Angola/Os 59 anos da OUA-UA e a Agenda 2063
Por João Gomes Gonçalves, da ANGOP
Bissau, 24 Mai (ANG) – África comemora a 25 de Maio deste ano o 59.º aniversário da fundação da Organização de Unidade Africana (OUA), proclamada, em Addis Abeba (Etiópia) a 25 de Maio de 1963, por 32 chefes de Estado e de Governo.
O lançamento da OUA resultou de intensos debates contraditórios
(de 22 a 25 de Maio de 1963) dos estadistas africanos, na altura fracturados em
dois grupos, designadamente o de Monróvia ou “gradualistas”, liderados pelo
Presidente Léopold Sédar Senghor (Senegal), e o de Casablanca ou
“imediatistas”, conduzidos por Kwamé Nkrumah (Ghana).
Os primeiros eram pela criação de uma organização inter-estatal
composta por Estados soberanos com as fronteiras herdadas do colonialismo
(conferência de Berlim de 1884-1885), enquanto os outros pugnavam pelo
surgimento dos Estados Unidos de África.
Vingou a ideia dos gradualistas e, como consequência, a OUA
tornou-se num instrumento de cooperação e não de integração estatal.
O consenso sobre o modelo de organização só foi conseguido
graças ao discurso persuasivo do então Presidente da Argélia, Ben Bella, que
acabava de conquistar a independência do país de França, a 03 de Julho de 1962,
depois de uma guerra sangrenta de sete anos (1956-1962).
Na sua carta constitutiva, a OUA propunha-se cumprir cinco
objectivos principais, tais como erradicar os vestígios do colonialismo e do
regime do apartheid; promover a unidade e a solidariedade entre os Estados
africanos; coordenar e intensificar a cooperação para o desenvolvimento;
salvaguardar a soberania e a integridade dos Estados-membros e promover a
cooperação internacional.
No mesmo ano, os chefes de Estado reuniram-se, em Dar Es Salaam
(Tanzânia), para criar o Comité de Libertação da OUA, numa altura em que países
como Angola, África do Sul, Guiné-Bissau, Cabo-Verde, Moçambique, Namíbia e São
Tomé e Príncipe estavam em guerra contra as potências coloniais.
O novo Comité utilizou a Organização das Nações Unidas (ONU)
como tribuna mundial para denunciar as injustiças contra os povos africanos
ainda sob domínio estrangeiro.
Mas, o percurso foi duro, porque em muitas ocasiões os países
africanos, por dependerem da influência da Guerra Fria, que opunha os blocos
liderados pelas super-potências (Estados Unidos e União Soviética) e que
vigorou entre 1949 e 1989, divergiam nos temas de interesse do continente que
os “progressistas” e “moderados” abordavam.
As contradições entre os dois modelos de governação provocavam
um certo imobilismo no seio da OUA, quando se tratasse de tomar decisões sobre
o futuro de África.
Apesar de tudo, no início da década de 90 do século XX, a
maioria dos países africanos conquistou as suas independências, excepto o
Sahara Ocidental, que até hoje continua sob ocupação de Marrocos, que luta para
anexá-lo como parte do reino, com o apoio dos Estados Unidos, da Espanha e
subrepticiamente de outros países ocidentais.
Algumas crises persistiram, todavia, motivadas pelas
reivindicações mútuas das fronteiras legadas do colonialismo, como foi o caso
que, nos primeiros dias do surgimento da OUA, opôs o Benin ao Níger.
Na segunda cimeira da OUA realizada, no Cairo (Egipto), a 21 de
Julho de 1964, a Carta da OUA foi emendada, sob proposta do Presidente Julius
Nyerere (Tanzânia), com a introdução do princípio da intangibilidade das
fronteiras coloniais.
Tal princípio foi uma declaração solene de que todos os
Estados-membros se comprometiam a respeitar as fronteiras herdadas do
colonialismo.
