sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Alemanha/Eleitores se preparam para eleições disputadas, com imigração a ser assunto número um

Bissau, 21 Fev 25 (ANG) - Um pouco mais de 59 milhões de eleitores vão ser chamados às urnas na Alemanha ,no domingo, no quadro de legislativas antecipadas provocadas pela crise que se instalou na coligação governativa.

No âmbito deste sufrágio indirecto devem ser renovados os 630 assentos do Bundestag, a câmara baixa do parlamento, mas deve igualmente ser escolhido o novo chefe do executivo.

Para este cargo concorrem sete candidatos, nomeadamente o chanceler cessante, o social-democrata (SPD), Olaf Scholz, creditado com 15% de intenções de voto, o conservador da coligação CDU-CSU, Friedrich Merz, considerado o grande favorito, com uns 30% de intenções de voto, ou ainda Alice Weidel, líder da extrema-direita da AFD, creditada com cerca de 20% de intenções de voto.

Apesar de analistas considerarem que esta última tem poucas possibilidades -para já- de chegar ao poder, dado o seu lugar nas sondagens e também o "cordão sanitário" estabelecido pelas diversas forças políticas alemãs para não entrar em qualquer coligação com a sua formação, o facto é que os chavões da extrema-direita alimentaram o debate durante a campanha eleitoral, ou seja a gestão das fronteiras e dos fluxos migratórios.

Este assunto dominou tanto mais a actualidade que ainda na semana passada o ataque cometido por um jovem imigrante que lançou o seu veículo contra uma multidão em Munique, ferindo 39 pessoas entre as quais duas acabaram por morrer, relançou a habitual associação feita pela extrema-direita entre a imigração e a insegurança. Isto sem contar com o apoio dado pela própria administração Trump a Alice Weidel.

O contexto político-diplomático minado pelo conflito na Ucrânia, a economia em estagnação e o sector energético à procura de um novo fôlego, foram igualmente abordados na campanha eleitoral que hoje termina, refere Domingos Luvumbo, dirigente associativo angolano em Munique, que diz não ter dúvidas de que o campo conservador de Merz vai vencer no domingo.

RFI: Que balanço faz da campanha eleitoral?

Domingos Luvumbo: São eleições muito disputadas. Mas a não ser que haja um milagre capaz de impedir a vitória do Friedrich Merz, eu diria que o resultado está feito, que domingo Friedrich Merz será declarado o vencedor destas eleições. Tudo leva a crer isso, porque neste momento vai à frente com mais de 30% nas intenções de voto, contra 20% da extrema-direita, que não passará, com certeza, mas que será a segunda força política na Alemanha, apesar de nenhuma outra força política aceitar coligar-se com este partido político. E tenho esta crença porque o tema número um destas legislativas foi a imigração. A CDU-CSU é a única coligação que pode impedir a extrema-direita alemã de ter mais pontos percentuais. Defende medidas radicais quanto à entrada de refugiados na República Federal da Alemanha. Defende um controlo mais apertado das fronteiras. E quanto à Guerra da Ucrânia, também diz que os europeus em geral e em particular os alemães, têm que fazer tudo para que o Vladimir Putin não ganhe a guerra na Ucrânia. E os alemães também estão de acordo com este tema. No domínio doméstico, defendem medidas muito duras quanto às pessoas que recebem ajuda social do Estado. E nesses temas todos (Merz) saiu-se muito bem. E tudo isto leva-me a crer que dificilmente um outro concorrente venha a posicionar-se à frente dele.

RFI: Estava a mencionar há pouco que a questão da imigração foi um dos temas dominantes desta campanha. É um tema importante para os alemães?

Domingos Luvumbo: Muito importante, porque os alemães, até um certo ponto, começaram a sentir-se ameaçados. Só para ter uma ideia, entraram na República Federal da Alemanha perto de 1 milhão de sírios, vieram centenas de milhares de afegãos. Para além dos alemães precisarem, como quase em toda a Europa, de mão-de-obra, a imigração traz os seus problemas. Penso que tem acompanhado o que tem acontecido aqui na Alemanha. Muitos atentados ainda recentemente. Dez dias antes das eleições, que serão domingo, houve mais um atentado em que um jovem afegão de 24 anos de idade pegou numa viatura e foi contra uma multidão. Atropelou muita gente. Infelizmente, uma criança, creio que de dois anos de idade, e a sua mãe, pouco depois, acabariam por perder a vida. E isto veio agravar o problema da imigração, que deve ser controlado. Precisa-se de mão-de-obra, sobretudo mão-de-obra qualificada, mas também deve ser evitada a entrada anárquica de refugiados que hoje são chamados imigrantes ilegais provenientes destes países, sobretudo Síria e Afeganistão. E, sobretudo, quando estes imigrantes passam por um outro território europeu antes de chegarem à Alemanha. É por isso que esse tema foi muito discutido e os alemães pretendem reativar a convenção de Dublin, creio de 1997, que diz que o requerente de asilo deve fazer a declaração e o processo dele a ser analisado no primeiro território europeu onde chegar. E os alemães têm tido esses problemas. Penso que é o país da União Europeia que mais fronteiras tem: com nove países. Então muitas vezes, tentam expulsar pessoas que transitaram em território búlgaro, território austríaco, território francês, holandês ou de um outro país. E estes países não aceitam receber estes refugiados ou requerentes de asilo em desrespeito ao acordo assinado em 1997. E Friedrich Merz, que é o candidato considerado praticamente vencedor, garantiu aos alemães que se ele for eleito, logo no dia a seguir, uma expressão mais ou menos como a do Donald Trump, logo no primeiro dia da sua governação, mandará os agentes da polícia estarem presentes em todas as fronteiras para tentar impedir que indivíduos que tenham transitado num outro território europeu venham à Alemanha. Ele também disse que mandaria construir Centros onde ficariam até serem repatriados, porque neste momento existem milhares de refugiados ou requerentes de asilo político, sobretudo provenientes da Síria e do Afeganistão, cujos pedidos foram recusados, mas que o governo actual nunca teve a capacidade de expulsar.

