União Africana/Angola desperta África contra tolerância à golpes de Estado
Por Frederico Issuzo, da Angop
Bissau, 25 Mai 22 (ANG) – A proposta angolana para uma nova postura da comunidade internacional contra os golpes de Estado em África vai estar no centro das atenções da 16ª Cimeira Extraordinária da União Africana (UA), agendada para sábado próximo, na capital equato-guineense, Malabo.
No encontro, de iniciativa do Chefe de Estado angolano, João
Lourenço, os líderes africanos serão chamados a examinar os desafios do
fenómeno do terrorismo e das mudanças inconstitucionais de governos.
Enquanto proponente da reunião, João Lourenço figura entre os
quatro oradores da cerimónia de abertura, com os seus homólogos Teodoro Obiang
Nguema (anfitrião) e Macky Sall (do Senegal), actual presidente em exercício da
UA.
A outra intervenção será de Moussa Faki Mahamat, o diplomata
tchadiano que dirige a Comissão da UA.
Sobre o tema em debate, o Presidente João Lourenço entende que a
liderança africana, em particular, deve adoptar uma posição comum e mais severa
no combate ao extremismo violento e à cultura da mudança de regimes por métodos
inconstitucionais.
Defende a tomada de medidas mais firmes para desencorajar as
alterações irregulares da ordem constitucional, com recurso à força militar, e
responsabilizar convenientemente os seus autores.
Quanto ao terrorismo, o Chefe de Estado angolano advoga,
igualmente, medidas urgentes para a sua erradicação e a assistência necessária
aos países vítimas dos seus efeitos nefastos.
A proposta foi aprovada em Fevereiro de 2020, em Addis Abeba
(Etiópia), mas a convocação da reunião foi atrasada por causa da pandemia da
Covid-19, que impôs um confinamento geral em todos os países.
No quadro dos preparativos do encontro de Malabo, a UA
organizou, em Março deste ano, em Accra (Ghana), um fórum de reflexão sobre a
recorrência dos golpes de Estado, cujas recomendações vão ser apreciadas nesta
16ª cimeira extraordinária.
A revisão e actualização dos instrumentos jurídicos da UA, a
introdução de sanções mais severas contra os golpistas e a prevenção de
modificações constitucionais para alargar mandatos presidenciais ou poderes
executivos estão entre as principais recomendações do fórum de Accra.
A Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação é um
dos dispositivos visados, mediante a elaboração de um protocolo adicional para
suprir lacunas identificadas em matéria de repressão das alterações irregulares
da ordem constitucional no continente.
O fórum de Accra juntou representantes de Estados-membros da UA,
das forças de segurança, da sociedade civil, da academia e de organizações
juvenis e femininas, para oferecer subsídios para uma reavaliação profunda da
resposta africana às recorrentes mudanças inconstitucionais de regimes.
Constatou-se que os efeitos desse fenómeno são “altamente
destrutivos e prejudiciais”para o desenvolvimento dos países do continente.
Em contrapartida, as respostas e os quadros normativos da UA e
das diferentes Comunidades Económicas Regionais (CER), bem como as políticas
para a sua implementação se teriam revelado“deficitárias” em termos de
estratégia e de operacionalidade.
Na óptica de peritos da União Africana, as mudanças
inconstitucionais de regimes são muitas vezes fruto de défices de governação,
má gestão da diversidade, marginalização e violação de direitos humanos.
Acresce-se a isso a rejeição de resultados eleitorais e a
manipulação e revisão ilegal das constituições, a coexistir com a incapacidade
dos governos de satisfazerem as necessidades públicas em bens e serviços,
particularmente nos domínios da segurança, da educação e da saúde.
Acredita-se que o aumento de casos de emendas constitucionais
para alargar os mandatos presidenciais ou os poderes executivos anda de braços
dados com a organização de eleições duvidosas, culminando numa governação
enfraquecida e manipulação política.
A instabilidade política daí resultante oferece refúgio seguro
para grupos extremistas, que criam uma insegurança generalizada às vezes
conducentes a sublevação popular e ao círculo vicioso da instabilidade e golpe
de Estado.
E a ideia de medidas mais rigorosas contra os golpistas tem, de
resto, sido a tónica dominante do discurso diplomático do Chefe de Estado
angolano, nos últimos tempos, sobretudo com o ressurgimento dos golpes de
Estado, na África Ocidental.
Na sua intervenção na última sessão da Assembleia Geral das
Nações Unidas, realizada em Setembro de 2021, poucos dias após o golpe na
Guiné-Conakry, João Lourenço lançou um vibrante apelo nesse sentido.
