COP
28/ Financiamento climático deve depender de “fontes previsíveis e
reguladas" - Carlos Lopes
Bissau, 29 Nov 23(ANG) - Arranca
esta quinta-feira no Dubai, Emirados Árabes Unidos, a Conferência das Partes
sobre o Clima, COP 28. Uma edição que conta com a participação de cerca de
70.000 pessoas provenientes de todo o mundo.
O economista guineense
Carlos Lopes defende a consolidação do financiamento climático que deve
depender de “fontes previsíveis e reguladas" .
Na agenda da COP 28 estarão
temas como o financiamento dos diferentes fundos de ajuda, a redução gradual da
dependência das energias fósseis e a transição energética.
Outro ponto importante será
a avaliação global dos progressos realizados no âmbito do Acordo de Paris,
desde a sua entrada em vigor em 2015.
África contribui com menos
de 3% das emissões globais de gases de efeito estufa, de acordo com os dados do
Banco Africano de Desenvolvimento, mas o continente é fortemente afectado pelos
seus efeitos devastadores das alterações climáticas. Nove dos dez países mais
vulneráveis às alterações climáticas são africanos.
O economista guineense
Carlos Lopes integra o comité consultivo da COP 28, de orientação e
aconselhamento à presidência do evento. Em entrevista à RFI, defendeu a
consolidação do financiamento climático que deve depender de “fontes
previsíveis e reguladas" .
O docente na Universidade do
Cabo, África do Sul, sublinhou ainda a preparação e organização do continente
africano para a Cimeira do Clima, onde se apresenta “com uma pauta muito mais
clara, que tem até propostas a nível global, como por exemplo, a introdução de
taxas e uma nova fiscalidade que penalize as emissões da indústria marítima, da
indústria da aviação e também das transacções financeiras internacionais”.
O que é que o continente
africano pode esperar desta COP 28?
O continente africano, pela
primeira vez, fez uma cimeira do clima antes da COP.
Normalmente tem reuniões de
consulta, mas desta vez foi um pouco além e tentou organizar-se com uma pauta
muito mais clara, que tem até propostas a nível global, como por exemplo, a
introdução de taxas e uma nova fiscalidade que penalize as emissões da indústria
marítima, da indústria da aviação e também das transacções financeiras
internacionais.
Não são ideias completamente
novas, mas é a primeira vez que um grupo de países tenta, de forma organizada,
fazer a relação dessas questões com o clima.
Acho, também, que estamos
com uma grande expectativa de poder aumentar o financiamento para as energias
renováveis e transição energética.
Mas os países africanos
também estão muito interessados em manter a distância sobre aquilo que devem
ser as responsabilidades do norte e as responsabilidades dos países que não
tiveram culpa pela situação actual do clima, por exemplo, através da utilização
das novas explorações de gás e outras energias fósseis que os africanos estão
com a intenção de poder explorar durante um tempo de transição.
Esse peso de África se
apresentar nesta COP 28 unida, a uma só voz, acaba por fazer com que África
seja um interveniente diferente no Dubai?
Considero que a África tem
demonstrado, apesar dos seus problemas internos, a nível de cada país, uma
certa capacidade de entrar nos debates globais de uma forma bastante
contundente.
Vimos isso nas negociações
sobre a Agenda 2030, onde a África foi o primeiro continente e região a propor
aquilo que deveria ser a agenda das Nações Unidas pós-2015 e acabou por ter a
vantagem de ser o primeiro e, portanto, todas as suas propostas foram aceites
na agenda final, porque África já tinha a sua agenda 2033 e estava a tentar
empurrar os mesmos princípios a nível global.
Depois, vimos na pandemia
que a África se uniu, fez compras agrupadas de medicamentos, fez todo um
forcing [esforço] para que se introduzisse a ideia de fabricação de vacinas no
continente e, também, negociou a nível do FMI, uma dotação especial para a
questão da dívida.
A seguir vimos outra vez durante
o período em que os produtos alimentares, sobretudo o trigo, começaram a subir
por causa do conflito na Ucrânia, que a África também fez as suas démarches
[procedimentos] a nível organizado.
Da semana passada, temos um
exemplo extraordinário que foi a aceitação por parte das Nações Unidas, da
Assembleia Geral, de uma proposta africana para que o debate sobre taxas e
fiscalidade internacional seja centrado na ONU. Até aqui, era um privilégio da
organização OCDE, que é o clube dos países ricos.
Já para não mencionar o
facto de que a África acaba de ser admitida no G20. Portanto, tudo isto são
manifestações de uma certa capacidade de se apresentar de forma organizada nas
grandes agendas globais.
Faz parte do Comité
consultivo da COP 28, um grupo de orientação e aconselhamento à presidência do
evento. No que toca ao continente africano, que tónica colocou em cima da mesa?
Sobretudo a questão de que
precisamos de entender que se estamos a falar de financiamento climático, não
podemos resolver com atitudes voluntárias e, sobretudo, com promessas de que se
vai conseguir mais dinheiro para a transição climática, através, por exemplo,
dos mercados de carbono.
A minha grande luta é
mostrar que se nós estamos a fazer isso e estamos a exigir condições especiais,
é porque aquilo que é a atitude normal, o ‘business as usual’ na linguagem dos
negociadores, é, de facto, continuar com os combustíveis fósseis.
E a África não pode ser
aquela que faz primeiro, visto que está em atraso em relação às várias
propostas de transformação económica.
