“Única alternativa é o trabalho árduo”, diz
Presidente Mário Vaz
Bissau, 08 Jul 14 (ANG)- O novo
Presidente da República da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, considerou Angola um
país fundamental na tarefa que tem sobre os ombros de conduzir o seu país a
porto seguro e devolver a esperança ao povo guineense, maltratado ao longo de
décadas por sucessivas crises políticas.
Pela primeira vez em Angola como
Chefe de Estado, não escondeu a boa impressão com que ficou e garante que a
Guiné-Bissau vai estar na primeira fila para apoiar a candidatura de Angola a
membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. No plano
interno, o “Vinte e Cinco”, como ficou conhecido quando foi ministro das
Finanças, prometeu ser um reforço do Governo para a mobilização de recursos,
tecnologias e parceiros no combate à pobreza.
Jornal de Angola - No discurso de tomada de posse pediu aos guineenses que
estão no estrangeiro para regressarem ao país. Até que ponto espera ter êxito
no apelo que fez?
José Mário Vaz - Fiz esse apelo porque eu próprio sou fruto da imigração. O
meu pai esteve 30 anos em França e sei o que passam as pessoas que estão fora
da terra que os viu nascer. Conheço muito bem essa situação e o caso da
Guiné-Bissau é muito especial. Após a guerra de 1998, dois barcos tiraram
guineenses de Bissau e levaram as melhores cabeças. A partir dessa altura, o
país ficou mais pobre, porque formar um homem não é fácil, leva tempo e exige
muito sacrifício da própria pessoa e também do país. Na difícil situação em que
nos encontramos, precisamos de mão-de-obra qualificada e de gente melhor
dotada. Por isso, fizemos o apelo para pedir aos guineenses que regressem. Que
venham dar a sua contribuição para juntos tirarmos o país da difícil situação
em que se encontra.
JA - Acredita que vai ser fácil?
JMV - Sei que não, sobretudo para as pessoas que estão bem no país de
acolhimento, pessoas que têm emprego, a sua família constituída e os filhos
ainda a estudar. Mas espero que a Guiné fale mais alto, porque o avanço de
qualquer país faz-se em função dos seus recursos humanos e nós temos a certeza
absoluta que os guineenses na diáspora são, muitos deles, homens altamente
qualificados e de que o país precisa neste momento. Vão ouvir a voz da Pátria e
regressar.
JA - Tem algum plano para os atrair?
JMV - Temos de desenvolver um projecto à volta do qual contamos estabelecer
parcerias que nos vão ajudar a levar esses nossos compatriotas de volta para a
Guiné-Bissau. Há muitos guineenses em dificuldades, sem documentos, chegaram
sem vistos, sem autorização de residência, e estão a sofrer. A esses vai ser
mais fácil convencer a regressar, porque se tiverem de sofrer no estrangeiro,
que venham e soframos juntos na nossa terra. Há os que estão aqui e estão muito
bem. Vai ser difícil convencê-los a regressar.
JA - Foi essa a impressão com que ficou no encontro que manteve com a
comunidade guineense em Angola?
JMV - Senti que a comunidade gosta de estar em Angola. Alguns até dizem que
Angola é a segunda pátria deles. Mas a comunidade também está a braços com o
mesmo problema: a falta de documentação. Nós, sobretudo o Governo, depois de
tomar posse, vamos fazer tudo para ajudar a normalizar a situação. Eles gostam
de cá estar e nós estamos satisfeitos com a forma como manifestaram esse
sentimento, mas estão preocupados por estarem sem documentação. Essa matéria já
entra no campo das nossas relações bilaterais. Depois da tomada de posse, o
nosso ministro dos Negócios Estrangeiros vai trabalhar com o ministro das
Relações Exteriores de Angola para solucionar esse problema. Quem não
conseguir, o país vai estar sempre de braços abertos para o receber.
JA - O problema guineense é a pobreza extrema e não a cíclica instabilidade
política?
JMV - Nós temos um semi-presidencialismo, em que o Primeiro-Ministro é, no
fundo, o responsável pela gestão corrente do país, enquanto o Presidente da
República tem de zelar pelo respeito escrupuloso da Constituição da República.
Mas temos consciência que o Governo sozinho não pode resolver o problema da
Guiné-Bissau. Todas as instâncias do poder, todas as instituições da República
têm de se unir para pôr o país a funcionar. Durante a campanha eleitoral
percorremos o país de lés-a-lés e vimos as dificuldades com que as pessoas se
deparam. Constatei situações que, sinceramente, nunca imaginei. Dizer que
fiquei chocado, talvez fosse usar um termo demasiado forte, mas o que senti ao
ver aquele cenário nas nossas comunidades do interior não deve andar muito
longe desse termo.
JA - Ficou sensibilizado?
JMV - Altamente sensibilizado. Daí a minha determinação: temos de resolver
o problema da pobreza. Há que atacá-la! E falo assim porque fui ministro das
Finanças e também presidente da Câmara Municipal de Bissau, portanto, estive
sempre onde há problemas. Garanto que o Presidente da República vai ajudar o
Governo a resolver esse problema.
Prometi que começava uma presidência aberta
pelo sul, onde procurarei ajudar a população a resolver o problema do arroz.
Deixei 16 projectos antes da minha saída do Ministério das Finanças, todos
destinados a cooperativas para trabalharem exclusivamente a nível do arroz. Vou
ter uma reunião esta semana para saber em que estado se encontra o projecto,
que estava a ser financiado pelo Banco de Desenvolvimento da África Ocidental.
