Diplomacia/”França está numa situação
diplomática deplorável no continente africano", diz
investigador Régio Conrado
Bissau, 24 Jan
23 (ANG) - Meses depois do Mali, o Burkina Faso pediu à França para retirar as
tropas do seu território e a decisão é acompanhada por um recuo da influência
francesa e por avanços russos.
"A França está numa situação
diplomática profundamente deplorável no continente africano", resume o
investigador Régio Conrado, numa entrevista sobre as causas e o impacto da
decisão de Ouagadougou.
“Não é nenhuma surpresa que haja
estas contestações no contexto africano recente ao exército francês no continente
africano por causa do insucesso que teve durante muito tempo. Isto criou uma
percepção muito negativa em relação à fiabilidade deste exército francês”, começa por explicar Régio Conrado, professor na
Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo.
Por outro lado, “também há uma percepção de que a França é um
país que, de forma implícita ou indirecta, vai contribuindo para a degradação
da situação securitária nestes países”. A isto junta-se “o exemplo do Mali”
que pediu e obteve a retirada das tropas da operação antijihadista e “que mostrou que a
sua articulação com novas alianças internacionais - como é o caso da
Rússia e do caso não oficial do grupo Wagner - trouxe resultados muito
mais palpáveis”.
Régio Conrado sublinha que “as soluções que a
Rússia apresenta parecem muito mais eficazes” e aponta como exemplos
o fornecimento de material bélico, “treinamento táctico eficiente” e a
formação de oficiais superiores.
Agora é a vez do Burkina Faso. Desde a
chegada ao poder da junta militar, naquele que foi o segundo golpe militar em
oito meses, houve uma aproximação com a Rússia. Na semana passada, o chefe de
governo interino, Apollinaire Kyélem de Tembela, encontrou-se com o embaixador
russo e há um mês esteve em Moscovo. Porque é que há a percepção que a Rússia
pode ser mais eficaz? Para Régio Conrado, a resposta passa por olhar para a
forma como a França respondeu à Ucrânia e a forma como tem respondido aos
países africanos assolados pelo jihadismo.
Não se pode pretender ter relações
diplomáticas e militares com um determinado país, cujo objectivo é combater o
grupo terrorista, se nós não fornecermos armamento ou material bélico letal, se
não dermos formações de qualidade para que os militares nacionais possam ser
eles próprios a combaterem e a protegerem a sua terra. Nós constatamos que, nos
dez anos de articulação diplomática e militar com a França, estes países não
tiveram fornecimento de material, não tiveram formação táctica profunda. É como
se a França se quisesse substituir a este exército nacional e manter a
dependência, uma dependência neocolonial, desses países em relação a França.
Nesta equação diplomático-militar, “é necessário
multiplicar os parceiros”, olhando nomeadamente para a Rússia, mesmo que
isso signifique “subtrair a França”. Régio Conrado acrescenta que multiplicar
parceiros evita “criar uma dependência crónica” com apenas um deles e que “o desaparecimento
de França na África do Oeste não significa o desaparecimento do Ocidente”,
até porque “os Estados Unidos continuam a dar treino aos militares” e os
“alemães estão presentes financeiramente”, por exemplo.
Régio Conrado vai mais longe e fala mesmo em “hipocrisia estrutural” por parte de
França.
Se for a ver todo o investimento que estão
a fazer no contexto da Ucrânia, porque é que não o fizeram no continente
africano? Porque é que não deram tanto dinheiro aos países africanos que estão
em conflito com o terrorismo há mais de dez anos? Porque é que o nível de
investimento que a França fez em menos de um ano na Ucrânia não o deu aos
países onde ela se investia? Há uma hipocrisia que é estrutural e que criou
várias situações de conflito.
A França está numa situação diplomática
profundamente deplorável no continente africano, está numa situação
profundamente crítica no continente africano e é preciso não esquecer que a
capacidade de a França influenciar as mentalidades está profundamente
enfraquecida. ANG/RFI
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