quarta-feira, 30 de março de 2022

      Amnistia Internacional/ "Não há liberdade de expressão em Angola"

 Bissau, 30 mar 22 (ANG) - O último relatório anual da Amnistia Internacional (AI) foi divulgado na terça-feira e denuncia as desigualdades e a violação dos direitos humanos um pouco por todo o mundo. 

No que diz respeito à África lusófona, a Amnistia Internacional está preocupada com a repressão em Angola e também com questões relacionadas com a seca e a vida das populações. 

Já em Moçambique, as temáticas mais preocupantes são os crimes de guerra, a violência contra as mulheres e a liberdade de expressão.

A situação em Cabo Delgado é vista por esta ONG como a "mais crítica no país", devido a graves violações dos direitos humanos. Para além disso, a Amnistia Internacional defende que as autoridades lidaram mal com a crise humanitária nesta província, localizada no extremo norte de Moçambique.

Pedro Neto, director executivo da Amnistia Internacional de Portugal, começou por evidenciar o facto da situação em Cabo Delgado ser representativa da repressão à liberdade de expressão e à redução do espaço cívico.

"A situação de Cabo Delgado foi muito sintomática disto que é a repressão à liberdade de expressão e à redução do espaço cívico", começou por referir Pedro Neto, evidenciando que a situação nesta região "não é nova".

"Durante vários anos, a Amnistia Internacional, alguns jornalistas e outras ONG's denunciaram o que se estava a passar em Cabo Delgado e o governo moçambicano estava focado em descredibilizar/ desmentir estas organizações. Houve até jornalistas que foram presos por causa do seu trabalho naquela região e isto atrasou a resolução de problemas", recordou o director executivo da Amnistia Internacional.

Para além das questões de segurança em Cabo Delgado, "também houve crimes de guerra cometidos pelo próprio exército moçambicano, por uma empresa militar privada ao serviço de Moçambique e pelo grupo conhecido por Al-Shebab", acrescentou o responsável.

Pedro Neto deu depois o exemplo de vários crimes de guerra cometidos nesta região moçambicana, como é o caso de "ataques indiscriminados a civis, raptos, violações ou tortura de civis com o objectivo de obter confissões sobre o local onde estavam os rebeldes".

Depois, houve relatos, que estão espelhados num outro relatório da Amnistia Internacional, sobre a má conduta de uma empresa militar privada da África do Sul, que foi tratada pelo governo moçambicano como força de reacção rápida, e que "disparou muitas vezes metralhadoras ou explosivos de helicópteros, de forma indiscriminada, muitas vezses sem distinguir civis e alvos militares".

A violência contra mulheres e raparigas em Moçambique é outro dos temas que preocupa a Amnistia Internacional, que refere, citando fontes e organizações locais, que "esta foi agravada durante o período das restrições".

"Nós vimos que a violência contra mulheres e raparigas continuou a um ritmo descontrolado e sem medidas de justiça que responsabilizassem os culpados e, portanto, esta violência já existia antes da Covid-19, mas continuou e, muitas vezes agravou-se", explicou o director da Amnistia Internacional.

Um dos exemplos mais recentes prende-se com uma rede de exploração sexual de reclusas, por parte de guardas, numa cadeia em Maputo.

"Tivemos evidências de que guardas prisionais criaram um esquema elaborado de abuso e de exploração sexual de reclusas", reiterou, dando depois outros exemplos de violência, como é o caso da violência doméstica.

Em Angola, a Amnistia acusa as forças de segurança angolanas de cometeram graves violações dos direitos humanos, incluindo dezenas de execuções ilegais, com recurso à força excessiva e desnecessária.

"Nós, durante o ano de 2021, verificámos que em Angola continuou a haver repressão pública à liberdade de expressão e ao direito de manifestação e continuaram a haver assassinatos ilegais e que recorreram a força desnecessária e excessiva", disse Pedro Neto.

O director-executivo desta ONG falou ainda sobre episódios de repressão que são levados a cabo, por exemplo, quer em Luanda, quer em Cabinda.

"As manifestações nem sequer chegam a acontecer porque assim que as pessoas chegam à rua já estão a ser espancadas e detidas", exemplificou.

Pedro Neto criticou depois a inacção do governo perante a situação de extrema pobreza em que vivem milhares de pessoas, em Angola.

"Temos pessoas a morrer à fome por falta de ajuda do governo e mais, por acção directa do governo, que privou muitas pessoas, principalmente no sul de Angola, de acesso a terras comunitárias, entregando-as a fazendas privadas e comerciais", explicou, referindo que muitas vezes os donos destas fazendas têm ligação ao governo.

Pedro Neto foi mesmo peremptório relativamente a este assunto: "Há gente a morrer à fome por causa da acção directa e da falta de apoio do governo".

No que diz respeito à liberdade de expressão, “os ataques à liberdade de imprensa continuaram, ao mesmo tempo que as autoridades suspenderam as licenças dos canais de televisão privados”, recordou a Amnistia.

A RFI questionou depois Pedro Neto se a liberdade de expressão está em risco em Angola e noutros países lusófonos.

"A liberdade de expressão não está em risco. Não há liberdade de expressão em Angola. Todas as pessoas, todos os movimentos que se manifestam publicamente são reprimidos", apontou o director da Amnistia Internacional, dando mesmo o exemplo de pessoas que foram presas ou mortas.

Por seu turno, as alterações climáticas também preocupam a Amnistia Internacional, uma vez que estas serão um factor de agravamento das condições já difíceis que as populações enfrentam diariamente no país.ANG/RFI

 

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