Portugal/Rede Lusófona
para o Clima visa fortalecer cooperação climática entre países de língua
portuguesa
Bissau, 15 Dez 25 (ANG) - A Rede Lusófona
para o Clima, uma iniciativa conjunta da ZERO – Associação Sistema Terrestre
Sustentável e da Oikos – Cooperação e Desenvolvimento, foi oficialmente lançada
em Novembro, à margem da COP30,e pretende criar um espaço de cooperação entre
países lusófonos na mitigação e adaptação às alterações climáticas.
A
primeira fase da rede foca-se em África, mas a ambição é estender a acção a
toda a lusofonia, incluindo Brasil e Timor-Leste.
De acordo com o comunicado de lançamento, a iniciativa assinala
a criação de uma nova aliança destinada a fortalecer a cooperação climática
entre os países de língua portuguesa. A Rede Lusófona para o Clima nasce com o
propósito de promover a acção climática conjunta entre organizações da
sociedade civil, jovens líderes, activistas e representantes comunitários dos
Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e de outros territórios
lusófonos. O objectivo é reforçar a presença e a influência das vozes lusófonas
nos processos globais de decisão sobre o clima, incentivando o diálogo, a
partilha de conhecimento e o desenvolvimento de soluções sustentáveis
alicerçadas em laços culturais e linguísticos comuns.
“Como pode um
espaço lusófono comum fortalecer a sociedade civil e as comunidades dos países
de língua portuguesa na influência da política climática global, promovendo uma
governação inclusiva e equitativa?” foi o ponto de partida para o debate
que contou com a participação de Miguel de Barros director executivo da
Tiniguena (Guiné-Bissau), Ilda Cerveja, da Youth for Climate Action Platform
(Moçambique), Jédio Fernandes, coordenador do Colégio de Engenharia Ambiental
da Ordem dos Engenheiros de Angola e em representação das organizações
fundadoras, Francisco Ferreira, presidente da ZERO (Portugal), e José Luís
Monteiro, da Oikos (Portugal).
Miguel de Barros, director executivo da Tiniguena
(Guiné-Bissau), destacou a urgência da cooperação: “Esta iniciativa é muito importante se tomarmos em consideração que só
no ano passado nós tivemos cerca de 18% da população africana em situação de
pobreza climática. Isso significa mudanças estruturais no sistema produtivo, no
acesso à terra, na segurança alimentar, mas também provoca uma incidência muito
forte na migração juvenil das zonas rurais, atendendo às dificuldades de
inserção na agricultura familiar. A ausência de modernização da agricultura
familiar tem levado a uma certa reconfiguração do espaço das cidades, com maior
concentração, sobretudo nas zonas urbanas.”
O investigador guineense sublinhou ainda os desafios da erosão costeira, da
salinização dos campos agrícolas e da falta de tecnologias adaptadas: “As
fragilidades existentes fazem com que esta oportunidade de lançamento da rede
nos permita trabalhar numa perspectiva de harmonização de políticas públicas,
detecção da variabilidade climática e adaptação às transformações, promovendo
simultaneamente a transição energética e a educação para o clima.”
Para Francisco Ferreira, presidente da ZERO (Portugal), a acção
climática deve ser integrada e inclusiva: “Em
Portugal temos de garantir que as políticas climáticas conseguem atingir os
seus objectivos em termos de adaptação e mitigação. A responsabilidade é muito
maior, porque somos um país desenvolvido, com excesso de emissões em vários
sectores. Além disso, a CPLP é uma comunidade com uma elevada percentagem de
áreas classificadas como Reserva da Biosfera, o que nos dá potencial para
trabalhar nas várias linhas da biodiversidade, terrestre e oceânica.” Francisco Ferreira
enfatizou ainda a importância do financiamento: “O financiamento deve ser uma
prioridade. Temos apoiado Portugal, como ZERO, na negociação da dívida e na
conversão da dívida em projectos climáticos em cada um dos países. É preciso
que isso se expanda para além de Cabo Verde, que é o único institucionalizado.
Já se falou em São Tomé e Príncipe, mas é necessário que haja financiamento de
forma ampla, não apenas pelo sistema público, mas também pelo privado.”
Ilda Cerveja, da Youth for Climate Action Platform (Moçambique),
abordou a vulnerabilidade de Moçambique aos fenómenos climáticos extremos: “Moçambique
é um dos países mais afectados pelos eventos climáticos extremos,
principalmente os ciclones, que acabam resultando em cheias e secas. Pelo menos
dois ciclones afectam o país por ano, o que compromete a capacidade de resposta
a este desafio. O país é extremamente vulnerável devido à forma como a terra é
usada, à ocupação e às infra-estruturas. A maior parte da nossa população são
crianças e jovens, e este grupo é particularmente afectado pelos eventos climáticos
extremos. Um dos principais desafios na nossa participação nos espaços de
debate climático é a língua, o que limita a nossa capacidade de intervenção.”
Jédio Fernandes, coordenador do Colégio de Engenharia Ambiental
da Ordem dos Engenheiros de Angola, descreveu a situação no seu país: “Províncias como Cunene, Huíla e Namibe
enfrentam a pior seca dos últimos 40 anos, com consequências graves para a vida
das populações. A actividade económica destas regiões depende da produção de
gado em massa. Sem vegetação e água, o gado morre. Isto força as populações a
abandonarem as zonas rurais, aumentando a pressão sobre Luanda, que foi
projectada para 500.000 pessoas e hoje acolhe cerca de 9 milhões. Vemos com
bons olhos o lançamento da Rede Lusófona, que permite agir em bloco e comunicar
com maior clareza na nossa própria língua.”
Miguel de Barros acrescentou, ainda, que a rede deve focar-se na
justiça climática e apoio a grupos vulneráveis: “Numa primeira instância, a
própria rede tem de ser capaz de trazer esse diálogo na forma como quer estar e
quer se posicionar. E nesse campo há duas perspectivas que, para mim são
essenciais: a questão da responsabilização dos países emissores e, ao mesmo
tempo, uma abordagem para a justiça climática; outra
questão, que para mim é estrutural, é que, por exemplo, no caso
africano, mais de 64% da mão-de-obra na agricultura familiar depende das
mulheres. E quando vamos olhar o impacto das mudanças climáticas dos últimos
cinco anos, há uma projecção de perda de pelo menos de 34% da mão-de-obra na
agricultura, afectando sobretudo as mulheres. Então, devemos olhar por uma
perspectiva de como é que a rede traz uma abordagem sobre os grupos
vulneráveis, em particular as mulheres, permitindo, por um lado, salvaguardar
os grandes biomas, mas também toda a transição ecológica em termos de emprego,
educação, profissionalização e criação de colectivos.”
José
Luís Monteiro, da Oikos, reforçou a dimensão prática do projecto: “A rede existe para produzir resultados
concretos, não apenas declarações. Queremos apoiar projectos, formação e formas
de dar escala ao trabalho das comunidades dos PALOP”.ANG/RFI