França/Alternativas ao plástico podem gerar mais gases com efeito de estufa que o próprio plástico
Bissau, 03 Abr 24 (ANG) - As alternativas ao plástico podem gerar mais gases com efeito de estufa que o próprio plástico, concluiu um estudo publicado na revista Environmental Science & Technology.
Miguel Brandão, co-autor
do artigo, explica que este estudo “compara as maiores aplicações do plástico
com os substitutos para perceber os impactos no clima”: “se ao substituirmos um
pelo outro há ganhos ou perdas no sentido de mudanças climáticas”.
Os plásticos são responsáveis por 4,5% das emissões globais de
gases com efeito de estufa (GEE). Devido à ameaça que representam para a
biodiversidade e para a saúde ambiental e pública, a eliminação dos plásticos
transformou-se numa urgência dos diferentes poderes políticos.
Os plásticos são controversos devido à sua produção a partir de
combustíveis fósseis, às emissões durante a produção e eliminação, à potencial
toxicidade e à contaminação do ambiente. Face a estas preocupações é comum
apelar-se à redução da utilização do plástico e ao aumento do recurso a
alternativas não plásticas. Todavia, estes apelos, muito transformados em leis,
vastas vezes ignoram os impactos ambientais dos materiais alternativos.
Acaba de ser publicado na revista Environmental Science &
Technology, assinado por Fanran Meng, Miguel Brandão e Jonathan M Cullen, um
estudo que revela que na maior parte dos casos, os produtos utilizados para
substituir o plástico geram ainda mais impactos no clima. O documento não se
debruça sobre o impacto do plástico na saúde ou poluição marítima, avalia única
e exclusivamente as emissões de GEE dos produtos de plástico e das suas
alternativas ao longo do ciclo de vida.
Miguel Brandão, co-autor do artigo, explica que este estudo
“compara as maiores aplicações do plástico com os substitutos para perceber os
impactos no clima”: “se ao substituirmos um pelo outro há ganhos ou perdas no
sentido de mudanças climáticas”.
O professor de Ecologia Industrial e Avaliação de Ciclo de Vida
no KTH Royal Institute of Technology (Instituto Real de Tecnologia) em
Estocolmo, Suécia, sublinha que “seria limitativo descartar o plástico sem se
ter a noção de que os seus substitutos possam ser piores, pelo menos no que diz
respeito ao clima.”
O cientista defende a necessidade de uma visão “holística,
sistemática, compreensiva e com base na ciência” que olhe para o ciclo de vida
do produto de forma a evitar a troca de um produto mau, por outro ainda pior.
RFI: Peço-lhe que me dê as linhas gerais deste estudo.
Miguel Brandão: O que
nós fizemos foi comparar as aplicações mais representativas do plástico com os
substitutos mais comuns em cada uma dessas aplicações e estimar o impacto no
clima, tanto dos plásticos como das alternativas ao longo do ciclo de vida,
para sabermos se ao substituirmos plásticos pelos substitutos haveria ganhos ou
perdas no sentido de mudanças climáticas.
Este artigo recentemente
publicado demonstra que na maior parte das aplicações as alternativas ao
plástico têm um impacto no clima superior.
Nós não defendemos o uso de plásticos, porque aliás há muitos
impactos que vão para além das mudanças no clima, como por exemplo, o tema dos
microplásticos e da poluição marinha, mas em termos de mudanças climáticas,
realmente o plástico parece ser um material bastante eficiente e seria
limitativo descartar o plástico sem ter a noção de que os seus substitutos
possam ser piores, pelo menos no que diz respeito ao clima.
Portanto, o estudo avalia precisamente o impacto do plástico na
emissão de gases com efeito de estufa. Não na questão do impacto do plástico na
saúde humana, microplásticos, poluição marinha… mas na emissão dos gases com
efeito de estufa?
Exactamente. Portanto, [compara as emissões de gases com efeito
de estufa] ao longo do ciclo de vida dos plásticos e dos substitutos.
Em termos climáticos, o plástico parece ser um material menos
mau, mas há bastantes impactos adicionais às mudanças climáticas, como por
exemplo, os que mencionou [saúde humana, microplásticos, poluição marinha].
Nós, quando fazemos avaliações de ciclo de vida, é normal
considerarmos 16 tipos de impactos, as mudanças climáticas são somente um.
É claro que as mudanças climáticas estão a ter um grande foco e
é urgente lidar com isso, mas isso não quer dizer que não haja outros impactos
urgentes ou importantes.
Nós limitamos a nossa análise às mudanças climáticas, portanto,
as nossas conclusões mantêm-se no que diz respeito às alterações climáticas,
isto é, na maior parte dos casos, os plásticos são realmente melhor que os seus
substitutos, mas se o seu foco for noutro impacto ambiental qualquer ou na
saúde humana, aí as nossas conclusões poderiam já não se manter.