RFI: Para além da questão da imigração, o que também esteve no centro das atenções nesta campanha, foi a questão da economia alemã, que neste momento está a conhecer algumas dificuldades, nomeadamente no sector do automóvel que está em estagnação. Como é que isto foi abordado durante a campanha?

Domingos Luvumbo: Esta questão também foi muito abordada. Este problema começou com as empresas que fazem produção na República Popular da China e a União Europeia aplicou sanções contra a República Popular da China, que tenta inundar com as suas viaturas, a sua produção, no espaço da União Europeia. Agora, o problema é que há empresas alemãs como BMW e tantas outras que produzem, por exemplo, na República Popular da China e aí as medidas da União Europeia ou a posição francesa e outros países que querem impedir que a China venha inundar o mercado europeu, ali não fazem excepção. E depois vem a questão novamente de mão-de-obra. Há, neste preciso momento, quase em todo o mundo, a indústria automobilística quase que está em crise. A própria mão-de-obra também, porque os alemães, quando se fala de mão-de-obra especializada, precisam muito de engenheiros. Portanto, a questão económica foi muito discutida. Os da extrema-direita e o da esquerda culpam o próprio governo e o executivo (anterior) de Angela Merkel, dizendo que bruscamente a economia alemã entrou em recessão. A economia alemã começou a ter muitos problemas porque a energia tornou-se muito cara. É isto que os Verdes diziam, que nós já vínhamos chamando a atenção aos sucessivos governos da CDU, para que a República Federal da Alemanha evitasse a dependência russa que bruscamente, devido ao conflito com a Ucrânia, ao fecharem-se as torneiras, o preço energético na República Federal da Alemanha ficou muito caro. E depois a própria política que hoje o Donald Trump ameaça aplicar com as tarifas alfandegárias, considera-se que é uma política face à qual os alemães deviam ter-se preparado muito antes. Sobretudo hoje, no ramo energético, tem que se fazer tudo. Neste sentido, o provável vencedor destas eleições (Friedrich Merz) está a falar de reabertura, por exemplo, de energia nuclear, uma coisa que já tinha sido eliminada na República Federal da Alemanha, mas que ele pretende reintroduzir como forma de atenuar a carência energética, porque diz sempre que a Alemanha é um dos países mais caros em matéria energética.

RFI: Relativamente ao apoio que foi dado pela administração Trump, mais concretamente o Elon Musk, ao partido de extrema direita AFD, qual foi o impacto que isso teve na campanha?

Domingos Luvumbo: Numa primeira fase, pensava-se que poderia ter um grande impacto, mas não teve, porque os alemães são bem informados. A maioria dos alemães é da opinião que é uma ingerência interna que não se pode permitir. O facto de Elon Musk ter os biliões de dólares que tem, não lhe dá o direito de se imiscuir directamente nos assuntos internos da Alemanha. Aliás, durante a conferência da segurança aqui em Munique, os representantes dos Estados Unidos da América, o vice-presidente e o secretário de Estado norte-americano voltaram a dar apoio à extrema-direita, acusando não só os alemães, mas os europeus de não respeitarem as regras democráticas por terem aberto de uma forma anárquica as fronteiras, à mesma moda da campanha do Donald Trump. É que eles sabem também que aqui na República Federal da Alemanha, a campanha número um da extrema-direita é a imigração. Porque eles sabem que neste campo a extrema-direita poderia pontuar e tem estado de facto a pontuar. Para eles, os imigrantes deviam ter vindo dos países da Europa do Leste, porque eles gostariam aqui pessoas da raça branca, que dizem que têm a mesma cultura. São cristãos como eles, e não indivíduos que vêm, por exemplo, do Afeganistão, da Síria ou mesmo de alguns países africanos. Esta questão foi a questão central da extrema-direita e eles chegaram ali onde chegaram, agarrando-se precisamente neste ponto.ANG/RFI

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