perseguidos e detidos momentaneamente e também, muitas vezes, quando havia notícias de manifestações, os activistas que as organizavam eram detidos previamente pelos serviços do SIC (Serviço de Investigação Criminal). Depois temos também Cabinda que vive em estado de sítio permanente, com uma repressão absoluta à liberdade de expressão. 

Também em Angola, destaca-se a questão da seca, do acesso à água, do acesso à alimentação, muito no sul de Angola, também agravado pelos problemas das grandes fazendas que muitas vezes são geridas e são atribuídas a fazendeiros que têm ligações com o governo, quer os governos locais, quer o governo central, e isto pôs em causa a sobrevivência de muitas comunidades pastoris que vivem da criação de gado. Também em Angola, vimos ainda desalojamentos forçados a ocorreram principalmente em grandes centros urbanos", refere o activista.

Focando a sua atenção sobre Moçambique, o responsável evoca a instabilidade de Cabo Delgado, no extremo norte do país, como sendo um factor para a violação dos Direitos Humanos."Em Moçambique, muitas das violações dos Direitos Humanos estiveram ligadas à pressão de Cabo Delgado, isto provocou muito deslocados internos. As Nações Unidas estimam em cerca de um milhão e meio de deslocados. Também a destacar em Moçambique, a liberdade de expressão, não só para defensores dos Direitos Humanos e activistas, mas também para jornalistas que continuaram a ver o seu trabalho reprimido com intimidações, com ameaças sempre que criticaram as forças do governo", indica Pedro Neto.

Apesar de países como a Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe não serem citados no relatório que não cobre a totalidade do globo, Pedro Neto não deixa de referir que a Amnistia Internacional está atenta à situação desses países, citando nomeadamente o ataque de que foi vítima em Fevereiro de 2022 a rádio Capital em Bissau ou o assalto ocorrido em Novembro contra o quartel militar de São Tomé. "O pior inimigo destas questões e destes abusos contra os Direitos Humanos é o esquecimento" considera o activista ao lançar um apelo para que "a comunidade internacional não seja alheia a estas coisas e exija também ela própria que a justiça possa acontecer perante o mal que já foi feito".

Neste aspecto, o relatório considera nomeadamente que "é indispensável que as instituições e os sistemas internacionais destinados a proteger os nossos direitos sejam reforçados e não enfraquecidos. O primeiro passo consiste em financiar plenamente os mecanismos de defesa dos direitos humanos das Nações Unidas, a fim de permitir a realização de investigações, garantir a responsabilização e fazer justiça. A Amnistia Internacional pede também uma reforma do principal órgão de tomada de decisões da ONU, o Conselho de Segurança, a fim de fazer ouvir a voz dos países e das situações tradicionalmente ignoradas, em particular no hemisfério sul." ANG/RFI

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