Sociedade/Meio
século depois Guiné-Bissau ainda não cumpriu sonho de Amílcar Cabral –
analistas
Bissau,
16 Nov 23(ANG) – Analistas ouvidos pela
agência Lusa consideram que meio século depois de proclamar unilateralmente a
independência de Portugal, a Guiné-Bissau apresenta um balanço negativo na
concretização do sonho e utopia do fundador da nacionalidade guineense, Amílcar
Cabral.
Em 24
de setembro de 1973 todos os sonhos e utopias eram possíveis na Guiné-Bissau, e
a proclamação unilateral de independência foi o passo lógico resultado de uma
guerra de libertação que estava a ser bem-sucedida contra um regime colonial
exausto e a braços ainda com lutas de libertação em Angola e Moçambique, além
do isolamento internacional a que estava votado.
O
ponto de partida do novo Estado, rapidamente reconhecido por cerca de 80
países, pela notoriedade de Amílcar Cabral, era promissor, mas o facto de
coincidir com os efeitos do primeiro choque petrolífero, em 1973, uma crise
económica e comercial de proporções mundiais desencadeada pelos maiores países
produtores de petróleo, fez com que a realidade se sobrepusesse ao sonho.
“Os
primeiros anos de independência, a partir de 1974 até finais de 1980, foram um
grande momento, um momento de elevação, em que o espírito, o patriotismo, a
vontade de fazer dos guineenses veio ao de cima”, considerou o jornalista Tony
Tcheka.
O
golpe de Estado de 14 de novembro de 1980, liderado por João Bernardo “Nino”
Vieira, expôs as contradições no seio do PAIGC e frustrou o sonho de Cabral em
unir sob a mesma bandeira Guiné-Bissau e Cabo Verde.
O
balanço dos primeiros 50 anos de independência, feito por Luís Barbosa Vicente,
especialista em Políticas Públicas, Desenvolvimento e Poder Local, é negativo,
descrevendo a “lástima em que estão os três pilares do desenvolvimento de um
Estado de Direito”: educação, justiça e saúde.
Wilson
Té, analista guineense, destacou que se assistiu a partir de 1980 a “uma
degradação do Estado sistematicamente mais pela negativa, e que culminou com a
guerra de 07 de junho (de 1998)”, conflito desencadeado por um golpe de Estado
contra “Nino” Vieira, que pediu ajuda aos vizinhos Senegal e Guiné-Conacri, e
que se prolongou até 10 de maio de 1999.
“Foi
uma guerra que devastou a Guiné-Bissau e a partir daquele momento para cá, a
Guiné-Bissau ainda não conseguiu se endireitar e conhecer o desenvolvimento”,
acrescentou Wilson Té.
A
localização geográfica do país, cercado de antigas colónias francesas, não
ajudou à estabilidade e o papel do Senegal nos assuntos internos da
Guiné-Bissau acentuou a dependência.
“Não
é pelo facto de ter uma componente de localização geoestratégica que poderia
dificultar efetivamente a afirmação do país. Desde que o país tivesse um estado
forte, de certeza absoluta que não haveria problema nenhum, mas o país nunca se
conseguiu afirmar”, salientou Luís Barbosa Vicente, considerando que depois de
1980 a Guiné-Bissau “entrou numa guerra constante de poder”.
Tony
Tcheka destacou “algumas cumplicidades estranhas da parte de alguns dirigentes
políticos da Guiné-Bissau que, pelas suas ações ou inação, colocam a
Guiné-Bissau num patamar inferior mas claramente inferior, obedecendo aos
interesses do Senegal”.
“Há
uma sujeição, uma dependência, coisa que nunca tinha acontecido, porque havia
uma coisa que a Guiné-Bissau tinha no contexto da África Ocidental, respeito e
estima da parte dos países vizinhos”, acusou.
A
falta de instituições fortes e respeitadoras do Estado de Direito e da
separação de poderes minou a credibilidade internacional e levou a que a
Guiné-Bissau passasse a ser sinónimo de instabilidade e crime organizado, com o
narcotráfico a tomar conta da vida do país.
Para
Tony Tcheka, “é preciso combater e erradicar o narcotráfico. É preciso investir
na saúde, na educação. Não faz sentido que, 50 anos depois, a maior parte do
território guineense não tenha acesso a eletricidade”.
“Não
podemos estar sempre ciclicamente de mãos estendidas. A Guiné-Bissau não é uma
terra pobre, não é”, frisou o jornalista.
Quanto
aos próximos 50 anos da Guiné-Bissau, Luís Barbosa Vicente defende que “não há
mal que dure 100 anos”.
“Eu
acredito que a Guiné vai encontrar o seu caminho. E não vai ser assim muito
tempo. E eu acredito que daqui a uns anos, a uma década podemos começar a
almejar algo importante, mas isso precisa de pessoas com competências, pessoas
preparadas, estadistas, que tenham uma outra visão da construção de um país, da
construção de um Estado alicerçado na base de valores, de identidade, de
cultura […] e eu acredito que isso chegará em breve”, antecipa.
“Eu
tenho essa visão otimista. Acredito que estamos a passar por uma fase muito
difícil, mas acredito que vamos lá chegar, e de certeza absoluta vamos ter de
novo alguém que é capaz de continuar com todo o projeto de Cabral e um projeto
melhor para a Guiné-Bissau e o seu povo”, conclui.
A
Guiné-Bissau autoproclamou a sua independência de Portugal em 24 de setembro de
1973, mas as comemorações oficiais estão marcadas para 16 de novembro, dia das
Forças Armadas. ANG/Inforpress/Lusa
Sem comentários:
Enviar um comentário