Brasil/Jornalistas russos exilados enfrentam futuro incerto
Bissau, 26 Set 23 (ANG) - Mais de 18 meses depois de a Rússia ter iniciado sua invasão em larga escala à Ucrânia, a mídia independente russa praticamente “desapareceu”.
Muitos jornalistas russos fugiram do país e agora trabalham do exílio em
países como Alemanha, Geórgia, Lituânia e Quirguistão, dentre outros.
Adaptando-se à sua nova realidade, esses repórteres e redações enfrentam um
futuro incerto para a mídia independente russa.
Na semana passada, o ICFJ recebeu três jornalistas russos exilados para
discutir como eles deixaram a Rússia, seu trabalho no exterior e os desafios de
segurança e censura que seguem enfrentando atualmente. Sara Fischer,
repórter sênior da Axios, moderou o painel.
"A opressão da mídia russa estava acontecendo antes da guerra
começar. Nós vivenciamos essa repressão nas nossas vidas pessoais anteriormente
e agora os líderes mundiais podem vê-la", diz L*, que atualmente vive na
Alemanha. "Todos nós estamos enfrentando punições criminais no nosso
país."
A seguir estão outros pontos que os jornalistas discutiram sobre seu
trabalho no exílio:
Imediatamente após a Rússia invadir a Ucrânia, em fevereiro de 2022,
jornalistas independentes se apressaram para fugir do país. Aqueles que ficaram
foram presos ou tiveram suas redações fechadas por não seguirem a linha do
Kremlin na cobertura da guerra.
"Quando a invasão começou, ninguém sabia quais regras seguir. Nossa
equipe não sabia se estava segura", diz Z*, administrador de um canal
anônimo no Telegram que divulga notícias para audiências russas a partir do
exterior.
G*, que hoje vive na Lituânia, explica como a mudança de sua redação
para o exílio aconteceu em três ondas. Depois do início da invasão, os
diretores seniores da redação foram os primeiros a sair do país. "Naquele
momento, nosso site era o principal canal de conexão com a audiência e ele
havia sido bloqueado pelos serviços russos de censura. Parte da nossa equipe,
incluindo eu, decidiu se mudar para Istambul; depois, eu fui para a Lituânia
porque já tínhamos estabelecido antes uma base legal no país", diz.
A segunda onda aconteceu em maio de 2022, em resposta aos rumores
segundo os quais Putin iria anunciar em breve uma mobilização para alistar mais
homens no exército. Isso forçou o veículo de G a realocar a maioria de seus
funcionários homens no exterior.
De outubro a dezembro de 2022, o veículo começou a terceira onda. A
empresa deu a todos os funcionários que permaneceram no país a escolha de se
mudar para Montenegro, país membro da OTAN que não faz fronteira com a Rússia.
Os funcionários que decidiram continuar na Rússia se tornaram freelancers
anônimos – e não mais empregados – para garantir sua segurança.
Embora os jornalistas digam que se sentem mais seguros no exterior do
que se tivessem ficado na Rússia, as ameaças continuam. "Eu me sinto
seguro porque não assino meu nome no que eu edito", diz L, apesar de
observar que "nós sabemos que houve três envenenamentos de
jornalistas russos na Alemanha."
A Rússia persegue a mídia independente por meio de leis repressivas,
particularmente aquelas relativas a agentes estrangeiros e organizações
indesejáveis. Jornalistas que escrevem para uma organização considerada
"indesejável" podem facilmente ser presos por causa de seu trabalho,
enquanto veículos e jornalistas classificados como "agentes
estrangeiros" estão sujeitos a auditorias onerosas e a requisitos de
classificação que drenam recursos.
Por isso, jornalistas no exílio mantêm anônimos os colegas que ainda
estão na Rússia para protegê-los. "Se nossos jornalistas estão na Rússia,
gostaríamos de continuar dando cobertura ao trabalho deles e mantê-los fora da
prisão", diz L. "Anonimizar os repórteres é frustrante, é triste. Não
é o que nos orgulha, mas é como podemos continuar trabalhando."
A necessidade do anonimato, explica Z, levou muitos jornalistas a
escreverem para o seu canal no Telegram. "Tivemos a oportunidade de os
jornalistas trabalharem, ganharem dinheiro, não serem censurados, mas de forma
anônima. É bom para eles; eles não vão ser reconhecidos como agentes
estrangeiros nem como organização indesejável."
Mas essa abordagem tem suas desvantagens. "Jornalistas são pessoas
ambiciosas e às vezes eles se frustram quando divulgam um texto que ganha
100.000 visualizações e ninguém sabe quem é o autor", diz Z.
Veículos no exílio também deixam suas fontes no anonimato para permitir
que elas falem livremente. Por exemplo, G diz que, no privado, muitos oligarcas
discordam da guerra, mas não dizem isso em público. "A elite russa está
dividida, mas não quer mostrar que está dividida", diz. "Nós temos
fontes que concordam em falar se as mantivermos anônimas. O nosso problema com
isso é verificar os fatos."
Tendo em vista o pouco que restou da mídia na Rússia, até mesmo discutir
o curso da guerra pode ser um convite à censura. "Você não pode falar nada
em desacordo com o que o Ministro da Defesa diz. Por exemplo, se você fizer uma
matéria sobre Bucha, vai ser criminalizado e punido com seis anos de
prisão", diz G. "É classificado como notícia falsa e você pode ser
criminalmente processado."
Alguns editores no país evitam cobrir a guerra como um todo. Em
contraste, veículos exilados não são forçados a se autocensurarem",
explica G. "Nós mostramos que você pode cobrir a pauta mais importante da
década, mas você precisa sair da Rússia, porque nesse caso você consegue
trabalhar."
Jornalistas que trabalham no exílio têm dificuldade para romper a
propaganda e censura do Kremlin. "Já chegamos ao máximo de pessoas que
pudemos e não conseguimos encontrar novos leitores", diz L. "Todas as
pessoas que se opõem à guerra estão lendo a gente e aquelas que não se opõem,
que apoiam Putin, elas simplesmente não têm a chance de ler nossas
publicações."
Jornalistas russos não podem mudar a opinião de todas as pessoas a
respeito da moralidade da invasão, mas isso não significa que o trabalho deles
não tenha impacto, acrescenta L.
"Não é missão do jornalismo fazer as pessoas considerarem a guerra
uma ameaça se elas pensam que a invasão é uma coisa boa. Nosso trabalho é
informar o que está acontecendo", diz L. "Nós trabalhamos pelo futuro
do jornalismo social – não só a guerra, mas suas implicações sociais e
impacto na Rússia."
A relativa liberdade com a qual jornalistas exilados podem trabalhar é o
benefício mais bem-vindo da realocação no exterior.
"Antes da guerra, até mesmo jornalistas independentes sabiam das
regras do jogo. Muitos jornalistas independentes tentaram seguir as regras, mas
depois da guerra ninguém as segue mais. Ficou impossível segui-las", diz
Z.
"Não há mais limites para os jornalistas independentes."
ANG/IJNET(Rede de Jornalistas Internacionais)
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