Médio Oriente/Mobilização sem precedentes” na Flotilha Humanitária rumo a Gaza
Bissau, 28 Ago 25 (ANG) - Esta semana,
vai partir para a Faixa de Gaza uma Flotilha Humanitária com ajuda para a
população palestiniana, transportada em dezenas de barcos que vão tentar
quebrar o cerco israelita.
Esta é uma missão que junta dezenas de embarcações e delegações
de mais de 40 países. O objectivo é levar ajuda humanitária para a Faixa de Gaza
e tentar quebrar o cerco israelita que impede a chegada de alimentação e
medicamentos. A ONU alertou, na semana passada, que mais de meio milhão de
pessoas em Gaza estão a passar fome.
Três portugueses integram a Flotilha Humanitária: o activista
Miguel Duarte, experiente em missões de resgate de pessoas no Mar Mediterrâneo,
a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua e a actriz Sofia Aparício.
Em entrevista à RFI, Miguel Duarte disse que se está num “momento histórico”,
que esta “é uma
mobilização sem precedentes” e “a maior tentativa de sempre para
desafiar o bloqueio ilegal sobre o povo palestiniano em Gaza”.
Já houve outras frotas rumo a Gaza, mas a maior parte foi interceptada pelo
exército israelita. Foi o caso, a 8 de Junho, com o navio Madleen, mas também com o
navio Handala,
a 27 de Julho. Por outro lado, no início de Maio, activistas que
transportavam ajuda humanitária para Gaza foram atacados ao largo de Malta, em
águas internacionais, e acusaram Israel.
Graças à escala da missão, com delegações de mais de 40 países e
dezenas de barcos que levam medicamentos e comida, o activista acredita que a
atenção internacional possa impedir que o exército israelita trave a flotilha
humanitária, pelo que tem esperança que a ajuda chegue realmente a Gaza.
Miguel Duarte acrescenta que informou o Ministério dos Negócios
Estrangeiros e que este tem “a
responsabilidade moral de garantir a segurança” da tripulação
e da ajuda humanitária. Por outro lado, o activista considera que Portugal
deveria avançar com um corte de relações diplomáticas e comerciais com Israel,
aplicar sanções e acabar com contratos com empresas de armamento israelitas.
Experiente em missões de resgate de migrantes no mar
Mediterrâneo, Miguel Duarte diz que o que o leva a Gaza é o mesmo que o levou
ao Mediterrâneo: a necessidade das pessoas. Nesse sentido, acredita que “é preciso que a sociedade civil se
levante”, senão “ninguém o fará”.
Miguel Duarte: “É a maior tentativa de
sempre para desafiar bloqueio ilegal sobre o povo palestiniano em Gaza”
RFI: Qual é o objectivo desta missão?
Miguel Duarte, activista: “O objectivo desta missão é trazer ajuda
humanitária para Gaza. Neste momento, há um bloqueio ilegal por parte das
forças israelitas imposto sobre o povo de Gaza. Sabemos todos que está a
decorrer um genocídio e uma fome imposta pelas forças israelitas ao povo de
Gaza. O objectivo desta missão, como de tantas outras anteriores, é o de
desafiar este bloqueio ilegal e trazer esta ajuda humanitária que é tão
necessária e tão urgente para estas pessoas.”
O que é que diferencia esta missão das
anteriores?
“A principal diferença é a escala. Ou
seja, já existem missões deste género desde 2008, se não estou em erro. Já
muitos barcos e navios tentaram desafiar este cerco. Algumas conseguiram, mas a
maior parte, a esmagadora maioria das flotilhas foram bloqueadas e ilegalmente
capturadas pelo exército israelita. O que diferencia esta é a escala. Neste
momento, estão a ser organizadas delegações de mais de 40 países em dezenas de
barcos, portanto, certamente, pelo menos centenas de pessoas vão estar
envolvidas. Vão partir barcos de vários pontos da Europa. Eu, neste momento,
estou em Barcelona e a minha delegação vai partir daqui. Só de Barcelona vão
partir mais de 30 barcos e, portanto, a atenção sobre esta missão espera-se que
seja a maior de sempre e é a maior tentativa de sempre para desafiar este
bloqueio ilegal sobre o povo palestiniano em Gaza.”
Houve várias frotas que até agora
falharam, que não conseguiram chegar a Gaza e levar a ajuda. A última delas,
por exemplo, foi interceptada pelo exército israelita a 27 de julho. Quais são
as perspectivas que tem para esta missão e como é que a encara? Não tem medo de
ser detido e deportado?
“Medo tenho, acho que todos temos, na
verdade, porque basta olhar para a história recente deste movimento e vemos
rapidamente várias intercepções por parte das forças israelitas que foram
extremamente violentas. Em 2008, um barco das forças israelitas foi arremessado
contra uma das flotilhas. Em 2010, dez membros da tripulação foram assassinados
pelas forças israelitas e, ainda este ano, dois drones bombardearam um dos
navios. Portanto, os riscos são altos. Ou seja, nós estamos aqui não é porque
não temos medo, porque certamente temos e os riscos existem, estamos aqui porque
é necessário e porque é absolutamente fundamental que a sociedade civil esteja
em solidariedade, a sociedade civil global, em solidariedade com o povo da
Palestina. No entanto, tenho esperança que esta missão tenha sucesso
precisamente porque é uma mobilização sem precedentes. Ou seja, eu diria que
estamos num momento histórico no que toca a este movimento e as centenas de
pessoas que estão envolvidas directamente - que estão aqui neste momento ou que
estão a embarcar noutros sítios da Europa e do Norte de África - estão longe de
ser o movimento, ou seja, o movimento consiste em milhares e milhares e
milhares de pessoas pelo mundo inteiro que se estão a mobilizar não só para
organizar a partida destes barcos específicos, mas a organizar-se para mobilizar
manifestações, boicotes e outros tipos de acções que ponham tanta pressão
quanto possível sobre as forças israelitas. Portanto, tenho esperança que isto
tenha sucesso.”
