Direitos Humanos/Ordem mundial está "à beira da ruptura", diz Amnistia Internacional
Bissau, 25 Abr 24 (ANG) - A Amnistia Internacional divulgou nesta quarta-feira o seu novo relatório anual sobre a situação dos Direitos Humanos no mundo durante estes últimos meses.
Neste documento, a Amnistia considera que a ordem
mundial estabelecida depois da segunda guerra mundial está "à beira da
ruptura" e denuncia violações massivas dos Direitos Humanos no Médio
Oriente, na Ucrânia, na Rússia, no Myanmar, na China, no Sudão e na Etiópia
designadamente.
A ordem mundial construída após 1945
está "à beira da ruptura", este foi um dos alertas
feitos hoje pela Amnistia Internacional ao apresentar o relatório sobre
a situação dos Direitos Humanos em 2023 a nível mundial. "Tudo
o que vimos nos últimos 12 meses mostra que o sistema internacional está à
beira da ruptura", constata Agnès Callamard, secretária geral da
ONG de defesa dos Direitos do Homem.
No mesmo sentido, Pedro Neto, secretário
executivo da Amnistia Internacional em Portugal, refere que "o
sistema de justiça internacional começa a falhar porque não tem sequência, isto
é, há um mandato de captura do Tribunal Penal Internacional para com os
senhores da guerra na invasão à Ucrânia, a crimes contra a humanidade e crimes
de guerra que estão a ser cometidos e não vemos a justiça a acontecer na Faixa
de Gaza, por exemplo".
Com efeito, ao denunciar neste relatório "os
crimes monstruosos perpetrados pelo Hamas a 7 de Outubro", a
Amnistia não deixa igualmente de acusar Israel de se ter lançado em seguida
numa "campanha de retaliação que se transformou numa expedição
punitiva contra toda uma população" em Gaza. Uma situação
perante a qual esta entidade destaca que "nos últimos seis
meses, os Estados Unidos protegeram as autoridades israelitas de qualquer exame
cuidadoso das múltiplas violações cometidas em Gaza" ao "utilizar
o seu veto contra um cessar-fogo indispensável, esvaziando de qualquer sentido
o Conselho de Segurança".
A Amnistia não deixa igualmente de
apontar um dedo acusador contra "actores poderosos" como
a Rússia e a China que "manifestam a sua vontade de pôr em
perigo a integralidade das regras de 1948". Neste sentido, a ONG
evoca "as violações flagrantes por parte das forças russas
durante a invasão em grande escala da Ucrânia, e o uso de tortura e outros
maus-tratos contra prisioneiros de guerra". Noutro aspecto, ao "proteger
o exército do Myanmar", fechando os olhos perante os ataques
contra a população em plena guerra civil, a China também age contra o direito
internacional, acusa a Amnistia.
Esta entidade aborda igualmente os
conflitos que não têm merecido tanta atenção a nível internacional,
nomeadamente a Síria e o Sudão. "Há também guerras que são
persistentes e continuam e até são pouco faladas, como na Síria, no Iémen, no
Sudão, entre outras realidades. E nada vai acontecendo. Também estamos a ver
retrocessos de forma global. Quanto à justiça de género, estamos a ver que nos
próprios conflitos armados, os civis são tratados como dispensáveis e como
meros danos colaterais. Não havendo respeito pelas Convenções de Genebra na
protecção aos civis, estamos também a perceber que está a haver um impacto
desproporcionado nas crises económicas, nas alterações climáticas, na
degradação ambiental, sempre junto das comunidades mais marginalizadas e mais
pobres", sublinha Pedro Neto.
No seu relatório, a Amnistia também dá
conta de alguma preocupação perante o uso das novas tecnologias para restringir
as liberdades fundamentais. "Estamos a ver que aquilo que é o
desenvolvimento das tecnologias podem ter um impacto muito positivo para a
humanidade. Estão a ser não como algo positivo, mas como armas a
apresentarem-se como ameaças que até podem pôr em causa a democracia. E por
essa perspectiva, estamos muito preocupados com o caminho que o mundo está a
trilhar neste momento, que nos traz alguma preocupação", diz
Pedro Neto, dirigente da Amnistia Internacional em Portugal.
Este é precisamente o fenómeno observado
em França pela Amnistia Internacional. Para além de constatar um "aumento
dos discursos de ódio descomplexado", o relatório anual destaca as "restrições
excessivas" ao direito de manifestação bem como a introdução
de vigilância algorítmica a título "experimental" no
âmbito do dispositivo de segurança dos Jogos Olímpicos de Paris em Julho e
Agosto. Um dispositivo que a seu ver corre o risco de alargar "de
forma excessiva os poderes da polícia, alargando permanentemente o arsenal dos
equipamentos de vigilância".
