Covid-19/ “Mais uma pandemia criada pela ação do homem”, lamentam cientistas
Bissau,11 Fev 21(ANG) -Um grupo de especialistas
chineses e da Organização Mundial da Saúde (OMS) acaba de encerrar uma missão
na metrópole chinesa de Wuhan para tentar esclareceu as causas da pandemia de
Covid-19.
A força-tarefa conclui que “provavelmente” o Sars-Cov2 apareceu em um primeiro animal, depois em um segundo, antes de chegar ao homem – mas ainda não identificou exatamente quais foram os bichos, nem as circunstâncias do contágio.
Entretanto, para os
cientistas que estudam há décadas a chamada ecologia da saúde ou medicina
ambiental, o surgimento do novo coronavírus foi tudo, menos uma surpresa.
A repórter investigativa francesa,
Marie-Monique Robin especialista nos temas ambientais, entrevistou 62
autoridades neste tema. Eles estudam o impacto do meio ambiente nas doenças
humanas, em diferentes partes do mundo.
As entrevistas resultaram no livro La
Fabrique des pandémies, préserver la biodiversité un impératif pour la santé
planétaire (A Fábrica das Pandemias: preservar a biodiversidade é um
imperativo para a saúde no planeta, em tradução livre), que acaba de ser
lançado na França.
A jornalista contou ao programa C’est Pas du Vent, da RFI, que a cada conversa com um desses cientistas, ouvia
a desolação de quem já sabia que a próxima pandemia era uma questão de tempo.
Eles não estão bem porque faz pelo menos
20 anos que eles alertam que o melhor antídoto para nos protegermos de uma
pandemia grave é a proteção da biodiversidade”, afirma. "E eles não dizem
simplesmente que é triste que os pássaros e os insetos estejam desaparecendo,
que os pandas vão se extinguir.
Eles colocam prazos e consequências concretas,
mostram que a biodiversidade protege a nossa saúde.”
O ciclo de base dessa engrenagem é
relativamente simples. O desmatamento das florestas, ambiente natural de
milhões de espécies selvagens, leva à desregulação desses ecossistemas. O
resultado é que animais que nunca deveriam estar em contato com o homem
acabam se aproximando de zonas urbanas ou da cadeia de produção de
alimentos destinados aos humanos.
As mudanças climáticas , provocadas
pela ação humana, imtensificam o problema.
Pascal Boireau, diretor do laboratório
animal da Anses (Agência Francesa de Segurança Sanitária Alimentar, Ambiental e
do Trabalho) explica que o aparecimento do vírus nipah, no fim dos anos 1990,
ilustra bem a dinâmica de bumerangue das zoonoses – o homem provoca um dano ao
meio ambiente e, depois, sofre as consequências.
O vírus surgiu na Malásia, após anos de
aumento do desmatamento para a abertura de áreas de cultivo agrícola e criação
de animais, em especial porcos. Com menos florestas, o clima da região se
ressecou e a ocorrência de incêndios se intensificou, causando êxodo dos
animais silvestres.
“As espécie de animais fogem, e os que
voam levam vantagem. Os morcegos frugívoros têm a capacidade de percorrer
centenas de quilômetros para escapar dos incêndios. Eles vão parar em outro
lugar totalmente diferente para dormir e comer”, sublinha o especialista em
segurança sanitária.
"Foi assim que um vírus fatal para o
homem foi parar nos porcos, criados logo embaixo das árvores de bambu onde os
morcegos se refugiaram. Esse vírus causou algumas centenas de mortos na
Malásia."
Os especialistas advertem que, em vez de
enfrentar a essência do problema, a humanidade tem escolhido combater as
consequências: desenvolveu uma vacina e medicamentos em tempo recorde contra a
Covid-19, porém a destruição da natureza e do planeta só pioram.
"Alguns dizem: é simples, vamos
atirar em todos os morcegos e exterminá-lo. Mas não é assim que funciona”,
comenta Marie Monique Robin. "A solução seria pior do que o problema. No
caso dos morcegos, precisamos deles para a polinização, eles também comem
insetos que nos transmitem a malária. Ou seja, precisamos desses animais."
Até que ponto a pandemia vai abrir os
olhos sobre o impacto da crise ambiental na nossa saúde? Os cientistas
demonstram ceticismo. Um exemplo: a maioria das pessoas não vê a hora de voltar
a viajar como antes – sem se questionar sobre o ritmo frenético das viagens ter
sido um fator crucial para acelerar a disseminação dos vírus nas últimas
décadas, com a globalização.
Em poucas horas, passageiros, produtos e
animais vão de um ponto do planeta para o lado oposto, podendo levar consigo
ameaças à saúde para aqueles que vivem no local de destino.
O biologista especialista em ecologia
parasitária é um dos que conclui que a pandemia de Covid-19 simboliza o
fracasso da humanidade no combate à degradação ambiental, seja pela
ação direta nas florestas ou pelo modo
de consumo das últimas gerações.
"Se observamos todas as crises sanitárias
que tivemos, primeiro promovemos o isolamento, a quarentena. Quando há animais,
abatemos a espécie em massa e isso nos leva a aumentar a biossegurança. Agora,
estamos fazendo exatamente a mesma coisa para os humanos."
Em meio a tantas desilusões, Morand ainda tem uma esperança: que a nova geração, a mais consciente sobre a crise ambiental, tomará as rédeas desse combate do homem contra si mesmo. ANG/RFI
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