ONU/Guterres assinala 80 anos com apelo à reforma do Conselho de Segurança
Bissau, 24 Out 25 (ANG) - O secretário-geral das
Nações Unidas, António Guterres, assinalou hoje os 80 anos da organização com
um apelo por paz, mas também pela reforma do Conselho de Segurança, insistindo
numa representação africana e em limitações ao veto.
Guterres, que se encontra em viagem ao Vietname, discursou virtualmente numa
reunião especial do Conselho de Segurança da ONU focada no 80.º aniversário da
organização multilateral e denominada: "A Organização das Nações Unidas:
Olhando para o Futuro".
Num discurso voltado para o
Conselho de Segurança - o órgão mais poderoso da ONU, cujas decisões são
vinculativas -, António Guterres recordou a primavera de 1946, quando a
primeira urna do Conselho de Segurança foi aberta à inspeção antes da votação.
Para surpresa de todos, já tinha lá dentro um pedaço de papel, contou, referindo-se
a uma mensagem do fabricante da caixa -- um mecânico local de Nova Iorque
chamado Paul Antonio.
"Ele escreveu: 'Posso, eu, que tive o privilégio de fabricar esta
urna, dar o primeiro voto? Que Deus esteja com todos os membros da ONU e,
através dos seus nobres esforços, tragam uma paz duradoura a todos nós, em todo
o mundo'. Esta humilde nota recorda-nos porque é que o Conselho de Segurança
existe: para as pessoas", afirmou o líder da ONU.
O antigo primeiro-ministro português recordou que, ao longo dos 80
anos de história, o Conselho de Segurança conseguiu cumprir a sua tarefa em
muitas ocasiões, como quando ajudou o Camboja a emergir do genocídio e a
África do Sul do 'apartheid', enviou missões que ajudaram a levar a paz à
Serra Leoa, Timor-Leste, Libéria e outros locais, e construiu uma estrutura
global duradoura contra o terrorismo.
"Acima de tudo, deram-nos 80 anos sem o caos de uma guerra entre
grandes potências. O Conselho é uma necessidade vital e uma força poderosa para
o bem. Mas, ao mesmo tempo, a sua legitimidade é frágil", observou o
secretário-geral.
Com demasiada frequência, observou, membros do Conselho de Segurança
agiram à margem dos princípios da Carta Fundadora da ONU.
Embora Guterres não tenha dado exemplos concretos, a Rússia - um membro
permanente do Conselho - é o exemplo mais recente de um país em violação da
Carta da ONU, com a invasão da Ucrânia.
"Quando isto acontece, (...) corrói a confiança em todo o projeto da
ONU e coloca-nos a todos em grande perigo", lamentou.
O líder das Nações Unidas considerou a reforma do Conselho de
Segurança como imperativa, defendendo uma expansão.
Guterres lembrou que quase metade de todas as missões de paz da ONU
tem lugar em África. No entanto, o continente não tem uma voz permanente no
Conselho de Segurança.
O secretário-geral, que termina em 2026 o seu segundo e último
mandato, alertou também para a sub-representação da América Latina e das
Caraíbas, enquanto a região da Ásia-Pacífico --- onde vive mais de metade da
humanidade --- detém apenas um lugar permanente.
"A expansão do número de membros não se resume a justiça, trata-se
também de resultados. Tem o potencial de desfazer impasses e oferecer
estabilidade no nosso mundo cada vez mais multipolar", insistiu.
Guterres encorajou igualmente os 15 Estados-membros a examinar as
propostas da França e do Reino Unido para limitar o exercício do veto.
Frequentemente considerado obsoleto, o Conselho de Segurança da ONU é um
dos principais alvos de pedidos de reforma e expansão há décadas, com países
emergentes como a Índia, África do Sul e Brasil a pretenderem juntar-se aos
cinco membros permanentes.
Em geral, quase todos os países da ONU consideram necessário reformar o
Conselho de Segurança, mas não há acordo sobre como fazê-lo, com diferentes
propostas na mesa há anos, sendo que algumas englobam uma representação
africana permanente no Conselho.
Ao longo dos anos, o poder de veto tem sido uma das questões mais polémicas
e alvo de vários pedidos de modificação. Esse tem sido, aliás, o mecanismo
usado pela Rússia para impedir que o Conselho de Segurança atue contra si face
à guerra em curso na Ucrânia e usado pelos Estados Unidos para travar
resoluções contra o seu aliado Israel.
"O Conselho de Segurança não se trata de hegemonias e impérios. (...)
Em cada sombra desta Câmara, estais rodeados pelos fantasmas dos mortos. Mas,
ao lado deles, existe algo mais --- as esperanças dos vivos", disse
Guterres ao corpo diplomático presente no debate.
O evento de hoje, convocado pela Rússia, contou com a presença de dezenas
de Estados-membros, incluindo Portugal.
No início da reunião, a Rússia, que preside este mês ao Conselho de
Segurança, leu uma declaração aprovada pelos 15 Estados-membros e na
qual reforçaram o propósito de salvar as gerações futuras do flagelo
da guerra.
A ONU celebra 80 anos enquanto enfrenta uma grave crise
multidimensional, tendo em risco a sua influência e orçamento.
Apesar dos esforços de António Guterres para tentar convencer o mundo
de que a ONU é hoje mais vital do que nunca, a organização fundada após a
Segunda Guerra Mundial tem na atualidade a sua influência desacreditada e
o seu pleno funcionamento em risco devido aos cortes de
financiamento de nações como os Estados Unidos, país que acolhe a sede da
instituição, em Nova Iorque, e o seu maior doador.ANG/Lusa

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