Guerra /Olhares cruzados sobre um ano de ofensiva russa na Ucrânia
Bissau, 24 Feve 23 (ANG) - Nesta sexta-feira, faz um ano que as tropas russas lançaram a sua ofensiva contra a Ucrânia, alargando assim o conflito vigente desde 2014 no leste do país.
Segundo
estimativas da Noruega, 180 mil soldados russos terão morrido ou ficado
feridos, enquanto do outro lado, foram contabilizadas 100 mil baixas entre os
militares ucranianos.
A
ONU estima que em um ano de conflito morreram mais de 7 mil civis, dados que as
próprias Nações Unidas acreditam ser aquém da realidade.
Esta guerra também provocou uma crise humanitária. Um recente
relatório da Organização Mundial da Saúde, contabiliza quase 18 milhões de
pessoas que precisam de ajuda humanitária na Ucrânia, sendo que a ONU dá
igualmente conta de 5 milhões de deslocados internos.
Ainda segundo as Nações Unidas, mais de 8 milhões de ucranianos
foram obrigados a fugir do país, rumo maioritariamente para a Polónia que
acolheu 1,5 milhão de ucranianos, ou ainda a Alemanha onde se contabilizam mais
de 1 milhão, sendo que a França acolheu por sua vez cerca de 119 mil ucranianos
nestes últimos meses.
De acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal,
de há um ano a esta parte o país acolheu 58 mil refugiados ucranianos. Pavlo
Sadokha, presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, dá conta de
alguns dos desafios enfrentados pelos seus compatriotas ao chegarem a Portugal.
"O principal problema que continua a ser grave é o problema de
habitação para estes refugiados. Inicialmente, nós tivemos muitas vagas, com
particulares que ofereciam as suas casas mas também de ter em conta que neste
momento os portugueses sentem os efeitos da crise económica e da crise de
habitação. Isto também está a influir nos ucranianos", considera o líder
associativo.
"O segundo maior problema que sentimos, é o problema com as
crianças ucranianas. De acordo com dados do Ministério da Educação, das 14 mil
crianças ucranianas (que se encontram no país), só foram matriculadas 4 mil.
Cerca de 10 mil estão fora do sistema de educação, embora saibamos que
continuam a estudar 'on line' nas suas escolas na Ucrânia" refere Pavlo Sadokha
para quem esta transição constante entre a Ucrânia e Portugal é problemática
para as crianças.
"Nós reparamos, passado um ano, que crianças mas também adultos,
mas sobretudo as crianças, estão a passar um trauma psicológico forte. A
maioria destas crianças não se matriculou para as escolas portuguesas ou não
quer continuar a frequentar estas escolas. Estão numa situação indecisa entre
regressar em breve à Ucrânia ou continuar aqui", explica o activista que por outro lado também menciona problemas
administrativos que travam a instalação dos ucranianos em Portugal.
Para além das consequências sentidas a vários níveis na Ucrânia,
na Europa e também no resto do mundo, em termos nomeadamente de aumento do
custo de vida e de dificuldades de acesso a bens alimentares, a guerra teve
evidentemente consequências concretas na existência dos russos que, num
primeiro tempo, sentiram os efeitos das sanções económicas e depois, em
Setembro de 2022, se viram confrontados com a mobilização parcial dos civis
para a guerra, o que levou muitos a fugir.
Ksenia Ashrafullina, activista e opositora russa radicada há mais
de dez anos em Portugal, tem denunciado os efeitos da guerra e da política
aplicada no seu país. Ela participa nesta sexta-feira no final da tarde numa
marcha de solidariedade para com o povo ucraniano junto da Assembleia da
Républica portuguesa, em Lisboa.
Para esta militante, o conflito aprofundou um pouco mais o fosso
existente entre diversas Rússias, aquela que apoia Putin, aquela que se opõe e
aquela que tenta continuar a viver uma vida normal. "Há
obviamente várias camadas na sociedade. Há pessoas que passam muitas horas a
ver a televisão e mantém-se no hábito da propaganda. Muitas destas pessoas
começaram a perceber que o exército volta em sacos plásticos, mortos. Mas há um
mecanismo esquisito de protecção psicológica que continua a recusar que tudo
isto existe. Obviamente também existem pessoas que percebem o que está a
acontecer e estão contra. Na medida do possível, tentam falar e convencer os
mais próximos mas têm medo de o fazer publicamente dentro da Rússia porque
sabemos que durante este ano 20 mil pessoas foram detidas por expressarem a sua
oposição",
começa por referir a activista.
Evocando a situação dos russos que fugiram do país que, segundo
estimativas terão sido 1.500 a estabelecer-se em Portugal nestes últimos meses,
Ksenia Ashrafullina refere que foram poucos aqueles que chegaram ao país
porque "Portugal
está longe, não é económico. Uma pessoa que, de um dia para o outro, tem de
fugir e depois tem os cartões bancários bloqueados, não é para Portugal que
vai. Deve ter meios alternativos de se manter ou saber que há maneiras de
encontrar trabalho."
Sobre o acolhimento reservado aos russos no país, Ksenia
Ashrafullina julga que não existem preconceitos porque "Portugal é um país
que historicamente tem pouco a ver com a Rússia" e observa por outro lado
que, longe da frente de combate, criou-se de forma geral um elo de
solidariedade entre expatriados russos e ucranianos em Portugal. "Há
uma grande comunidade ucraniana já radicada em Portugal e já existiam laços
entre todas as pessoas que partilham o passado soviético. Também existem
momentos de um certo ódio ou de recusar tudo aquilo que é russo da parte dos
ucranianos, mas a nossa postura é de considerar que é normal (...) nós vamos
continuar a apoiar os ucranianos. Estamos completamente do lado deles", conclui
a opositora russa.
Passado um ano de conflito, nada indica que se vão silenciar as
armas no imediato. Na terça-feira, no seu discurso anual sobre o estado da
Nação, o Presidente Putin argumentou que a Rússia luta na Ucrânia "pelos seus territórios históricos" e
anunciou a sua decisão -entretanto validada pelo parlamento russo- de deixar
formalmente de cumprir o tratado New Start de não-proliferação nuclear.
Por outro lado, nestes últimos dias, os países da NATO deram
garantias do seu apoio à Ucrânia, nomeadamente com a entrega de equipamentos
pesados, sendo que no começo da semana o Presidente americano efectuou uma
curta visita a Kiev para vincar a solidariedade do seu país para com os
ucranianos, uma visita que foi considerada pelo seu homólogo ucraniano como
sendo "simbólica". ANG/RFI
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