França/Tarifas americanas: "Estratégia arriscada com consequências imprevisíveis"
Bissau, 10 Abr 25
(ANG) - Os Estados Unidos aplicaram na quarta-feira,, novos aumentos das taxas
aduaneiras sobre produtos provenientes de quase 60 países.
Em resposta a essa decisão, as bolsas de valores na Europa e na Ásia abriram em baixa. A guerra comercial iniciada por Donald Trump intensificou-se no sábado, quando o Presidente dos Estados Unidos impôs taxas aduaneiras a cerca de 100 países, incluindo grandes potências económicas, como a China e a União Europeia.
"A
estratégia é arriscada e pode ter consequências imprevisíveis", defende
o economista e professor na Universidade de Paris Dauphine, Carlos Vinhas
Pereira.
RFI: A guerra comercial iniciada por Donald
Trump marca o fim da globalização, a seu ver?
Carlos Vinhas Pereira: Acho
que não, não podemos dizer isso. Acho que é uma jogada do Presidente Trump, que
quer, como anunciou, ou seja, ele está simplesmente a fazer o que anunciou na
campanha das eleições. E está também, neste momento, a ver até onde os países
do mundo, sejam eles na Ásia, sejam na Europa, podem ir. Estamos a ver que,
aparentemente, há mais de 50 países que já pediram um encontro com os serviços
do Trump para poder negociar um a um. Ou seja, é ele que o diz: fazer uma
negociação sob medida, em função do país, em função do défice que um país tem
com o outro. E, a partir daí, vamos ver, dentro de poucos dias, o resultado
destas negociações, sabendo que, efectivamente, as bolsas têm que reagir e têm
que antecipar. Um dia estão em baixa, outro dia estavam a subir, hoje já estão
outra vez a baixar e, até se encontrar um equilíbrio, vai ser assim.
Já há consequências destas medidas. Até onde
é que pode ir Donald Trump?
As consequências é de algumas empresas
pararem completamente o negócio, as exportações para os Estados Unidos.
Portanto, são perdas de 10, 20, 30% do volume de negócio, directamente. Estas
são as consequências imediatas, consequências que estão a ser previstas. Há uma
baixa, efectivamente, na taxa de crescimento, tanto da Ásia como da Europa,
onde já se prevê uma baixa de 0,5% no crescimento, só impactado pelas medidas
do Trump.
E para os Estados Unidos?
Para os Estados Unidos também é um pouco
paradoxal. A estratégia, pelo menos do Trump, pelo menos foi o que ele
anunciou, vai ser complicada no início. Ou seja, pode efectivamente perder em
termos de taxa de crescimento e até haver uma subida da inflação, até ao
momento em que toda a parte da industrialização e da fabricação seja feita a
partir dos Estados Unidos. Ou seja, o objectivo dele é contrariar os
fornecedores que estão fora e encorajar as empresas americanas a integrar a
produção nos Estados Unidos, para poder criar empregos e, novamente, relançar a
taxa de crescimento no país.
Mas isso é uma aposta a médio ou longo prazo?
É uma aposta, efetivamente. O que é dito é
que, para poder industrializar novamente ou repatriar, são precisos entre cinco
e sete anos.
Esta política, a seu ver, é uma ruptura com
as políticas económicas liberais de Reagan e de Clinton, por exemplo, ou é uma
continuidade disfarçada?
Podemos dizer que é uma marca de fábrica do
Trump, que sempre pensou de uma maneira um pouco simplista: que bastava
aumentar os direitos aduaneiros para poder, pelo menos para já, angariar fundos
para os Estados Unidos. Isso é verdade. Eles vão angariar muitos fundos, e, a
partir daí, iriam compensar os défices. É verdade que os Estados Unidos, neste
momento, têm um défice que é um montante efectivamente muito importante. E eu
acho que, em vez de estar a impor este tipo de negociações, podia ter falado
antes e realmente não estar a alertar o mundo inteiro, a fazer panicar as
bolsas, onde nós sabemos que há até muitos amigos dele que estão em causa. Ou
seja, os grandes amigos do Trump perderam muitos biliões nestes dias por causa
dele. O que podemos dizer também é que há um factor positivo, mesmo assim: é a
baixa do petróleo, que vai permitir, até para nós todos no dia a dia, baixar o
custo da energia, mas também - e o que ele também diz - baixar o custo de
transporte.
