Biodiversidade / Acordo de proteção de 30 por cento do planeta
Bissau, 28 Fev 23(ANG) - As mudanças climáticas e seus
efeitos, a proteção da Biodiversidade no mundo e em África em particular,
voltam a ser temas de debates na Cimeira
sobre Proteção da Floresta Tropical, a ter lugar entre 1 e 2 de Março, no
Gabão.
O evento vai certamente trazer a mente dos
ambientalistas, as promessas por cumprir feitas em fóruns anteriores.
Por esta ocasião, a ANG divulga em recapitulação uma
entrevista da RFI ao ministro guineense do Ambiente e Biodiversidade sobre o
acordo alcançado na Conferência das Nações Unidas sobre a Biodiversididade,
realizado em Dezembro passado,em Montreal, no Canadá.
“Países se comprometeram a proteger 30 por cento da
biodiversidade do planeta até 2030 e a disponibilização de cerca de 30 mil
milhões de euros para ajuda à conservação para os países em desenvolvimento.
O ministro do Ambiente e Biodiversidade da
Guiné-Bissau, Viriato Cassamá, diz à RFI que, se o acordo for bem implementado,
a humanidade estará a dar um passo histórica na preservação da biodiversidade.
RFI: O que é que representa este acordo para o planeta?
Viriato Cassamá: Este acordo, se for bem implementado,
representa um marco histórico e a boa vontade da comunidade internacional em
proteger os recursos da biodiversidade. O acordo prevê a protecção de 30% da
biodiversidade do planeta até 2030. Do meu ponto de vista, temos de arranjar
soluções para melhorar as condições de vida das comunidades que protegem estes
recursos da biodiversidade. Sem uma acção robusta, este acordo não vai passar
de um compromisso de boas intenções.
Os países concordaram com um roteiro que visa proteger 30% do
planeta até 2030. Em que é que consiste este roteiro?
Penso que cada país irá trabalhar nesse sentido. No caso da
Guiné-Bissau, o país já conta com 26% do nosso território nacional como área
protegida. Todavia, é preciso fazer acções concretas, criar mecanismos capazes
de gerar rendas para as comunidades que vivem nessas áreas protegidas. Se isso
não for feito, não vamos conseguir proteger, nem preservar a nossa
biodiversidade. Não podemos esquecer que a população é tributária desses
recursos naturais.
Anualmente serão disponibilizados cerca de
28 mil milhões de euros para a ajuda à conservação para os países em
desenvolvimento. Como é que se vai traduzir esta ajuda? Quais são as áreas
prioritárias?
A ser aplicado, este fundo seria uma boa
notícia para os países em desenvolvimento, países que concentram a maioria dos
recursos da biodiversidade. É preciso que este projecto não acabe como o Fundo
Verde Para o Clima, que devia contar anualmente com 100 mil milhões de
dólares, até 2020, mas esse compromisso ainda não foi materializado.
Espero que este anúncio do apoio de cerca
de 30 milhões venha a concretizar-se, caso contrário não vamos conseguir
proteger a nossa biodiversidade. Por mais vontade que tenhamos em proteger os
recursos da biodiversidade, se não conseguirmos criar alternativas de vida e
sustento para as comunidades mais fragilizadas, não vamos conseguir atingir
esta meta.
Diz que é preciso criar alternativas. Que
alternativas serão essas?
É preciso criar condições de vida para as
comunidades que dependem directamente da biodiversidade. Precisamos de ensinar
as pessoas a gerir recursos da biodiversidade de forma sustentável, criar
escolas e mecanismos alternativos de renda para estas comunidades. Isto porque
as comunidades indígenas dependem exclusivamente da biodiversidade.
Este texto não esquece os povos indígenas,
guardiões de 80 % da biodiversidade remanescente da terra. Quais são as
garantias dadas a estas comunidades?
O acordo é global. A meu ver, no futuro,
vamos ter de trabalhar em acções concretas. Não havendo alternativas de renda,
iniciativas locais sustentadas pela comunidade internacional, esta ambição
[proteger 30% do planeta até 2030] não será exequível.
É urgente criar leis mais robustas, pois
quem delapida os recursos da biodiversidade não são os indígenas. Quem delapida
os recursos da biodiversidade são os industriais que vêm de fora e, por essa
razão, defendo que é preciso reforçar a legislação internacional.
Há ainda o compromisso de restaurar 30%
das terras degradadas e reduzir para metade o risco ligado aos agrotóxicos….
Sim, há esse compromisso. No entanto, tudo
isso depende do financiamento. Os grandes países que conservam a
biodiversidade, na sua maioria, são países que precisam de ajuda internacional
para procederem à restauração das áreas degradadas. A restauração das áreas
degradadas, estamos a falar de 30%, exigem acções concretas, como, por exemplo,
a reflorestação e a introdução de espécies ameaçadas no seu habitat natural.
A China apresentou uma proposta para
resolver a eterna questão financeira entre o Norte e o Sul. O que é que se sabe
sobre esta proposta?
Ainda estamos no campo das intenções. Há
uma grande discrepância entre o Norte e o Sul e não é de um dia para o outro
que vamos atingir metas paralelas. Para se alcançarem essas metas, é preciso
ter vontade política e mobilizar os países ricos. Esta proposta mexe com as
economias de outros países.
A República Democrática do Congo opôs-se a
este acordo. Quais foram os argumentos evocados por este país?
A Republica Democrática do Congo integra o
grupo de países da Bacia do Congo que constituem o santuário da biodiversidade,
a nível mundial. Mas o que é que estes países ganham com a protecção da
biodiversidade? Penso que a Republica Democrática do Congo quer ver o retorno
das acções que este grupo de países tem feito na protecção da biodiversidade.
O secretário-geral da ONU, António
Guterres, afirmou, recentemente, que a humanidade se tornou numa "arma de
extinção em massa". Acredita que este «pacto” é uma tentativa de fazer a
paz com a natureza, ou não passa de um acordo de intenções?
Há aqui muitas hipóteses. Na minha
opinião, este acordo só será exequível se houver uma consciencialização global
para se sair das intenções e passar-se para o plano real. O homem precisa de
reencontrar-se com a mãe natureza, mas este caminho exige acções concretas. No
âmbito do clima, vimos que nas várias COPS, os resultados não passam de
intenções. Na prática não se fez grande coisa. Espero que, no domínio da
biodiversidade, saiamos das intenções para as acções concretas. ANG/RFI