É com essa mobilização mundial e a força
do número de participantes que pretendem quebrar o cerco de Israel sobre Gaza?
Como é que tencionam quebrar esse cerco?
“A tentativa ou o que vamos tentar fazer
é levar dezenas e dezenas de barcos e trazer muita atenção sobre estes barcos,
portanto, quanto mais olhos melhor, pelo mundo fora, para que seja tão difícil
quanto possível para as forças israelitas fazerem uma intercepção ilegal e
violenta destes tripulantes. É isso que vamos tentar. Tenho a sensação que
vamos conseguir, havemos de chegar a Gaza e havemos de entregar esta ajuda
humanitária.”
Que ajuda levam nas dezenas de barcos?
“São bens de primeira necessidade que
consideramos serem as coisas mais urgentes. Certamente o povo palestiniano de
Gaza precisa de muito mais do que aquilo que nós conseguimos trazer, mas aquilo
que consideramos mais urgente são essencialmente medicamentos e comida. Todas
estas coisas não conseguem entrar em Gaza neste momento, portanto, as
necessidades são absolutas e é isso que vamos trazer essencialmente.”
Mais a mensagem, não é?
“Mais a mensagem, absolutamente, sim.
Precisamos de mobilizações pelo mundo inteiro. Precisamos de apoio não só para
a nossa própria protecção e para a protecção da ajuda humanitária, mas porque o
objectivo desta missão desafiar o cerco, é acabar com o cerco, é acabar com o
genocídio, acabar com a fome, acabar com a ocupação e libertar o povo de Gaza.”
O facto de ser uma missão tão falada,
com uma tão grande dimensão, por outro lado, não poderá criar expectativas na
população de Gaza que possam sair goradas? De certa forma, não poderá ainda ser
mais doloroso para os palestinianos que estão à vossa espera, se vocês não
conseguirem?
“Eu não excluo essa hipótese, mas nós e
os palestinianos não somos simplesmente grupos separados. Existem muitos
palestinianos envolvidos nesta acção. Isto é feito em solidariedade e em
conjunto com o movimento de pessoas palestinianas que lutam todos os dias, há
muitos anos, pela libertação do povo palestiniano. Acho que as pessoas na
Palestina compreendem certamente que isto é mais uma demonstração de
solidariedade e que é uma luta contra uma força que é muito maior do que nós,
que é um poder colonial e que tem por trás de si o maior exército da história
da humanidade, que é o exército dos Estados Unidos. Portanto, as dificuldades são
muitas e acho que todas as pessoas palestinianas compreendem isso. Mas se as
nossas acções contribuírem para restaurar algum tipo de esperança, nem que seja
um bocadinho, ao povo palestiniano, então penso que isso seja uma coisa boa.”
Informaram o Governo português sobre a
vossa missão? Se sim, o que é que esperam que ele faça?
“Informámos sim. Informámos o Ministério
dos Negócios Estrangeiros e ainda não obtive uma resposta. O que é que
esperamos? Acho que vou responder a essa pergunta em dois níveis: um imediato e
pessoal. Acho que o Ministério dos Negócios Estrangeiros e, mais em geral, o
Estado português tem a responsabilidade moral de garantir a nossa segurança,
dos tripulantes, bem como a segurança da ajuda humanitária que é absolutamente
urgente que chegue a Gaza. De uma forma mais abrangente, era preciso que o
Estado português fizesse aquilo que já devia ter feito há muito tempo. É
preciso frisar que não é um problema deste Governo, é um problema de sucessivos
governos portugueses. É absolutamente urgente fazer um corte de relações
diplomáticas e comerciais com Israel, é preciso aplicar sanções e é preciso
acabar absolutamente com contratos vergonhosos que as Forças Armadas
portuguesas têm com empresas de armamento israelitas que estão neste momento a
conduzir o genocídio em Gaza. Tudo isto se fosse ontem, já era tarde.”
O Miguel Duarte já tem um histórico de
participação em navios de missões humanitárias, nomeadamente no resgate de
migrantes no Mediterrâneo. Chegou a ser indiciado pelo crime de auxílio à
emigração ilegal por tentar salvar vidas. Agora arrisca-se numa nova missão. O
que é que o move e como é que olha para a forma como a comunidade
internacional, nomeadamente a parte política, está a lidar com o que se passa
em Gaza?
“O que me traz a Gaza ou que me traz a esta missão foi o que me trouxe ao Mediterrâneo tantas vezes. A necessidade é enorme. Os nossos Estados não nos representam, portanto, aquilo que está a acontecer no Mediterrâneo hoje em dia é da mesma escala do que está a acontecer em Gaza. Já morreram mais de 30.000 pessoas no Mediterrâneo nos últimos dez anos. Já morreram outras dezenas de milhares de pessoas em Gaza ao longo dos últimos anos. E os Estados são os mesmos, as forças politicas são as mesmas e é preciso, por causa desta absoluta violência por parte dos Estados, nomeadamente ocidentais, europeus, Israel e os Estados Unidos, é preciso que a sociedade civil se levante, porque se nós não o fizermos, ninguém o fará. Eu, em particular, tenho experiência no mar e, portanto, sei estar num navio e tenho algum conhecimento sobre este tipo de missão. Pensei que estava numa posição privilegiada para fazer alguma coisa e aceitei o convite de me juntar a esta flotilha. É por isso que sinto que este é o meu lugar aqui. Mais uma vez, não é porque não existam riscos ou porque não acredito neles. É porque a necessidade é enorme."ANG/RFI

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