Porque o petróleo não está sujeito ao aumento
destas tarifas?
Não está sujeito. Por isso é que o petróleo
está a baixar, porque vai haver um crescimento. Neste momento, as pessoas ou os
agentes económicos estão a prever esta baixa, porque os Estados Unidos também
vão despejar, podemos dizer, a energia deles. E, até agora, não se falou de
aplicar direitos aduaneiros ao gás americano, ao petróleo americano. Portanto,
estamos a beneficiar, entre aspas, desta medida, neste momento.
A China já contra respondeu às tarifas
norte-americanas com o aumento de taxas na ordem de 84%. Hoje, os Estados
Unidos aumentam também, mais uma vez, as taxas aos produtos e exportações
chinesas nem 104%. A Europa corre o risco também de enfrentar uma recessão
económica?
Sim. A Europa, neste momento, está a impor-se
um tempo de reflexão. Vocês já notaram que não houve aumento das taxas
relativamente ao Bourbon, que estava em causa num certo momento. Vão fazer uma
proposta, ou seja, vão fazer como os outros 50 países, de poder negociar. Não
um por um, porque a Europa quer negociar de uma maneira global, tirando a
Itália, que vai ser recebida hoje para poder negociar directamente com o Trump,
porque, aparentemente, dão-se bem.
Eu acho que, em termos de estratégia, devia
ser a Europa, na sua globalidade, e nos 500 milhões de consumidores que ela
representa, para poder ter um peso relativamente aos Estados Unidos. Porque, se
amanhã - e vai ser o caso - aumentarem os direitos sobre os computadores, os
telefones, tudo o que são redes sociais, isso pode ter uma consequência muito
importante. E a Europa tem um trunfo nas mãos, que pode utilizar ou não, em
função da reação do Trump.
E o que é que se pode esperar dos Estados
Unidos perante estas represálias de parceiros como a China e a União Europeia?
A China também tem um grande trunfo, que são
as chamadas terras raras. A China tem um monopólio em algumas terras raras, que
permitem a fabricação de telefones, material informático, alta tecnologia. E,
efectivamente, os 104% que estão, neste momento, em vigor com a China não fazem
sentido, porque seria o fim efectivo do comércio bilateral entre a China e os
Estados Unidos. O nosso amigo, entre aspas, Trump também decidiu ontem aumentar
as taxas sobre os pequenos pacotes. Está, nomeadamente, a visar as encomendas
que são feitas de produtos chineses a baixo custo, e ele quer efectivamente
aproveitar, ganhando dinheiro sobre estas entregas - que são em milhões e
milhares, dia após dia.
Eu acho que, entre a China e os Estados
Unidos, vai haver um entendimento, porque a China tem realmente matéria para
poder negociar. Agora, cada um deles está a mostrar os músculos. Isto faz parte
da diplomacia entre países e grandes potências, porque estamos a falar das duas
maiores potências do mundo. A meu ver, isto é realmente um pico, e, a partir
daí, só vai haver negociações e só taxas a baixar. Claro que haverá sempre um
montante que vai ficar, mas que poderá ser compensado nas margens das empresas.
E quem é que fica a ganhar?
Neste momento, quem fica a ganhar é o governo
americano, que vai diminuir o défice comercial. Tirando os Estados Unidos, os
outros países ficam relativamente penalizados nos produtos exportados para os
Estados Unidos. O consumidor final não fica a ganhar, porque vai pagar mais -
fora a parte energética. É melhor dizer quem é que vai ter que suportar os
custos: O custo vai ser suportado entre os consumidores finais, que somos nós,
e os intermediários, ou seja, os distribuidores, que vão baixar as margens.
Dou-lhe um exemplo: a margem sobre um iPhone
é de 47%. É a margem do iPhone, neste momento. Se amanhã impuserem uma taxa de
20%, ele pode muito bem ou diminuir a margem de 20%, ou repartir entre o custo
final e também absorver uma parte via margem. Ainda há muita margem antes de
chegar ao ponto de aplicar de forma matemática os montantes das taxas
directamente ao consumidor final. ANG/Lusa
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