Portanto, a mitigação é
responsabilidade dos outros. A nossa responsabilidade é de adaptação e de
sermos compensados pelas perdas e danos que é justamente o fundo que foi
lançado na COP de África [COP 27] de Sharm-el-Sheik [Egipto] e que agora
precisa de ser consolidado em termos de financiamento concreto.
O financiamento é vital, é
considerado por muitos até moral e eticamente necessário. Mas este
financiamento vem sempre a conta-gotas. Falamos do financiamento para o Fundo
Verde para o Clima, financiamento para o Fundo de Adaptação, o Fundo de perdas
e danos… mas de ano para ano, os passos dados são sempre muito pequeninos.
Precisamente por isso é que
precisamos dessa taxação que foi proposta na Cimeira Africana do Clima. Nós
temos que ter fontes de financiamento previsíveis e reguladas. Que não seja
apenas a vontade dos países em ajudar, porque já vimos que isso não leva a
nada.
Temos um acumular de quase
um trilião de dólares de promessas não cumpridas nos últimos 14 anos em matéria
de clima e, portanto, já ninguém acredita nas promessas.
É preciso que as fontes de
financiamento sejam previsíveis.
O que está a acontecer, cada
vez mais, é que a ajuda ao desenvolvimento está a ser organizada e vendida como
luta contra o clima. Portanto, é apenas uma questão de etiqueta e não uma
questão de dinheiro adicional. Isso vê-se através das estatísticas sobre as
tendências da ajuda internacional.
Portanto, África, como é o
conjunto de países que deve receber mais dessas compensações, de não ter
contribuído para o problema climático, acaba por ser aquele que sofre desta
situação que é baseada no voluntarismo. O voluntarismo não nos leva a nada,
porque já vimos que em 14 anos não saímos da estaca zero.
Neste momento crucial a COP
28 não vai contar com a presença nem do presidente norte-americano [Joe Biden]
nem do presidente chinês [Xi Jinping], que são também duas peças importantes
nessa engrenagem. Estas ausências não acabam por deitar por terra, algumas
esperanças que poderiam existir?
É claro que os países que
têm a maior responsabilidade de emissão [de gases com efeito de estufa] não
estarem presentes ao mais alto nível, é sempre uma indicação de que não há
vontade política suficiente para entrarmos já na transição urgente que é
necessária.
Temos que ter em conta que
estamos a viver um momento geopolítico muito particular, onde as grandes
potências estão sempre a olhar-se ao espelho e, ao mesmo tempo, a olhar também
quem está do outro lado. Têm que responder a muitas pressões internas e têm
também que responder aquilo que os seus compositores fazem.
Podemos falar mesmo de
opositores, porque a linguagem é muito tensa e estamos a viver no
multilateralismo uma retrocedência de muitas das actividades, ideias,
conceitos, programas, objectivos que tinham sido aprovados e que agora começam
a ser postos em causa.
O facto da COP 28 se
realizar no Dubai e ter como presidente o líder da gigante petrolífera estatal
dos Emirados Árabes Unidos [Ahmed al-Jaber], não pode significar que o peso do
petróleo vai sentir-se nas negociações?
Seguramente que os
activistas do meio-ambiente vão dizer isso, mas também é preciso ver o outro
lado da moeda : não podemos fazer esta transição sem que as grandes companhias
petrolíferas e os grandes países produtores de petróleo entrem nesta discussão.
Eles não podem ser marginalizados completamente, porque sem mobilizar a sua
vontade própria, vai ser muito mais difícil.
O que os Emirados Árabes
Unidos nos prometem – mas tem que ser verificado - é de que vão ser os maiores
investidores em matéria de energias renováveis. Segundo um artigo do Financial
Times fala-se mesmo que podem vir a contribuir com 200 bilhões de dólares,
muito para além de tudo o que os países ricos fizeram até agora.
Os últimos relatórios sobre
o aquecimento global do planeta dizem que o aquecimento acelerou em 2023 e que
este ano poderá ser o mais quente desde que há registo. O mundo ainda vai a
tempo de cumprir as metas do Acordo de Paris, metas essas que são de extrema
importância para o continente africano.
As metas do acordo de Paris,
para além daquelas que foram acordadas a nível global - que é de reduzir as
emissões para que nós possamos reduzir o aumento da temperatura - são metas
nacionais e são metas voluntárias. São os países que dizem o que querem fazer.
É evidente que nós vimos que
entre o que eles disseram e o que estão a fazer, há uma distância colossal.
Neste momento em que estamos
a fazer aquilo que em inglês chamamos de Global Stocktake, o primeiro apanhado
de todas as promessas e quanto o mundo progrediu em matéria de combate às
mudanças climáticas, chega-se facilmente à conclusão de que há um problema de
confiança que se instalou, porque de facto, as promessas agora servem apenas para
camuflar uma continuidade de determinadas tendências.
Isto não quer dizer que não
tenha havido nenhum progresso. Há alguns progressos porque no princípio desta
caminhada, há cerca de 15 anos, estávamos a contar com um aumento das
temperaturas até 3°C e agora, segundo os estudos científicos, fala-se de 2,4° a
2,9°.
Mas temos que admitir que
entre 2,4° e 2,9°C e 1,5°, que é o objectivo, ainda há uma distância muito
grande e, portanto, não há, ainda, parece, entre os principais actores, o
sentido de urgência, que a situação exige.ANG/RFI
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