EUA/"Para
os Estados Unidos de Donald Trump, África não é uma prioridade", diz Calton
Cadeado
Bissau,23 Jan 25(ANG) - Donald
Trump tomou posse como 47.º Presidente dos EUA, levantando incertezas quanto à
política externa, especialmente com o continente africano. No seu primeiro
mandato, Trump mostrou pouco interesse pelo continente africano. O docente da
Escola Superior de Relações Internacionais da Universidade Joaquim
Chissano, Calton Cadeado, acredita na manutenção do status quo nas
relações EUA-África e observa a saída dos EUA da OMS e do Acordo de Paris como
um reforço da postura unilateral de Donald Trump.
RFI: Donald Trump descreveu
o início da sua gestão como uma "era dourada", prometendo
apostar na prosperidade americana. Por outro lado, diversos líderes africanos
manifestaram interesse em fortalecer os laços com os EUA, destacando esperanças
em parcerias económicas e cooperação mútua. O que se pode esperar das
relações entre os Estados Unidos e o continente africano nos próximos quatro
anos?
Calton Cadeado: À
primeira vista, é esperar mais do mesmo. Não há grandes alterações. Uma grande
evidência disso é o número de convidados africanos que não estão presentes nos
eventos presidenciais. Isso já diz algo, porque a África nunca foi uma
prioridade para os Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump. Isso ficou
ainda mais explícito no passado, e não há muita expectativa de que isso venha a
mudar.
Em que medida a política de
Donald Trump pode travar o desenvolvimento e as relações entre os Estados
Unidos e a África?
Não vejo possibilidade de
travar as relações entre os Estados Unidos e a África. Vejo uma continuidade do
que já está em curso. Por isso digo: mais do mesmo. Há, por exemplo, algum
receio de que projectos como o corredor do Lobito, em Angola, sejam
interrompidos. Mas não acredito que os Estados Unidos abandonarão a política de
apoio a questões de saúde, por exemplo. Também não vejo os Estados Unidos a
desistirem de alargar a sua presença no continente africano por meio do
AFRICOM, algo que, apesar de difícil de concretizar, continua relevante. Além
disso, abandonar completamente o continente africano significaria abrir espaço
para a China e a Rússia, que estão activamente à procura de fortalecer as suas
influências.
Mas quando Donald Trump
anuncia a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), isso
terá inevitavelmente consequências à escala global, mas também para o continente
africano?
De facto, essa saída
simboliza um ataque ao multilateralismo, algo que já se esperava de Donald
Trump. No entanto, é importante considerar o lado bilateral das relações, que
ele provavelmente vai tentar manter. Sair completamente seria uma tragédia para
as ambições geopolíticas americanas. Por outro lado, Trump pode simplesmente
ignorar políticas que Joe Biden implementou e que foram bem recebidas em
África, como a defesa de uma maior presença africana no Conselho de Segurança
das Nações Unidas. Essa é uma questão que Donald Trump provavelmente não
discutirá, como já ficou evidente nos seus discursos. Outro aspecto importante
são as cimeiras entre os Estados Unidos e a África, cuja realização permanece
incerta. Mas, se não acontecerem, não será uma surpresa, pois já é o que se
espera de Donald Trump.
O que pode acontecer caso
essas cimeiras não se realizem nos próximos quatro anos?
Está claro que, para os
Estados Unidos sob Donald Trump, a África não é uma prioridade. A menos que
algo extraordinário aconteça no continente, Trump dificilmente gastará recursos
em iniciativas como as cimeiras EUA-África, especialmente se essas acções não
trouxerem benefícios económicos directos para os Estados Unidos.
Em que medida, China e
Rússia podem capitalizar um possível recuo dos Estados Unidos no continente
africano?
Quando Joe Biden fez a
visita histórica a Angola, no contexto do corredor do Lobito, muitos
interpretaram isso como um colapso da influência russa em África. Contudo, a
Rússia, devido à guerra na Ucrânia, enfrenta dificuldades económicas e
políticas que limitam a sua acção no continente. Já a China parece mais bem
posicionada para capitalizar qualquer recuo dos Estados Unidos. No entanto, é
difícil medir os resultados a curto prazo, pois são apenas quatro anos, e
mudanças significativas ou estratégicas não são esperadas nesse período.
Por que motivo disse que a
Rússia está a perder presença em África?
A guerra na Ucrânia tem
impactado severamente a economia russa, e já existem sinais claros de que o
país enfrenta desafios significativos. Isso lembra o colapso da URSS, que
também enfrentou dificuldades económicas semelhantes. Além disso, a Rússia está
cada vez mais focada em questões internas e em alianças estratégicas próximas
das suas fronteiras. O grande braço da política externa russa, o Grupo Wagner,
também se encontra fragilizado. Actualmente, parece que a Rússia está mais
preocupada em proteger a sua segurança interna do que expandir a sua influência
externa.
Donald Trump gerou
indignação ao usar termos depreciativos para se referir a países africanos.
Essa retórica ainda influencia a percepção e as relações diplomáticas?
As relações diplomáticas têm
um histórico importante. Em Moçambique, por exemplo, há uma percepção de que as
relações com os republicanos sempre foram boas, ao contrário dos democratas.
Contudo, a retórica de Trump reforça a desconfiança e o cepticismo em relação à
hegemonia americana. Essa visão é amplificada pelo nacionalismo de Donald
Trump, que prioriza abertamente os interesses dos Estados Unidos, mesmo que
isso prejudique outros países.
Acredita que a OMS pode
sobreviver à saída dos Estados Unidos?
Esse é um grande teste para
a OMS, que sempre dependeu muito dos Estados Unidos como maior contribuinte. A
organização precisará de procurar recursos de potências emergentes, mas isso
tem um custo elevado. A China, por exemplo, está mais focada em ganhar dinheiro
do que assumir a liderança mundial.
Como interpreta a saída dos
EUA do Acordo de Paris? E de que forma os países africanos podem defender seus
interesses climáticos?
A saída de Trump do Acordo de Paris era previsível, dada a sua coerência em priorizar os interesses americanos. Para países africanos como Moçambique, isso representa um desafio para se reinventar e procurar parcerias alternativas. É uma oportunidade de reduzir a dependência excessiva dos Estados Unidos e de encontrar soluções internas para lidar com problemas climáticos.ANG/RFI
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