Neste aspecto, a ONG de defesa dos
Direitos Humanos dá conta da sua preocupação perante abusos das forças da
ordem. Em manifestações, a polícia recorreu de forma "abusiva à
força na manutenção da ordem", tendo havido "dispersões
violentas e espancamentos indiscriminados", acusa a Amnistia
Internacional estimando que "há uma negação que permanece muito
forte sobre a questão das discriminações sistémicas pelas forças da
ordem".
Neste quadro, a África Lusófona não é
excepção, refere Pedro Neto, da Amnistia Internacional em Portugal, que destaca
nomeadamente abusos das forças da ordem, restrições à liberdade de expressão da
sociedade civil e dos jornalistas em alguns países africanos de língua
portuguesa.
"Nos 50 anos de Abril e nos 50 anos
das independências que acontecem mais ano menos ano por agora. Estamos a ver
uma situação com muita, muita preocupação em vários países. Eu destaco Angola,
onde neste momento há prisioneiros de consciência. Há pessoas que estão presas
porque o seu crime foi apenas a sua liberdade de expressão e liberdade de
manifestação ser condicionada. E isto acontece de forma especial em Cabinda,
mas também nas outras províncias. A Amnistia Internacional está neste momento a
fazer uma campanha por vários activistas que foram presos e estão presos neste
momento porque não fizeram outra coisa senão expressarem-se livremente", refere o activista.
"Em Moçambique as tensões
continuam. No caso de Cabo Delgado, mais especificamente, quando vai havendo
impunidade das forças que por ali andam, onde há restrições severas à liberdade
de expressão", refere Pedro Neto
que ao aludir à situação da Guiné-Bissau refere que apesar de este país não
figurar no relatório, "não lhe é desconhecida a situação de
Direitos Humanos e a forte repressão aos jornalistas e toda a situação também
de pobreza e de repressão dos direitos civis e políticos que se vive naquele
país".
Acerca de São Tomé e Príncipe, "há
alguma preocupação, houve tumultos nos últimos anos, houve mortes que continuam
por explicar na sequência da alegada tentativa de golpe de Estado. Tudo
continua muito por esclarecer", considera Pedro Neto que ao aludir
à situação de Cabo Verde refere que "há muitas questões que é
preciso melhorar. A igualdade de género, questões como violência doméstica,
questões como a pobreza, questões como até a liberdade de jornalistas".
A publicação do relatório anual da
Amnistia Internacional coincide com a divulgação de outro documento também
alusivo aos Direitos Humanos elaborado pelo Departamento de Estado Americano.
Neste relatório, o executivo americano menciona nomeadamente a situação em
Angola. “Não se registaram alterações significativas na situação dos
Direitos Humanos em Angola durante o ano”, resume do Departamento de
Estado que além de falar de maus-tratos por parte do Governo angolano também
identifica “entre os problemas significativos”, a dureza das
condições de detenção, que classifica como “potencialmente fatais”,
a existência de presos políticos e “restrições graves à liberdade de
expressão e à liberdade dos meios de comunicação social”.
No caso de Moçambique, este relatório
observa “vários incidentes de violência séria e intimidação” nas
eleições autárquicas de 2023. Para além de denunciar um assédio à comunicação
social no âmbito da cobertura daquelas eleições, o Departamento de Estado
refere que “Moçambique experienciou vários incidentes de violência
séria e intimidação relacionados às eleições autárquicas em Outubro. Isso
incluiu reacções violentas da polícia a protestos de apoiantes da oposição,
enfurecidos devido a relatos credíveis de má conduta eleitoral”.
Quanto à Guiné-Bissau, Washington refere
que o país continuou a registar, em 2023, violações dos Direitos Humanos, dando
conta de “relatos credíveis de tortura ou tratamento cruel, desumano
ou degradante por parte do governo, condições prisionais duras e com risco de
vida, problemas graves com a independência do poder judicial, corrupção
governamental grave, ampla violência baseada no género, incluindo violência
doméstica ou por parceiro íntimo, violência sexual, casamento infantil, precoce
e forçado, mutilação genital feminina, e tráfico de pessoas, incluindo trabalho
forçado”.
A falta de independência do poder judicial é também um dos problemas mencionados relativamente à situação de São Tomé e Príncipe, o executivo americano destacando igualmente a ausência de responsabilização dos casos de corrupção. “Um estudo efectuado pela federação são-tomense de organizações não-governamentais salientou a ineficácia dos processos judiciais e a falta de condenações como principais factores de impunidade”, sublinha esse relatório.ANG/RFI
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