Médio
Oriente/Cessar-fogo em Gaza pode falhar sob peso de contradições, dizem
analistas
Bissau,21 Jan 25(ANG) - Com o Hamas a
demonstrar capacidade militar e Israel a prometer destruir este movimento
palestiniano, diversos analistas internacionais mostram-se divididos sobre as
possibilidades de sucesso do acordo de cessar-fogo entre as duas partes.
Para
Mostafa Salem, analista da CNN, com a libertação dos primeiros reféns
israelitas o Hamas envia duas mensagens claras: por um lado, "está longe
de ser destruído" e, por outro, assumindo-se como vitorioso, dá aos árabes
a ideia de que Israel saiu derrotado nos 15 meses de conflito.
Apesar de admitir que o
acordo abre também a porta a novas negociações que poderão conduzir a uma
retirada total de Israel de Gaza e a um cessar-fogo permanente, Salem citou
Osama Hamdan, alto responsável do Hamas, que disse, após a assinatura da trégua
de 42 dias, que terá de se ter em conta as reações da extrema-direita
israelita.
"O principal objetivo
de Israel no conflito era eliminar o Hamas. Alguns ministros israelitas,
deputados e mesmo uma pequena minoria de famílias de reféns veem a aceitação de
um acordo como uma derrota israelita. O ministro de extrema-direita Itamar Ben
Gvir e o seu partido demitiram-se do governo e do Knesset (parlamento),
apelidando as tréguas de 'rendição'. O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich,
também de direita, classificou o acordo como 'catastrófico' e um grupo de
reservistas do exército rotulou-o de 'acordo de rendição'", sublinhou
Salem.
No entanto, ressalvou, o
Hamas, que outrora controlava militar e politicamente a Faixa de Gaza, ficou
após a campanha de 15 meses de Israel reduzido a uma fração do que era e, com o
enfraquecimento significativo dos seus aliados regionais Hezbollah e Irão, o
grupo ficou isolado.
"O movimento tem
continuado a apresentar-se aos palestinianos como o mais formidável grupo de resistência
armada contra Israel, repondo as suas fileiras através do recrutamento de quase
tantos novos militantes como os que perdeu. Cada vez que Israel termina as suas
operações militares e recua, os militantes do Hamas reagrupam-se e reaparecem
porque não há mais nada para preencher o vazio", assumiu recentemente o
secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken.
"De facto, consideramos
que o Hamas recrutou quase tantos novos militantes como os que perdeu. Esta é a
receita para uma insurreição duradoura e uma guerra perpétua", lembra, por
seu lado, Tahani Mustafa, analista sénior do International Crisis Group (ICG),
argumentando que o sofrimento infligido aos palestinianos de Gaza pela guerra
de Israel cria um "terreno fértil para o recrutamento".
"O Hamas não vê a sua
sobrevivência como um objetivo nesta guerra, mas para Israel a própria
sobrevivência do grupo pode ser considerada uma derrota", sublinhou.
Por seu lado, o investigador
Binoy Kampmark considera, num artigo no Eurasia Review, que o cessar-fogo em
Gaza representa "uma colheita amarga" e até pode parecer "uma
piada obscena".
"A junção dos termos
'cessar-fogo' e 'Gaza' parece não só incongruente como uma piada obscena. Isto
deve-se, em grande parte, ao facto de que o cessar-fogo poderia ter sido
alcançado muito mais cedo por todas as partes envolvidas. Mas faltou vontade em
Washington para forçar a mão de Israel, cujo primeiro-ministro foi
repetidamente da opinião de que o Hamas tinha de ser incondicionalmente
derrotado, se não mesmo extirpado por completo, para que se pudesse chegar a um
acordo", sustentou o investigador na Universidade australiana RMIT.
Peter Beaumont, analista do
The Guardian, sublinhou que, apesar de o cessar-fogo em Gaza ter entrado em
vigor, tem dúvidas sobre se o acordo se manterá, pois qualquer uma das três
fases requer novas negociações para avançar e "é altamente vulnerável num
contexto de pouca confiança entre as partes".
"Os analistas e
observadores salientaram que a conceção do acordo, construído em três fases que
exigem a realização de novas negociações à medida que o cessar-fogo avança,
parece estar estruturada para convidar a múltiplas crises à medida que se
aproxima de um terreno cada vez mais difícil. A confiança de ambas as partes
tem sido, na melhor das hipóteses, insignificante", sublinha Beaumont.
"O Hamas, sem surpresa,
dadas as declarações públicas de altas individualidades israelitas, receia que
Israel procure assegurar o regresso dos reféns mais vulneráveis, mulheres,
crianças, doentes e idosos, para depois recomeçar a combater, talvez na altura
da segunda fase, ideia reforçada no domingo, após o ministro das Finanças de
extrema-direita de Israel, Bezalel Smotrich, ter afirmado que Netanyahu lhe
tinha garantido que a guerra iria continuar.
Marc Lynch, diretor do
programa de Estudos do Médio Oriente da Universidade George Washington,
entrevistado na Foreign Affairs, está entre aqueles que não acreditam que as
perspetivas de ir além da primeira fase do acordo sejam boas.
"Vai ser muito difícil.
Infelizmente, a minha opinião é que é muito improvável que passemos da primeira
fase e avancemos para uma paz permanente. Há infinitas possibilidades de
desmancha-prazeres de ambos os lados, e continuam a existir sérias divergências
sobre os pormenores dos próximos passos do acordo", sublinhou Lynch.
"Do lado palestiniano,
há muitas oportunidades para a violência por parte da linha dura, de fações
militantes que não gostam da forma como as coisas estão a correr e de pessoas
que apenas se querem vingar de todas as coisas horríveis que lhes foram feitas.
É importante sublinhar que o acordo é uma trégua frágil e não uma cessação do
conflito. Exigirá um acompanhamento contínuo e a responsabilização das partes
negociadoras", afirmou Sanam Vakil, da Chatham House.
Para Vakil, o que não é
claro, no momento em que Trump assume o cargo pela segunda vez, é se essa
responsabilidade existe ou se o cessar-fogo acabará por se desmoronar sob o
peso das suas contradições.ANG/Lusa
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