Bissau,
28 Abr 25 (ANG)– O jornalista Mussá Baldé deveria terminar no fim de semana as filmagens de “Minina di
Bandeja”, filme que denuncia as práticas de trabalho infantil e casamento
forçado de raparigas na Guiné-Bissau.
“A
ideia é levar o filme aos festivais internacionais, porque queremos que o mundo
saiba que apesar da existência de um grande trabalho de sensibilização que tem
sido feito ao longo dos anos, estas duas temáticas, trabalho infantil e
casamento precoce ou casamento forçado, ainda continuam a ser o dia-a-dia aqui
na Guiné-Bissau”, disse à Lusa Mussá Baldé.
Correspondente
em Bissau da agência portuguesa de notícias e do serviço de língua portuguesa
da RFI (Rádio França Internacional), o jornalista adiantou que o filme se
destina "sobretudo a apoiar as organizações da sociedade civil na Guiné-Bissau
que trabalham nessa temática”.
Assim,
Mussá Baldé pretende, quando concluir “Minina di Bandeja”, entregar cópias da
obra a qualquer organização que queira ter acesso ao filme, ou que são
parceiras nesse trabalho, para divulgação e sensibilização comunitária.
Além da
divulgação na Guiné-Bissau, Mussá Baldé quer fazer o mesmo no exterior.
“A
minha ideia é divulgar o filme internamente, mas também divulgar o filme lá
fora. Participando em festivais, em mostras de cinema, desde logo em Portugal,
levar o filme a várias comunidades, mesmo não sendo pessoas afectadas
directamente com esses flagelos, mas pessoas que eventualmente possam estar
interessadas em conhecer um pouco mais a realidade da Guiné-Bissau e ajudar a
Guiné-Bissau a enfrentar estes flagelos”, explica.
O
filme, de cerca de 70 minutos, pretende demonstrar algumas das vicissitudes por
que passam as meninas em venda ambulante, designadamente assédio sexual,
violência sexual, violência física e violência psicológica.
“A
criança em venda ambulante é mais susceptível de não andar na escola ou ter bom
aproveitamento escolar. Há casos de meninas que percorrem cerca de 25
quilómetros diários na venda ambulante, em Bissau, e nesses casos as meninas
estão expostas à gravidez precoce ou casamento forçado”, acrescenta.
Mussá
Baldé pretende demonstrar que a venda ambulante e o casamento forçado são
também factores para baixa escolarização da população feminina na Guiné-Bissau,
e provar que “qualquer menina que for apoiada e orientada pode estudar, formar-se
e ajudar o país”.
O sexto
Inquérito aos Indicadores Múltiplos (MICS), realizado pelo Governo e pela UNICEF, com a parceria das agências da
ONU como o PNUD, FNUAP e PAM e ainda da União Europeia, publicado em Outubro de
2020, revela, entre outras conclusões, que o fenómeno casamento precoce de
meninas continua a ser uma realidade na Guiné-Bissau.
O
documento revela que 25,7% das meninas com menos de 18 anos estão casadas na
Guiné-Bissau, das quais 11,4% no meio urbano e 36,1% no meio rural.
Na Guiné-Bissau,
uma criança em cada três trabalha, ou seja 39% de todas as crianças dos 5 aos
17 anos.
“Estes
dados alarmantes impeliram-me a pensar na realização de um filme que pudesse
trazer à ribalta a realidade das meninas/raparigas que são obrigadas pelos
adultos a casamento e ainda submetidas ao trabalho infantil”, explica.
Mussá
Baldé começou a escrever o roteiro há cerca de dois anos e iniciou as filmagens
em 28 de Fevereiro, com a participação de estudantes de liceus e universidades
da Guiné-Bissau e de actores guineenses.
Dada a
falta de equipamento na Guiné-Bissau, Mussá Baldé pretende, após pré-edição e
edição em Bissau, fazer a pós-produção em Lisboa para corrigir aspectos
técnicos e tratar da legendagem.
“Minina
di Bandeja” é falado em crioulo, e a ideia é ter cópias com legendas em
português, francês, inglês e espanhol.
“O
filme não será comercializado. Ninguém vai pagar para assistir esse filme. É
para ser projectado para divulgar e sensibilizar para o combate ao flagelo do
trabalho infantil e casamento precoce ou casamento forçado”, reitera.
Mussá
Baldé reconhece que o projecto é uma “iniciativa ousada” da sua parte,
porquanto o orçamento do filme está coberto pelo apoio inicial da UNICEF, FNUAP
e Banco da África Ocidental em apenas 40%.
“É uma
iniciativa ousada da minha parte, mas também, se eu não tiver coragem, nunca
mais vou fazer o filme”, vinca.
Mussá
Baldé contactou outras instituições e aguarda que também se juntem ao projecto,
designadamente o instituto Camões, que considera “uma instituição muito
importante na ajuda e promoção dos direitos humanos na Guiné-Bissau”.
“Ainda
me vai chamar para ver o que é que se pode fazer em termos de apoio”,
manifesta.
“Portanto,
neste momento está-nos a faltar à volta de 60% do orçamento do filme, mas,
graças a Deus, com o apoio que o Banco da África Ocidental nos deu, comprámos
um equipamento novo em Lisboa e agora estamos a avançar. Talvez, as
instituições que se interessam por estas temáticas percebam que é preciso
ajudar, porque estamos a fazer um trabalho que vai servir para ajudar no
trabalho que também eles fazem”, adianta.
O
Código Civil em vigor estipula que o casamento na Guiné-Bissau só é legal a
partir dos 16 anos. ANG/Inforpress/Lusa