Mas novas crises fronteiriças surgiram, no continente, tais como
a que opôs a Líbia ao Tchad, por causa da faixa de Aouzou (1973-1994), região
setentrional do Tchad rica em petróleo, cobiçada por Tripoli; a invasão da
região etíope de Ogaden pela Somália (1977-1978), o conflito entre a Argélia e
Marrocos sobre o Sahara Ocidental (1976) e a secessão de Biafra da Nigéria
(1966-1970) e da Eritreia (Etiópia-1990), entre outros.
Relativamente à integração económica, a OUA previa, num prazo de
30 anos, dotar-se de um mercado comum, um Parlamento e um banco central.
O Plano de Acção de Lagos, adoptado na cimeira de 1980,
recomendou aos blocos regionais da altura impulsionarem o desenvolvimento
económico de África e a sua auto-suficiência alimentar.
Porém, o Plano fracassou e, em Junho de 1991, foi substituído
pelo Tratado de Abuja, que instituiu um Fundo Monetário Africano.
Hoje, o balanço feito pelos especialistas africanos da área
indica que, em termos de integração económica, o continente girou mais em torno
de grandes projectos irrealizáveis, comparados com os parcos meios alocados,
resultando num insucesso total.
Embora tenha cumprido o seu papel de libertar África, durante a
sua existência, a OUA teve resultados mitigados nos seus projectos económicos e
monetários, por causa das incongruências e falta de unidade dos
Estados-membros.
As razões dessa disfunção também podem buscar-se nas contínuas
influências e dependências estrangeiras que pairavam ou que ainda pairam sobre
muitos Estados africanos.
Para mudar esse quadro, os chefes de Estado e de Governo da OUA
assinaram, a nove (09) de Setembro de 1999, na Líbia, a “Declaração de Sirtes”,
que pediu a criação de uma União Africana, que visasse acelerar o processo de
integração e permitisse ao continente jogar o seu papel na economia mundial, no
âmbito da globalização.
A UA foi oficialmente proclamada, em Durban (África do Sul), a
nove (09) de Julho de 2002, conforme as recomendações da cimeira dos chefes de
Estado e de Governo de Lomé (Togo), organizada a 11 de Julho de 2001.
No momento da sua criação, voltou à ribalta o confronto entre
“imediatistas” e “gradualistas”.
Depois de reclamarem, mais uma vez, pela criação dos Estados
Unidos de África, os imediatistas, desta vez liderados pelo malogrado Muammar
El Kadafi, da Líbia, voltaram a curvar-se perante os “gradualistas” e
decidiu-se apenas pela criação do Parlamento Panafricano, do Banco Central
Africano e do Fundo Monetário Africano, que, no entanto, foram “sol de pouca
dura”.
Enquanto o Parlamento ficou relegado a um mero fórum
parlamentar, as outras instituições ou deixaram de existir pura e simplesmente
ou foram transformados em outros moldes, à semelhança da Nova Parceria
Económica para o Desenvolvimento de África (NEPAD).
Esta última foi uma fusão de dois outros Planos propostos,
designadamente o Omega e o Plano Africano do Milénio (PAM), com o objectivo de
cobrir o imenso atraso de África em termos de desenvolvimento.
Depois de a Comissão da UA lançar a sua visão sobre África, em
Maio de 2013, na capital etíope, Addis Abeba, adoptou-se a Agenda 2063 na 24.ª
cimeira dos chefes de Estado e de Governo da organização panafricana, realizada
de 30 a 31 de Janeiro de 2015, na mesma cidade.
Segundo os seus mentores, combater a pobreza, as desigualdades e
a fome; reforçar a segurança social e a protecção, incluindo para os
deficientes físicos; construir habitações modernas e habitáveis, bem como criar
serviços básicos de qualidade são os principais objectivos.