Analisaram a questão do plástico e as alternativas em diferentes
sectores, como a indústria têxtil, automóvel, construção civil, mobiliário e
também na parte das embalagens. Há uma questão que penso que é transversal no
artigo e nestas áreas: uma das vantagens do plástico tem a ver precisamente com
o peso.
Sim, o plástico é um material bastante eficiente. Se comparar,
por exemplo, um uso muito corriqueiro do plástico, o saco de plástico, é óptimo
quando comparado com as suas alternativas, por exemplo um saco de pano ou até
um saco de papel. O saco de papel pode ser utilizado uma ou duas vezes, se o
papel se molhar fica inviável. Já não o pode usar outra vez, tem que deitar
fora. E não se esqueça que para produzir o papel é preciso que uma árvore tenha
sido plantada, colhida, processada e isso tudo acarreta impactos ambientais.
O saco de plástico, como tem uma longevidade grande comparado
com as suas alternativas e é produzido a partir de co-produtos da indústria
petrolífera, acaba por ser bastante eficiente. É um material resistente, à
prova de água, é bastante leve e ocupa pouco espaço. Portanto, sim, sem
preconceitos, acaba realmente por ser um material bastante útil e é exactamente
por isso que é usado à escala em que é.
Sobre a retirada dos sacos plásticos do supermercado. Acabou por
haver aqui uma política que não olhou para toda a cadeia. Ou seja, não foram
feitos estudos suficientes para efectivamente se perceber se havia um benefício
ou não para o clima.
É exactamente isso. Eu
dou aulas numa universidadee um dos cursos chama-se Análise Ambiental de
Sistemas e Tomada de Decisão. Uma das coisas que eu partilho com os meus alunos
na minha primeira aula é que aquelas coisas que um leigo - ou um não leigo -
pensa intuitivamente serem necessariamente melhor ambientalmente, como por
exemplo, alimentos locais ou biológicos ou materiais e combustíveis feitos a
partir da biomassa como biocombustíveis serem sempre melhores do que as suas
alternativas.
Eu compreendo que assim seja, mas é preciso fazer as contas para
informar as nossas decisões, não podemos estar susceptíveis àquilo que é
intuitivo.
Aí, vemos que realmente livre de preconceitos, essas
alternativas que nós pensamos ser melhor, nem sempre o são.
É isso que nós tentamos fazer: olhar para as coisas de uma
maneira holística, de uma maneira sistemática e compreensiva e com base na
ciência.
No caso dos plásticos, acho que é daquelas coisas que as pessoas
acham que é óbvio, quando não é assim tão óbvio, e acabam por tomar decisões
contraproducentes no que respeita pelo menos a alguns impactos. Não todos,
porque realmente o problema da poluição marinha é real, não é inventado.
Portanto, se quisermos resolver realmente problemas associados à poluição
marinha, muito bem, podemos evitar os plásticos desde que tenhamos consciência
de que as emissões de gases de estufa aumentarão. Agora, o que é importante é
realmente haver essa coerência e não aparentar resolver um problema sem ter
noção que criamos outros.
Ou seja, como cobrir um problema com uma manta e há sempre um
canto que fica de fora.
Exacto, fica outro problema a descoberto. Não necessariamente o
mesmo, mas outro problema, como neste caso as mudanças climáticas. Podemos
argumentar que é talvez mais urgente do que poluição marinha. Não há uma
maneira objectiva de o dizer, mas o importante é olhar para as coisas na sua
extensão total, exactamente para não estarmos a criar problemas sem o saber. Ao
menos que saibamos e tomemos uma decisão consciente. Portanto, em vez de
pensarmos em banir totalmente e na reutilização, temos também que pensar na
substituição.
Por exemplo, se vamos realmente banir os sacos de plástico dos
supermercados, estejamos cientes de que os alternativos sacos de pano levem 20
ou 30 anos de uso até pouparem custos ambientais equivalentes aos sacos de
plástico.
Nesta questão do plástico e das alternativas. Portanto, neste
momento, no estado actual das coisas, pensa que é necessário que os próprios
governos repensem a política em relação ao plástico e das possíveis
alternativas?
Eu não sei até que ponto é que as políticas possam ser
reversíveis, mas acho que temos que ter humildade para mudar de opinião
consoante o que nos diz a ciência moderna. Por exemplo, tínhamos objectivos
muito ambiciosos para os biocombustíveis que foram sujeitos a alguma reversão
porque realmente era uma política contraproducente. Corríamos o risco de acabar
por ter mais emissões do que se não adoptássemos essa política, o que não faria
muito sentido.
Acho que há espaço para admitirmos falhas e para alterarmos um
curso que agora se sabe ser pouco producente. Banir plásticos pode ser uma
política exagerada se resultar num nível superior de emissões de gases de
estufa (- acho que é óbvio).ANG/RFI
Sem comentários:
Enviar um comentário