“Discurso de
ódio já está em Portugal”, diz Amnistia Internacional
Bissau, 22 nov 18 (ANG) - O director da Amnistia Internacional Portugal,
Pedro Neto, alertou, em entrevista à agência Lusa, para a presença do discurso
de ódio em Portugal, apontando o combate à discriminação como o maior desafio
actual dos direitos humanos.
“O discurso de ódio já está presente em Portugal, já há laivos
de populismo, que está a ver se consegue ganhar tracção e fazer caminho. Já
está cá e é preciso que as pessoas estejam muito atentas para não se deixarem
enganar”, disse Pedro Neto.
O director da Amnistia Internacional Portugal manifestou
preocupação com “todo este discurso de ódio, de notícias falsas e da escalada
da violência verbal nas redes sociais”.
“As pessoas já têm consciência de que os direitos humanos são
assuntos de todos, todos os dias, mas há interesses que procuram manipular a
opinião pública e conseguem fazê-lo muito rapidamente através das redes
sociais. Isso é preocupante. Há interesses não condizentes com os direitos
humanos a quem interessa demonizar os direitos humanos e quem os defende” para
conseguir avançar as suas ideias, alertou.
Numa entrevista a propósito dos 70 anos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, que se assinalam a 10 de Dezembro, Pedro Neto sustentou
que existe entre os portugueses “muita consciência” da importância dos direitos
humanos, mas ressalvou que, nos casos do discurso de ódio, de interferência em
eleições e do populismo, as pessoas acham ainda que só acontece em países como
os Estados Unidos, a Rússia ou o Brasil.
As Nações Unidas comemoram ao longo deste ano os 70 anos da
proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10 de Dezembro de
1948), efeméride a que se associam em Portugal as comemorações dos 40 anos da
adesão à Convenção Europeia dos Direitos Humanos (09 de Novembro de 1978) e da
ratificação (15 Junho de 1978) dos pactos internacionais de direitos civis e
políticos e de direitos económicos, sociais e culturais, que lhe dão força
jurídica.
Numa avaliação à situação mundial dos direitos humanos, Pedro
Neto afirmou-se como um “optimista preocupado” e alertou para os retrocessos
registados nos últimos anos.
“Há um momento definidor que é o aumento e o crescimento do
discurso de ódio e até da mentira como forma de manipulação mediática”, disse,
apontando a eleição de Donald Trump como um marco desse retrocesso.
Reconhecendo que “à escala temporal” de 70 anos a “evolução foi
imensa” em matéria de direitos humanos e que “o mundo está muito melhor”, Pedro
Neto lamenta que “nos últimos poucos anos” se tenha “andado para trás”.
“A eleição de Donald Trump marca o tempo a seguir no ataque às
pessoas, na discriminação generalizada a grupos mais vulneráveis e no recurso à
mentira e à manipulação da mentira”, sustentou.
“A sua forma de estar, a retórica de ódio, de conflito, de ir
muito à simplificação dos assuntos e dos problemas, um discurso que demoniza as
outras pessoas. É uma forma muito concreta de dar azo à discriminação”,
reforçou.
O director da AI destacou a importância da Declaração Universal
dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que considerou “lindíssima”, mas
assinalou que os pactos que lhe dão força jurídica não são subscritos por
vários países.
“Isso desresponsabiliza esses países de, através da força
jurídica e da lei, protegerem os direitos humanos. Por isso, é preciso que os
parceiros diplomáticos e as ONG [organizações não-governamentais] sejam uma voz
forte de advocacia social e política para que estes países subscrevam e se
submetam à força jurídica dessas convenções”, defendeu.
“Estamos no século XXI e há coisas nestas convenções que nem se
discutem de tão magnânimas e aceites que são. Portanto, é a hora da coragem, de
meter na força de lei os direitos humanos”, acrescentou.
Para Pedro Neto, os maiores desafios de direitos humanos são
hoje o combate à discriminação e à falta de direitos económicos.
Por um lado, disse, a discriminação de mulheres, refugiados,
comunidades LGBTI [Lésbicas, Gay, Bissexuais, Transgénero e Intersexo] e de
outra raça, e por outro, a inexistência de direitos económicos para franjas da
população.
“Numa altura em que o mundo poder ser próspero e em que é
matematicamente possível que não morra ninguém de fome, que toda a gente tenha
um teto para viver e onde dormir, que toda a gente tenha acesso a cuidados
básicos de saúde, a questão da pobreza extrema e da pobreza em geral é o outro
grande mal”, disse.
Portugal enfrenta, segundo Pedro Neto, também estes problemas de
direitos humanos e destaca a violência racial por parte da polícia, as
condições prisionais, a discriminação salarial das mulheres e no acesso a
cargos de chefia e o problema de acesso à habitação.
“A questão da habitação afecta muitas pessoas em Portugal, já
não apenas pessoas pobres, mas pessoas de classe média ou até pessoas com
empregos que não pagam apenas o salário mínimo. Em determinadas situações,
essas pessoas já têm dificuldades no acesso a uma habitação condigna,
principalmente nos grandes centros urbanos”, disse. ANG/Inforpress/Lusa
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