Para acelerar a sua execução, num período de 50 anos,
elaborou-se na cimeira da UA de 07 a 15 de Junho de 2015, na África do Sul, o
primeiro Plano Decenal (2014-2023), que criou as bases para o lançamento, a 21
Março de 2018, em Kigali (Rwanda), da Zona de Comércio Livre Continental
Africana (ZCLCA), instalada em Accra (Ghana), em Janeiro de 2021.
A ZCLCA tem como secretário-geral o sul-africano Wamkele Mene,
eleito durante a 33.ª cimeira da União Africana, depois de derrotar a nigeriana
Cecilia Akintomide e o congolês democrático Faustin Luanga.
O objectivo final ZCLCA é a integração económica e a criação de
uma união em que se estabeleçam relações económicas reforçadas entre as várias
regiões do mesmo país e reforçá-las no sentido de assegurarem o crescimento e o
desenvolvimento económico de África.
Com este tratado, pretende-se criar no continente um mercado
único de bens e serviços, facilitado pela livre circulação de pessoas,
capitais, mercadorias e serviços, para promover o desenvolvimento agrícola, a
segurança alimentar, a industrialização e as transformações económicas
estruturais.
Pretende-se igualmente a redução ou eliminação progressiva das
barreiras tarifárias, bem como das barreiras não tarifárias ao comércio e ao
investimento e ainda estabelecer regras claras, transparentes, previsíveis e
mutuamente vantajosas para reger o comércio de mercadorias e serviços, a
política de concorrência, o investimento e a propriedade intelectual.
Mas, o projecto, considerado o maior mercado livre do Mundo,
precisa de medidas susceptíveis de estimular a produtividade e aumentar as
oportunidades económicas.
Em termos de segurança, a instabilidade política, nomeadamente,
os golpes de Estado, as guerras inter-étnicas, o tráfico de drogas, o
terrorismo e o radicalismo islâmico estão a obstaculizar a sua efectividade,
acrescentando-se a isso o incumprimento por vários países-membros dos acordos
regionais e os problemas que afectam a circulação de pessoas e bens.
Outro factor inibidor são as incertezas derivadas da ameaça que
paira sobre o continente, por causa da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, com a
perspectiva de conduzir a uma nova ordem mundial e, concomitantemente, a uma
nova Guerra Fria mais rígida, ressurgindo, assim, uma maior dependência em
relação às grandes potências.
De acordo com o relatório de 2021 da CNUCED (Conferência das
Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), o potencial de exportação
ainda não explorado do continente eleva-se a 21,9 mil milhões de dólares americanos,
ou 43% das exportações intra-africanas.
O documento diz também que um potencial de exportação
suplementar de 9,2 mil milhões de dólares norte-americanos pode ser realizado
graças a uma libertação tarifária parcial no quadro da ZCLCA, nos próximos
cinco anos.
O mesmo relatório sublinha que, para libertar o referido
potencial, devem ser anuladas várias barreiras tarifárias intra-africanas,
incluindo medidas não tarifárias caras, lacunas em matérias de infra-estruturas
e de informação, medidas essas que precisam de esforços conjuntos no quadro da
ZCLCA.
Pouco depois do lançamento da UA, em 2002, o francês Antoine
Glaser, director da “Carta do Continente”, dizia temer que na arena
internacional a organização panafricana fosse utilizada para servir os interesses
das grandes potências.
“Os encontros dos chefes de Estado são importantes, apesar do
limite do exercício e a dificuldade de tomar decisões conjuntas”, afirmou,
sublinhando o facto de não ver na UA uma verdadeira estratégia política e de
defesa militar, continuando a ser ainda uma organização institucional.
O pessimismo de Glaser prende-se com o facto de África depender
ainda da ajuda externa para desenvolver alguns sectores, atribuindo a falta de
emergência política da UA à ausência de liderança no continente, embora existam
grandes potências económicas e financeiras como a África do Sul, a Nigéria, a
Argélia e o Egipto.
No seu entender, essas potências estão impossibilitadas de fazer
algo em prol do colectivo, por causa da diversidade dos povos e das situações
dos países em todo o continente. ANG/Angop
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