Instou a comunidade internacional a ser mais vigorosa e
interventiva, em vez de se limitar a emitir simples declarações condenatórias,
quando os golpes acontecem.
Considerou os golpes de Estado uma prática a todos os títulos
reprovável e julgou preocupante o facto de que a alteração da ordem
constitucional, em países africanos, não merecerem uma reacção adequada e
suficientemente vigorosa da comunidade internacional.
Mostrou-se igualmente preocupado com as ameaças à paz e à
segurança mundial que se mantêm por acção de grupos extremistas, em várias
regiões de África, em particular, e do planeta terra, em geral.
Na sua opinião, a comunidade internacional devia mobilizar-se
continuamente para reforçar a capacidade de resposta a esta actividade perigosa
que atenta contra a estabilidade social e económica dos países visados.
Segundo o Departamento de Assuntos Políticos, Paz e Segurança
(DAPPS) da Comissão da UA, nenhum dos conflitos inter-estatais ou guerras civis
que a África pós-colonial viveu ao longo do último século ameaçou a paz, a
segurança e a estabilidade de todo o continente mais do que o terrorismo e o
extremismo violento.
Num dos relatórios preparados sobre a 16ª Cimeira Extraordinária
de Malabo, o DAPPS destaca que a perpetuação dos actos do terrorismo continuam
a ser dominados por três grupos filiados em redes terroristas internacionais,
tais como o Daech (Estado Islâmico) e a Al-Qaeda.
Citando dados do Centro Africano para o Estudo e Pesquisa sobre
Terrorismo (ACSRT), o DAPPS lamenta que os ataques terroristas, em África,
tenham aumentado mais de quatro vezes na última década.
O crescimento é calculado em 508 ataques registados em todo o
continente, em 2021, com um balanço de 2.563 mortos, contra um total de 2.034
incursões e 8.631 vítimas mortais, em 2020.
Esta progressão representa um aumento de 400% nas acções
perpetradas e de 237% nas fatalidades.
Basta notar, a esse respeito, que quatro países da África
Ocidental sofreram golpes de Estado em menos de dois anos.
O Mali foi o primeiro, com sucessivos derrubes de governo por
militares, em Agosto de 2020 e Maio de 2021, antes de chegar a vez da
Guiné-Conakry, em Setembro 2021, e do Burkina Faso, em Janeiro de 2022.
Por sua vez, a Guiné-Bissau levou um “susto” de uma tentativa
fracassada, em Fevereiro do ano corrente.
Ou seja, em menos de dois anos, uma mesma região do continente
africano sofreu quatro golpes de Estado consumados, dos quais dois no mesmo
país (Mali), em menos de um ano, além da tentativa abortada.
Este quadro gerou receios de um forte efeito contagioso que
levaria o fenómeno a replicar-se em mais países da região ou do continente,
criando instabilidade política generalizada e inviabilizando os processos
democráticos.
Em Accra, ficou evidenciado que a condenação efectiva das
mudanças inconstitucionais de governos, particularmente através da tomada de
poder pelos militares, também só é possível lá onde o constitucionalismo é uma
realidade e não uma fachada.
Por tudo isso, torna-se necessário reconhecer que os
instrumentos normativos africanos tornaram-se cada vez menos eficazes para
prevenir golpes de Estado, o que significa que, ainda que continuem em vigor,
tais documentos atingiram hoje os seus limites.
Trata-se de dispositivos como o Acto Constitutivo da União
Africana, a Declaração de Lomé e a Carta Africana sobre Democracia, Eleições e
Governação, entre outros.
Muitos questionam-se, por exemplo, se a decisão do Conselho de
Paz e Segurança da UA de não considerar o caso Tchad como um golpe de Estado
terá alimentado (ou não) as ambições dos golpistas que destituíram Condé na
Guiné-Conakry e Kaboré, no Burkina Faso.
Outros levantam a questão do tratamento dado aos golpistas que
acabam por não sofrer sanções ou outras consequências susceptíveis de
desencorajar orquestrações futuras de golpes se cumprirem as exigências ou
requisitos da ‘clássica’ transição.
Defende-se, por isso, a teoria da necessidade de se fortalecer uma
cultura que transforme o constitucionalismo numa forte convicção e não uma mera
implementação e respeito das normas constitucionais, mas que transcenda o
formalismo para se tornar numa crença inabalável na supremacia da constituição
enquanto fundamento sacrossanto e inviolável das nações.
ANG/Angop
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