Covid-19/Rússia e China expandem seu
domínio pelo mundo com produção de vacinas
Bissau, 04 Fev 21(ANG) - Os governos protagonizam agora, depois da
batalha das máscaras, a guerra pelas vacinas contra a Covid-19.
Moscovo eu e Pequim
aproveitam o atraso na produção de imunizantes pelos labor
atórios americanos e
europeus, a situação de urgência em vários países em desenvolvimento, além da
chegada de novas variantes, para expandir sua influência pelo planeta por meio
de suas vacinas contra o novo coronavírus.
A vacina russa
Sputnik V saiu na frente na corrida para a produção de um imunizante contra a
Covid-19. Ao ser anunciada, em agosto de 2020, foi alvo de fortes críticas por
parte dos países ocidentais, que alegaram precipitação e falta de
transparência da parte de Moscou. Na época, a Rússia não revelou informações
científicas sobre seus ensaios clínicos. Alguns meses depois, em dezembro, a
Pfizer/BioNTech lançou seu produto como “a primeira vacina contra o
coronavírus”, sabendo que a Sputnik V já estava sendo inoculada na Rússia.
Em novembro de 2020, o Centro de Pesquisas
Gamaleya de Moscou, apontou que a vacina russa tinha uma eficácia de 91,4
por cento 28 dias após a primeira dose e 95 por cento após 42 dias – um
efeito similar ao produto da Pfizer/BioNTech.
No
entanto, nem países europeus ou os Estados Unidos confiaram na informação,
dando preferência aos imunizantes fabricados por laboratórios ocidentais.
O aparecimento de novas variantes do
coronavírus – que disparou o número de contaminações e mortes em diversos
países –, aliado ao atraso na produção e nas entregas das doses pelos gigantes
farmacêuticos, vem mudando o discurso sobre a Sputnik V. Na terça-feira (2), a
revista científica The Lancet publicou um estudo realizado por
pesquisadores independentes que confirma a eficácia anunciada Centro de
Pesquisas Gamaleya.
O artigo destaca que o imunizante
russo é, de facto, um dos produtos com maior efeito contra as formas
sintomáticas da doença.
A constatação deve abrir caminho para que
as agências reguladoras de medicamentos dos países desenvolvidos deem seu aval
positivo ao fármaco russo. Antecipando-se a uma homologação pela Agência
Europeia de Medicamentos (EMA) requisitada por Moscou, a chanceler alemã,
Angela Merkel, declarou: “Toda vacina aprovada por esse órgão será bem-vinda na
Alemanha”. A líder também ofereceu ajuda do país para uma eventual produção conjunta
da Sputnik V.
Nesta quarta-feira (3), o governo
espanhol se disse igualmente “aberto” e “entusiasta” com a ideia de
utilizar a vacina russa. “A única condição”, segundo a ministra espanhola da
Saúde, Carolina Darias, é a aprovação do fármaco pela EMA.
O mesmo posicionamento foi expressado
pelo governo francês. Paris está disposta a distribuir o produto na França
se “ele corresponder às normas científicas e às exigências europeias”, declarou
nesta quarta-feira (3) o ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le
Drian.
A Rússia exibe, assim, um sucesso no
campo científico, mas também no âmbito econômico: o imunizante poderia gerar
uma receita de € 25 bilhões ao país. Não por acaso, o Kremlin anunciou nesta
quarta-feira que tem o objetivo de aumentar a produção da Sputnik V no
exterior “para responder à demanda cada vez maior dos países”.
O fármaco já foi homologado por cerca de
15 nações, incluindo ex-repúblicas soviéticas, como Belarus e Armênia,
pelos aliados Venezuela e Irã, além de Argentina, Bolívia, Argélia,
Tunísia e Paquistão.
Na União Europeia, por enquanto, a
Hungria – que recebeu 40 mil doses na terça-feira(2) – autorizou o produto sem
esperar o aval da EMA..
Mais do que exportar, Moscou também tem
interesse em assinar parcerias para a produção da Sputnik V. Atualmente, o
Cazaquistão, a Índia, a Coreia do Sul e o Brasil fabricam o imunizante, mas nem
todos o estão utilizando. A Argentina, que aposta alto na Sputnik para proteger
a população, já assinalou seu interesse em produzi-la.
O presidente Vladimir Putin vê o avanço
científico russo como um sucesso pessoal. Na televisão pública do país, o líder
afirmou que o produto desenvolvido na Rússia “funciona com precisão, formando
anticorpos e uma imunidade celular estável”. Segundo ele, uma de suas filhas
teria, inclusive, sido vacinada com a Sputnik V.
Apontada como o primeiro berço da
pendemia de Covid-19, a China foi o primeiro país a enfrentar a doença, a
registrar o primeiro óbito e a impor o primeiro lockdown. Foi também a nação que ditou as
regras da “diplomacia das máscaras” em meados de 2020, já que domina boa parte
da produção mundial do equipamento.
Para Pascal Boniface, diretor do Instituto
de Relações Internacionais e Estratégicas da França (IRIS) e autor do livro
“Geopolítica da Covid-19” (editora Eyrolles), a pandemia resultou em “rotas da
seda sanitárias”. “Os países não avaliam a ‘cor política’ das nações que
desenvolvem as vacinas, mas a eficácia e a disponibilidade do imunizante. Como
a China o produziu em massa, ela protagoniza um grande avanço”, observa.
Segundo o pesquisador, embora a crise
sanitária tenha origem no território chinês,
atualmente é Pequim que recolhe os maiores benefícios.
“O
mundo está em crise e a China ainda está em um período de crescimento econômico.
Efetivamente, eles expandiram sua influência por meio de ajuda sanitária e,
agora, o fazem com o fornecimento de vacinas”, analisa.
Boniface também destaca que Pequim
ofereceu ao Egito e ao Marrocos a possibilidade de implantação de usinas de produção
de vacinas. No Oriente Médio, vários países já encomendaram o imunizante da
Sinopharm: Iraque, Jordânia, Emirados Árabes Unidos e Bahrein.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan
– inimigo declarado da Rússia – também já expressou publicamente sua
preferência pelo fármaco chinês. “Há aqueles que confiam na vacina russa,
porque eles produziram 'vacinas soviéticas'. Há aqueles que refletem sobre essa
questão em termos ideológicos, preferindo o Oeste ao Leste. Eu penso que os
chineses conhecem o vírus há mais tempo, então, estou esperando a minha vez. Se
eu puder escolher, vou pedir a vacina chinesa”, declarou.
China ou Rússia, a demonstração de força
dos dois países mostra, para o diretor do IRIS, uma nova perda de influência do
Ocidente no mundo.
“A ausência dos Estados Unidos nesta crise
sanitária foi cruelmente sentida, mas esse é também o jogo das evoluções
tecnológicas e econômicas. Os ocidentais perderam o monopólio do poder que
tiveram durante quase cinco séculos.
No plano das vacinas, como em outros, é
preciso ceder o lugar. Aliás, como podemos ver, a Rússia e a China se
convidaram, por conta própria, a se sentar na ‘mesa dos grandes’”, conclui o
especialista.ANG/RFI