Quando fui o presidente do Conselho de Ministros da União, falei com o
presidente desse banco para nos ajudar a resolver o problema do arroz.
JA - Pretende retomar os projectos?
JMV - Vou saber exactamente a situação desses projectos, na certeza que com
o pouco ou nada que tenho, vou contribuir no sul, outorgando um prémio ao
melhor lavrador de cada zona. O que pretendo transmitir é que não temos outra
alternativa senão o trabalho. O guineense deve meter na cabeça que a única
forma de combater a pobreza é arregaçarmos as mangas e deitar mãos à obra.
Temos de trabalhar para pôr a nossa economia a funcionar. Com o pouco da minha
experiência vou dar a minha contribuição para reforçar a capacidade do Governo
de mobilização de recursos e de tecnologias e parceiros, para fazer face a esse
problema, porque a pobreza é um dos grandes males de África e tem de ser
atacada.
JA - Quais as suas expectativas em relação ao agora criado Fórum dos PALOP?
Como pode servir os seus propósitos à frente da Guiné-Bissau?
JMV - O Fórum, no qual tive a honra e o prazer de participar em Luanda, é
extremamente importante para nós. É muito mais do que um espaço de concertação
entre os Presidentes. É o diálogo entre países, aproveitando as potencialidades
de cada um, porque juntos e unidos podemos fazer dos nossos países sociedades
de futuro. É verdade que a Guiné-Bissau ainda está muito longe em relação aos
outros. Por onde passámos durante a campanha vimos que o nosso país parece ter
parado no tempo. Mas estamos aqui para recuperar o tempo perdido. O Fórum serve
precisamente para isso: troca de impressões, partilha de ideias que possam
ajudar essencialmente os países africanos de expressão portuguesa. Vamos
aproveitar sobretudo a experiência daqueles que estão mais avançados, como
Angola, que, quer queiramos quer não, já deu um passo extremamente importante e
deve servir de exemplo. Seja em que sector for, antes de atacar, temos de vir
ouvir a experiência de Angola. Enquanto Presidente da República da Guiné-Bissau
vou dar o meu melhor e se tudo depender realmente de mim e da Guiné-Bissau,
garanto que o FORPALOP vai estar sempre lá em cima. Esse é o espírito que anima
a todos os chefes de Estado e de Governo que assinaram o documento constitutivo
do Fórum dos PALOP.
JA - Que lugar ocupa Angola na política externa da Guiné-Bissau?
JMV - Em termos estratégicos, Guiné-Bissau e Angola precisam apenas de
dinamizar um programa de cooperação que, na verdade, já existe. Acabo de chegar
à Presidência da República, preciso de mais algum tempo para conhecer todos os
dossiers. Depois disso, não tenho dúvida alguma de que Angola é um país
fundamental para o apoio que a Guiné-Bissau precisa. Esperamos poder contar com
Angola, sobretudo neste momento tão difícil para a Guiné-Bissau. Depois de
conhecermos os dossiers com certeza vamos ter uma posição mais clara
relativamente à cooperação entre a Guiné-Bissau e Angola.
JA - Com que impressão ficou de Angola durante esta visita?
JMV - Estou profundamente satisfeito e feliz por estar em Angola. Confesso
que vi coisas que não esperava ver. Coisas muito bonitas, muito simpáticas.
Quando um país africano, que tem a trajectória que Angola teve, começa a erguer-se
com toda esta força, dá vontade de dizer bem alto: sou africano e com muito
orgulho por ser da lusofonia e por ter estado em Angola.
JA - Qual a posição do seu país em relação à candidatura de Angola a membro não
permanente do Conselho de Segurança?
JMV - Nem era preciso perguntar. A Guiné-Bissau vai estar na primeira fila
a apoiar Angola nesta eleição. Esta eleição representa um orgulho para o
continente africano.
Perfil
José Mário Vaz é conhecido na sua aldeia natal, Calequisse, pelo nome de
Zeca Upa Caio, que significa “rapaz de Caio”, no dialecto manjaco. Nasceu de
uma família humilde na morança de Pdsea, que no dialecto manjaco significa “o
que fica abaixo”. Em Calequisse, pessoas que o conheceram na infância disseram
que jamais imaginaram que um dia o menino “Zeca Upa Caio” ia chegar ao
mais alto cargo do Estado guineense.
O filho de Mário Vaz e de Amélia
Gomes era tímido e mantinha-se sempre afastado dos colegas nas brincadeiras na
sua tabanca. Quem o diz é a colega de infância Maria da Costa, 59 anos. Não
foi daqueles filhos que se recusam a levantar de manhã cedo
para ir trabalhar com o pai.
O discurso de investidura que proferiu teve um momento intimista, no qual
dedicou o êxito da sua luta à mulher, Rosa, “amiga e companheira de sempre” e
“detentora” da sua felicidade, e aos filhos Herson, Acury e Ariana, a sua
“motivação e razão maior da esperança que o faz acreditar que os desafios valem
a pena”.
Como ministro das Finanças deixou marca. É recordado como extremamente exigente
no trabalho. Chegou a pedir aos funcionários das Alfândegas que arrecadassem
não apenas 100 por cento das receitas previstas, mas sim muito mais que isso,
150 ou 180 por cento. Também ganhou notoriedade por ter pago pontualmente os
salários da função pública, enquanto no plano externo concluiu o processo de
perdão da dívida pública guineense, contraída perante credores internacionais.
O pagamento a tempo aos servidores do Estado valeu-lhe a alcunha de “Homem de
25”, porque todos os dias 25 os salários eram pagos, impreterivelmente.Fim